VIAGENS E DIÁRIOS DE BORDO


Diário de Bordo da Viagem de Julho 2014

Sexta-feira - 4 de Julho
Participamos, integrados na comissão da Associação Les Amis du Padre Himalaya de Sorède, na inauguração do Parque "Agri-Solaire" em Ortaffa, perto de Sorède. 
As imagens deste parque, que aqui reproduzimos, pertencem ao blogue Habitat Durable. 
Nesse blogue referem-se vários dados sobre esta eco-experiência que é a maior quinta agro-solar, no Languedoc-Roussillon e que produz 35 milhões de KWh por ano.
Experiência promovida pelo presidente da câmara Raymond Pia: organização dum território ecosistémico com o funcionamento simbiótico utilizando painéis solares e permitindo ao mesmo tempo agricultura biológica com vinhas, abelhas e pastoreio de ovelhas da região.







Sábado - 5 de Julho
Festa do Sol no Mas del Ca, Sorède.
Numerosos elementos da Associação "Les Amis du Padre Himalaya de Sorède" participaram na Festa do Sol, que incluiu um convívio com "méchoui" num ambiente educativo onde não faltaram diversos protótipos solares e também triciclos e carros movidos pela energia solar.









Segunda-feira - 7 de Julho
Palestra no Salão de Festas da Câmara Municipal de Sorède:
*Lundi 7 Juillet 2014 à la SALLE des FETES de Soréde
à partir de 17h00 :« Soirée Himalaya »
« INVITATION Tout Public»
Organisée par le Conseil d’Administration et la Commission Scientifique de l’association  
Invitation TOUT PUBLIC...Gratuit et Ouvert à tous,
Adhérents, non adhérents et vacanciers...

“Soirée  Himalaya :  Qui était Himalaya...avec la participation de notre ami, Professeur Emérite portugais Jacinto Rodrigues de l’Université de Porto. Projection du Film de 52 mn “A Utopia Do Padre Himalaya”, sous titrage en français suivi de l’INTERVENTION du Professeur Jacinto Rodrigues 
* Apéritif offert par l’association à l’issu de l’intervention et des questions – réponses en direct avec le Professeur Jacinto Rodigues.










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Michel Valentin
13 de Maio de 2012


Foi com imenso pesar que tivemos conhecimento da morte do nosso amigo e impulsionador do projeto de Les Amanins, Michel Valentin.

Ontem mesmo enviamos um e.mail manifestando o nosso pesar e recordando os momentos que tivemos a oportunidade de partilhar com o Michel e com alguns dos amigos deste extraordinário projeto:


"Chers Amis

C’est avec la plus grande tristesse que nous avons reçu la notice de la mort de Michel Valentin.
Nous sommes consternés pour cet événement.
Nous avons été ensemble plusieurs fois.
Il y a déjá quelques années, quand les premiers travaux commençait dans le chantier des Amanis. Nous venons d’arriver d’un stage au Marroc avec Pierre Rabhi. Michel conduisait un gros camion et transportait des materiaux pour le chantier, aidant a la construction des batiments.
Aprés, dans une rencontre de Terre du Ciel, nous l’avons ecouté avec Isabel sur le project des Amanins.
Nous avons suivi au Portugal, pendant ces années, le developement du project des Amanins. Et puis, en 2010, avec des étudiants de l’université, je me suis rendu aux Amanins et nous avons eu comme guide Michel que tenait a tout expliquer, a moi et a mes étudiants d’architecture, les détails de léco-construction en terre, bois, paille, pierre, etc.
Nous avons eu des conversations trés interessantes sur la stratégie des Amanins, la formation et l’activité pedagogique pour adultes et enfants.
Nous vous envoyons ci-joint quelques images de ces jours inoubliables oú sa fraternité et son espoir dans l’avenir nous a touché a tous:
Nous voudrons rendre cette humble hommage a Michel, restituant ces images de cette rencontre remarquable oú il exprime une grande humanité et une profonde inspirations.
Jacinto Rodrigues
(Professeur Emmérite de l’Université du Porto- Portugal et membre de Terre et Humanisme)
Rosa Oliveira
António Rodrigues
Emanuel Monteiro"

Para testemunhar a grandeza do Michel aqui fica uma entrevista que ele nos concedeu, da última vez que visitamos Les Amanins a 7 de Maio de 2010 e que pode ser consultada nos links acima referidos.
Juntamos também um artigo escrito em 2007, aquando da nossa primeira visita ao projeto de Les Amanins e a Pierre Rabhi.

Pierre Rabhi, Sophie Rabhi e Michel Valentin
Jacinto Rodrigues visita Terre et HumanismeHameau des Buis e Les Amanins

Pierre Rabhi nasceu na Argélia, num pequeno oásis do sul.
Muito novo moveu-se entre duas culturas. Preservando as suas raízes duma família sufi, argelina, foi educado por um casal de professoress franceses após a morte de sua mãe.
Em 1958, tendo vindo muito novo para França com os pais adoptivos, conheceu a vida operária numa fábrica de Paris mas acabou por vir a instalar-se numa província do interior, Ardèche, com a sua família, tornando-se agricultor. Orientando a sua actividade rural durante 25 anos para a agro-ecologia, tornou-se num “expert”. Veio a ser consultor de organizações internacionais e divulgou os seus conhecimentos em agro-ecologia em diversos países africanos. Ao longo da sua actividade como consultor, forneceu utensílios teóricos e práticos para a autonomia alimentar das populações, procurando reconciliar a actividade humana com a natureza.
Em 2002 lançou o “apelo para uma insurreição da consciência” e foi candidato alternativo às eleições presidenciais francesas. Tal como em 1974, Renné Dumont, célebre engenheiro agrónomo e pioneiro da ecologia, teve grande impacto sobre a vida política convencional. A problemática agro-ecológica tornou-se, a partir de então, objecto de debate alargado aos cidadãos.
A importância de Pierre Rabhi, cuja obra científica e literária[1] é já reconhecida no mundo, está no facto de se engajar numa prática de vida, num ensino da frugalidade feliz que o tornaram numa figura emblemática: um novo Gandhi dos nossos dias.
As ideias-base de Pierre Rabhi podem resumir-se à:
- Não violência;
- Pertença inter e transcultural como atitude nova dum universalismo concreto, alimentado pelas experiências singulares vividas;
- Recusa  do dogma do crescimento e defesa de um decrescimento na área das tecnologias contaminantes e de esgotamento;
- Recusa de uma modernidade em que se “vive para trabalhar em vez de trabalhar para se viver” e duma “civilização de combustão triunfante” da termodinâmica dissipativa que enjeita a realização criativa do trabalho manual e intelectual.
Rabhi desenvolveu uma acção em várias frentes. Da problemática altermundialista à intervenção local, abrangendo experiências em locais diversos como França, Marrocos, Burkina Fasso, etc. Pensar e agir criando alternativas participadas.
A palavra de ordem do movimento “Terre et Humanisme”, de que é Presidente de honra, consiste em promover experiências exemplares de agro-ecologia por todo o território - criar “um oásis em cada lugar”.
O movimento “Terre et Humanisme” tem apoiado inúmeras iniciativas em África e na Europa. Tem desenvolvido acções de formação, particularmente em agro-ecologia e na pedagogia social. Tem-se oposto à introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) levando a cabo acções comuns, com várias organizações, contra as multinacionais responsáveis pela introdução dos OGM. Pierre Rabhi tem trabalhado em cooperação com a Universidade “Terre du Ciel” e tem sido uma voz activa na política favorável à consciência ecológica. Veja-se, o livro que escreveu, recentemente, com Nicolas Hullot[2]. Trata-se de uma importante contribuição na ecosofia.
Por outro lado, encarando uma actividade prática, Pierre Rabhi realiza projectos-piloto em Marrocos, Burkina-Fasso, Mali, etc.
Actualmente, em cooperação com Michel Valentin, participa no projecto “Les Amanins”, escola de vida, quinta experimental educativa, cujo objectivo central é formar agentes de eco-desenvolvimento, dotados de intrumentos teórico-práticos para a mudança do paradigma.  
No dia 22 de Agosto de 2007, depois de atravessarmos a pequena vila de Lablachère, seguimos para a casa de Pierre Rabhi, situada no lugar de Montchamp. É nesse lugar que se situa a quinta de Pierre com uma casa de construção vernacular onde encontramos a Michele Rabhi. O Pierre ainda não chegara duma reunião em Mas de Beaulieu.




A Michele mostrou-nos a pequena escola Montessori, construção pré-fabricada de madeira, que desde há 5 anos tem sido o local de trabalho de Sophie Rabhi, filha do casal. A quinta permite um contexto de apoio à formação educativa da escola. Assim, o pomar, a horta agro-ecológica, o galinheiro e as cabras constituem um complemento essencial à escolinha “Jardin d’enfants”. As crianças têm um contacto directo com o mundo rural e os produtos da quinta ajudam a complementar a alimentação das crianças.
Entretanto começamos a conversar com uma das educadoras. Ela explicou-nos: “A metodologia de ensino Montessori é amplamente articulada com inovações que surgem no contexto da quinta agro-ecológica praticada por Pierre Rabhi e também pelo olhar de novas experiências pedagógicas”.
Fomos ver a construção de uma “yurta” em lona que viera articular-se, com a sua forma redonda, à construção funcional e rectangular dos 2 pavilhões pré-fabricados em madeira. 







Por outro lado, a sanita seca mostra a integração da escola no mundo rural, permitindo, no processo agrícola, a compostagem de dejectos humanos e outros nutrientes orgânicos como fertilizantes da terra. Revela-se assim o conceito de Lavoisier: na natureza nada se perde, tudo se transforma.
O “cabanon de la colère” é uma pequena cabana, um pouco isolada em que as crianças, quando estão muito excitadas, são convidadas a extravasar as suas energias e pequenas raivas. Uma espécie de catarse voluntária para acalmar os mais excitados e facilitar o ritmo da aula.

Entretanto chega o Pierre Rabhi. Recordamos a viagem a Marrocos, o estágio em agroecologia na aldeia de Kermet Ben Salem. E enquanto caminhávamos pela quinta, o Pierre relatava os programas internacionais do trabalho da Associação “Terre et Humanisme” em Marrocos, no Mali, no Senegal e Burkina Fasso.
Pode-se resumir assim a sua estratégia:
1)      A mudança a partir da situação concreta em que se vive;
2)      Ter consciência clara de que a felicidade terá de ser conquistada por nós mesmos;
3)      Haver uma mudança essencial sobre a visão do mundo. A agro-ecologia poderá tornar-se no factor de harmonização do homem com a natureza, graças a uma ecotecnologia e a uma ecosofia.



Pierre Rabhi desenvolveu algumas ideias sobre a necessidade de se internacionalizar este conceito de criar “oásis em todos os lugares”.
Em seguida voltamos a revisitar o trabalho de Pierre Rabhi em França.
Relatou-nos a actividade desenvolvida já ao longo de anos na sede do movimento “Terre et Humanisme” em Mas de Beaulieu, onde os estágios de formação em agro-ecologia constituem a estrutura principal do trabalho.
Em 2008 irão fazer-se estágios de 6 dias:
- 14 a 19 de Abril
- 12 a 17 de Maio
- 30 a 5 de Julho
- 15 a 20 de Setembro
- 6 a 11 de Outubro
Nestes estágios dá-se uma formação abrangente de agro-ecologia:
- História da agricultura do neolítico até à actualidade;
- Noções de permacultura e biodinâmica;
E procede-se a uma prática de agro-ecologia:
- Trabalho de fertilização optimizada de solos, irrigação, compostagem, etc.
Tínhamos visitado o Mas de Beaulieu há já alguns anos. Mas, durante o ano de 2007 deu-se um salto qualitativo. Passaram pelo trabalho agro-ecológico da sede do movimento “Terre et Humanisme” mais de 200 estagiários e 160 cooperantes voluntários.
Neste período construiu-se um poço canadiano, um armazém agrícola, refizeram-se muros e plantaram-se novas árvores de fruto.
Importa referir ainda a cooperação de Pierre Rabhi no projecto intergeracional do Hameau des Buis, loteamento ecológico em torno de uma quinta agroecológica educativa. Este projecto nasceu da filha de Pierre, Sophie Rabhi e do seu marido Laurent.









A experiência de Les Amanins é uma outra iniciativa de cooperação conjunta entre Pierre Rabhi e Michel Valentin. Estes dois homens descobriram uma complementaridade que os consolidou em torno de um mesmo projecto - um centro agro-ecológico.
Num terreno de 55 hectares vai realizar-se uma experiência bio-económica onde a prática agro-ecológica se articula com uma actividade pedagógica em torno de uma escola com crianças e também à volta de ateliers de formação para adultos.
O coração do projecto é a quinta agro-ecológica . Mas também a escola do colibri, dirigida por Isabelle Peloux.






Este centro vai tornar-se uma experiência exemplar, formativa, demonstrativa e criativa para a necessária mudança de paradigma.
Será uma eco-escola em França, ao serviço de uma visão internacional do ecodesenvolvimento e da paz.
A visita que fizemos levou-nos às várias estruturas já construídas. Um centro de recepção, a futura padaria e cantina e os vários ateliers ligados à actividade agro-ecológica e à escola.
A bioconstrução integra-se num vasto plano de logística para ateliers, alojamento e protótipos de energias renováveis.
Entretanto, o Boletim de “Terre et Humanisme” tem-se expandido cada vez mais relatando além das actividades do Mas de Beaulieu os trabalhos realizados no domínio internacional.
Assim, dando provas de uma abertura intercultural e transcultural, Pierre Rabhi desenvolve a sua actividade numa perspectiva internacional e local.
São vários os países africanos onde existem, desde alguns anos, experiências exemplares orientadas segundo o trabalho de Pierre Rabhi.
A experiência no Burkina Fasso, em Goron Goron, com a implantação de um centro agroecológico, baseou-se nos recursos endógenos e na participação das populações. Tornou-se um exemplo internacional para um outro modelo de ecosustentabilidade para África.
O livro “Offrande du Crepuscule”[3] descreve, em detalhe, esta experiência notável.
A actividade do movimento “Terre et Humanisme” alastrou-se ainda a outros países. Assim, tivemos o privilégio de vivenciar a experiência da aldeia de Karmet-Bensalem, em Marrocos onde se explicita esta prática agroecológica  e de participação social criando locais demonstrativos de formação e reprodução de ecotécnicas ao nível da irrigação, compostagem e das hortas experimentais. Criam-se vários sistemas agro-ecológicos que vão desde celeiros, taludes, valados de irrigação anti-erosão, mini-crédito, etc.No Mali, na aldeia de Tacharan, criou-se também um centro agro-ecológico, articulando várias actividades culturais como alfabetização, formação do associativismo nas mulheres e actividades de bioconstrução.
Actualmente, no Senegal, mais de 20 hortas associadas e articuladas ao Centro agro-ecológico experimental, permitiram já a formação de mais de 800 pessoas em ecodesenvolvimento. Realizaram-se 5Km de diques de irrigação anti-erosão e desenvolveram-se actividades pedagógicas com crianças e adultos.


  






Jacinto Rodrigues

[1] in Rabhi, Pierre “Du Sahara aux Cevennes”, Ed. Albin Michel, 1983, “Offrandre au crépuscule”, Ed. Harmattan, 1989, Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Graines de possibles”, Ed. Calman-Levy, 2005
[2] in Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Les graines du possible”, Ed. Calman-Levy, 2005
[3] Rabhi, Pierre “Ofrande du Crepuscule”, Ed. L’Harmattan, Paris

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2011 - VIAGEM A SORÈDE: 

O FIO DA HISTÓRIA DO FORNO SOLAR DO PADRE 

HIMALAYA DE 1900


1. SORÈDE

Em 1899, o Padre Himalaya partiu para Paris. Aí inscreveu-se no Collége de France e prosseguiu as investigações sobre a energia solar que iniciara já há alguns anos em Portugal.
 

Graças à bolsa de D. Emília Josefina dos Santos, pôde fazer estudos com os melhores cientistas da época.
Em breve registava, em Paris, a patente para o forno solar de altas temperaturas. Apoiado pela Compagnie Parisienne des Missions et Recherches realiza uma primeira experiência em Neully sur Seine, duma máquina solar que construíra em Meudon.
Em Junho de 1900, dirige-se a uma pequena aldeia perdida nos Pirinéus Orientais, Sorède, onde vai experimentar uma nova máquina, melhorada, que constrói na plataforma duma pequena ermida – Castel d’Ultrera-Notre Dame du Chateau.




























Aí, o Padre Himalaya conseguiu atrair algumas personagens importantes que o foram visitar, vendo o seu invento. O Jornal La Croix des P.O. registou esses acontecimentos e no local da Ermida ficou, até aos nossos dias, a marca da calha onde a máquina solar girava.


     
  2. UM FIO DA HISTÓRIA QUE NOS CONDUZ À 
      
      ACTUALIDADE

Foi em 1996 que encontrámos esta marca indelével da presença do Padre Himalaya, que viemos a confirmar com as fotografias da época que levávamos e com as notícias do jornal La Croix des P.O.
Estas confirmações consolidaram-se com uma breve nota que encontramos na Câmara Municipal assim como com os testemunhos da população de Sorède e com os registos de um historiador local, o Senhor Margail, que tinha anotado no seu diário alguns dados históricos e até rumores, propalados na época, sobre a presença do Padre Himalaya em Sorède.
Tudo isto se encontra no nosso livro “A Conspiração Solar do Padre Himalaya” editado em 1999 pela Cooperativa Árvore e está também registado no documentário histórico realizado em 2004 para a RTP “A Utopia do Padre Himalaya” assim como na Exposição sobre a Vida e Obra do Padre Himalaya que organizamos com a colaboração da Cooperativa Árvore.
A partir de então reiniciou-se um novo ciclo de divulgação da obra científica do Padre Himalaya, em Portugal e no mundo graças ao esforço de todos os que conservaram a memória deste fio da história como o historiador Padre Doutor Avelino Jesus da Costa, o médico laico Dr. José Crespo, que deixou um importante espólio na Biblioteca de Viana do Castelo, a Igreja, Misericórdias, a imprensa, em particular a imprensa local, as associações, câmaras, bibliotecas e todas as pessoas, familiares e amigos que se empenharam em preservar um legado que se tornou já da humanidade.
Em breves linhas relembrarei o congresso que se fez em 2004, nos Arcos de Valdevez, “Primeiras Jornadas sobre a Vida e Obra do Padre Himalaya”, comemoração do centenário da atribuição do Grande Prémio da Exposição Universal de St. Louis, onde estiveram presentes os presidentes da Câmara de Sorède e dos Arcos de Valddevez. 
A constituição da Association Les Amis du Padre Himalaya de Sorède, em França e também as Jornadas realizadas em 2007, no Canadá onde foi divulgada a obra do Padre Himalaya. 


















































Foram muitas as actividades que se foram consolidando até aos dias de hoje. 
Em França, o professor Darbon, da Associação de Sorède, realizou protótipos baseados nos inventos do Padre Himalaya. Realizaram-se várias viagens da Associação de Sorède a Cendufe, estreitando-se os laços entre estas duas comunidades e não tardou que em Cendufe se constituísse também uma Associação Sócio-Cultural Padre Himalaya.
Relembro ainda que entretanto apareceram obras ficcionais sobre o Padre Himalaya como “O Nicho de S. Tiago” de José Carlos Rodrigues, “L’Ermitage du Soleil” de Helène Legrais e mais recentemente o conto brasileiro “O Sol é que alegra o dia” publicado por João Ventura numa antologia.
A divulgação da obra do padre Himalaya em Portugal, França e por toda a parte prossegue com publicações, conferências, festas do sol, concursos solares como a instituição do prémio solar Himalaya, etc.
       
      3. SORÈDE 2011

Um novo salto qualitativo está agora a ser desenvolvido neste final de ano.
No centro da vila de Sorède está a ser finalizada a construção da Praça Himalaya.


Em Novembro de 2011 realizou-se a Assembleia Geral da Associação de Sorède, com a presença do Presidente da Câmara de Sorède e da deputada Jacqueline Irles e em que participei.



Nessa Assembleia decidiu-se concretizar o projecto da construção do forno solar do Padre Himalaya de 1900, que ficará num terreno disponibilizado pela Câmara Municipal, defronte das montanhas sagradas do Canigou, nos Pirinéus Orientais, local emblemático da região catalã.






















































Para a execução da obra vai ser necessário proceder a uma recolha de fundos, para além do apoio assegurado pela União Europeia. Nesse sentido a Associação de Sorède tem vindo a angariar fundos e foi com esse fim que a Associação Sócio-Cultural Padre Himalaya de Cendufe organizou um evento de forma a contribuir para a concretização do referido projecto de Sorède.

Com a realização prevista do forno solar do Padre Himalaya em Sorède, vai-se consolidar uma semente de todo um processo solar que constitui o fio da história do Padre Himalaya nesta região e que hoje está disseminada nas várias vertentes de energia solar que pude visitar, mais uma vez, com os nossos amigos Antoine Sanchez, Amand Darbon, André Joffre e Jean Jacques Serra.

Assim, desde as modernas instalações solares que se vão reproduzindo nesta região e que a breve prazo farão de Perpignan a primeira cidade francesa de energia positiva, percorremos os caminhos onde se situam os fornos solares de Odeillo, de Mont-Louis e de Themis, que mostram que o sonho futurante do Padre Himalaya o levou de humilde habitante de Cendufe à figura de pioneiro universal da energia solar. 


Jacinto Rodrigues


NOTA: O Director do Jornal Notícias dos Arcos, Senhor Mário Pinto, escreveu um excelente editorial descrevendo o evento realizado na Associação Sócio-Cultural Padre Himalaya de Cendufe a 11 de Dezembro de 2011 e que aqui reproduzimos. Esse artigo está também traduzido em francês no blogue da Associação de Sorède.

Editorial – NotíciaMário G. L. Barros Pinto"No passado domingo, dia 11, a Associação Sócio-Cultural Padre Himalaya, com sede em Cendufe, terra da sua naturalidade, abriu as portas para receber o Professor Jacinto Rodrigues, que à vida e obra do grande cientista português tem dedicado muito do seu tempo de investigador, não deixando que a sua memória se perca. Segundo referiu, perante uma plateia de muitas dezenas de associados e admiradores, alguns vindos de fora, Jacinto Rodrigues, revelou que tinha acabado de chegar de uma viagem a França, a convite da associação congénere de Sorède, no sul de França, aproveitando para fazer o fio da história do Forno Solar, e onde lhe foi dado conhecer aquilo que ali se está a fazer para consagrar a memória de um dos maiores arcuenses de todos os tempos.E passou um pequeno filme, começando por mostrar aquela localidade perdida no sul de França, à data umlugar pobre e pouco populoso, escolhido pelo cientista português para fazer a experiência da construção doprimeiro forno solar. Foi em 1900, portanto há 111 anos.Mostrou várias imagens da povoação e recortes do jornal La Croix que dá imagens das várias fases deconstrução, um trabalho complicado, que só podia ser realizado com peças feitas por artesãos. A experiência demorou 6 dias. Era a primeira máquina para industrialização.Ali há já uma praça dedicada ao Padre Himalaya, estando a ser erguido um monumento com o protótipo do primeiro forno solar, para ser inaugurado no próximo ano, esperando-se que vá de Portugal uma grande representação, segundo antevisão de Jacinto Rodrigues.De registar, ainda, a surpresa do Professor Jacinto Rodrigues, ao tomar conhecimento de que a escola básica de Távora deixara de ostentar o nome do Padre Manuel Himalaya, o que o deixou visivelmente incomodado e inconformado, levando-o a propor um voto de protesto para que a situação seja revertida, como é de inteira justiça, o qual foi aprovado com prolongada salva de palmas. Mas o que esta jornada revelou, também, foi o orgulho desta comunidade nos seus valores históricos e que não quer, por isso, deixar esquecer o nome do seu filho mais ilustre – o Padre Himalaya, no que se sente também apoiada pelos autarcas e habitantes das freguesias vizinhas.A seguir Manuel Branco, especialista em naturopatia e homeopatia, falou das virtudes deste método de cura no tratamento de doenças, que é hoje considerada como medicina científica, estudada em algumas universidades, e integrado já nos sistemas de saúde em vários países, e de que o Padre Himalaya foi pioneiro.Convidado também a falar, agradeci ao Prof. Jacinto Rodrigues o interesse que lhe tem merecido a figura do Padre Hiamalaya, lembrei os primeiros e difíceis tempos das investigações e das pessoas com quem contactou aqui nos Arcos, como o meu Pai e o Padre Avelino de Jesus da Costa, além de Câmara, não podendo deixar de lamentar que quando, em França, os sucessores de uma comunidade simples mas hospitaleira, como foi a que recebeu o nosso conterrâneo em 1900, se preocupam tanto, passados 111 anos, em homenagear esta figura que é glória da Humanidade, a sua freguesia e o concelho natal não têm um monumento à altura da sua grandeza e prestígio (apenas existe um busto na vila, na Alameda Dr. Sá Carneiro, inaugurado em 14.12.1969), acabando por apelar à união de todos os presentes para sensibilizar os responsáveis a dar prioridade a tão justo e elevado desígnio."

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Outubro de 2011 - Workshop de Agroflorestas com Ernst Gotsch - Extracto do Diário de Bordo de Jacinto Rodrigues


 
Em Darei, perto de Mangualde, a Cooperativa Sítio organizou um workshop sobre agroflorestas com o suíço Ernst Gotsch. Agradeço à Ana Ruivo e ao Samuel o convite que me fizeram. Agradeço também aos pais da Ana a gentileza e o requinte com que me acolheram no magnífico solar da Quinta de Darei.
Ideias fortes de Ernst Gotsch que me fizeram reflectir sobre estas questões da agrofloresta:
 

















1. Fazer florestas é plantar água. Plantando árvores, arbustos, herbáceas e flores, em biodiversidade e com simbioses complexas (comensalidade, associativismo, etc.) os ecosistemas desenvolvem-se saudavelmente e o biótopo permite biocenoses com relações  ecosistémicas harmoniosas, quando integrados no metabolismo circular em regulação, regeneração e reciclagem.

2. A floresta torna-se assim a Mãe da Agroecologia e torna-se também Reserva de Água no solo e na biomassa, nutrindo animais e plantas, pássaros, insectos e homens.
3. Desenvolver florestas seria criar as condições da regeneração da nossa biosfera que está cansada e moribunda.
4. A vida da floresta move-se no espaço e no tempo metamorfoseando-se. Nessa metamorfose é preciso estar atento a uma contradição gerada entre floresta e estepe. 
A floresta, local recôndito, é geradora de vida e água. 


A estepe, lugar aberto, propicia desertificação. 
O homem com o nomadismo acelerou a estepe desestruturando a silva em detrimento do ager.
Porém, compreendendo bem a agrofloresta, é possível conter nela bois, porcos, galinhas, pássaros, abelhas e mesmo elefantes da índia. E os homens, nas clareiras da Amazónia, têm uma qualidade de vida excepcional.


A pastorícia, usando apenas o processo da estepe tende a aumentá-la, dificultando a presença da floresta. O excesso de ovelhas desertifica o solo. As cabras raspam menos o solo e sobrevivem sem herbáceas, utilizando muros verdes de amoras silvestres e opúncias. Mas, atenção às cabras. Quando não existem silvas e opúncias em abundância, são vorazes na destruição de árvores.


5. Na agrofloresta é necessário ter boas sementes. A "placenta" que aprendemos a fazer no trabalho prático no campo, é um coktail de sementes que germinam em solo ligeiramente desbravado onde se junta uma camada de palha (mulching).


6. O resultado da poda serve para revitalizar o solo, permitindo a adubação com os galhos caídos, que apodrecem. Torna-se então matéria orgânica misturada na compostagem global de folhas, frutos caídos, etc.

7. A floresta do clímax deve articular várias fiadas de árvores, diferenciadas numa espécie de altar, baldequim decorativo, onde as árvores mais altas, ao fundo, se intercalam com árvores médias e baixas.

8. É preciso manter um equilíbrio constante no solo, entre carbono (C), fósforo (P) e nitrogénio (N).

O pensamento moderno é binário e mecânico. Não é trilógico. Não desenvolve senão o hemisfério esquerdo e produz um excesso de antropocentrismo esquecendo que a sua existência depende da relação com a biosfera.

Jacinto Rodrigues
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DIÁRIO DE BORDO - ANGOLA MARÇO 2010

5ª feira, 4 de Março de 2010
Parti de avião, de Lisboa.

6ª feira, 5 de Março de 2010
Chegada a Luanda, às 6h30 (hora local). Preparo-me para mais uma viagem de avião até ao Namibe, no dia seguinte.

Sábado, 6 de Março de 2010

O Aço telefonou-me para estar às 10h da manhã no aeroporto militar de Luanda. Encontrei-me então com jovens estudantes que esperavam num hangar do dito aeroporto. Falamos sobre o Seminário que o CE.DO ia realizar. A maior parte dos jovens eram estudantes finalistas de Antropologia.
            Aguardamos bem umas duas horas na “cavaqueira”. Aproveitei para registar em vídeo algumas das conversas sobre as expectativas. No meio dos alunos encontrei o Cláudio Fortuna que já me tinha entrevistado na conferência que dei em Luanda, na minha anterior viagem a Angola, em Julho e Agosto de 2009.
            Entretanto, um graduado da aviação militar veio buscar-nos ao hangar. O Samuel Aço já tinha também chegado. Seguimos ao longo do enorme terreiro e dirigimo-nos para um “Antonov 37” que estava estacionado a meio da pista. Era uma nave gigante. Subimos o bojo do enorme pássaro de metal. Era impressionante. Podia carregar jeeps e blindados. Encostadas às paredes da enorme carcaça, distendiam-se caixas de madeira que serviam de assento.
O calor era insuportável. Instado pelas reclamações dos jovens, os pilotos russos abriram a enorme boca traseira onde o Antonov 37 recebe as grandes cargas. Entrou então uma lufada de ar fresco. O imenso bojo do aparelho voador funcionava como uma enorme chaminé fazendo bombear bioclimaticamente essa lufada de vento.
            Mais confortáveis e risonhos, verificamos no entanto o ar preocupado e os gestos apressados dos pilotos russos. O motor não arrancava! O russo mais velho, talvez o engenheiro da equipa, tirou duma das caixas onde estávamos sentados, algumas ferramentas e maquinetas ali amontoadas.
O Aço e eu, sentados outra vez na caixa de madeira, interrogávamo-nos sobre o que estava a acontecer. Passou mais uma hora. Mais outra hora ainda. Entretanto, uma certa agitação começava a tomar lugar entre os jovens, em especial das raparigas que já punham a hipótese de não embarcarem no velho avião militar.
Valeu-nos as piadas de um jovem estudante que, ao telefone, relatava em voz alta, exageradamente, as peripécias que nos estavam a acontecer. Relatava com um exagero evidente que o piloto russo desmontava o motor, empoleirado nas asas do pássaro mecânico, enquanto o avião planava no ar! Rimo-nos todos com a história que o jovem contava à namorada, embevecida com a aventura aérea do namorado.
O avião estava ainda em terra… mas a avaria era real! Entretanto, passadas várias horas, um motor começou a trabalhar. Faltava porém ainda, o motor da outra asa. Mais uma hora passou para que tudo funcionasse! Depois, o “Antonov” roncando, lançou-se para aquele imenso céu azul e luminoso que vislumbrávamos pelas pequenas vigias ovais. Risos e uma nova “galhofa” surgiram nessa aventurosa viagem. Finalmente, a aterragem fez-se no aeroporto Yuri Gagarin, perto da cidade do Namibe. Esperava-nos um jeep e o velho “Onimog” do CE.DO.
Angola reservava-nos ainda novas aventuras. Em Angola seguem-se sempre várias iniciativas. Os desafios são contornáveis e os momentos mais difíceis são quase sempre superados.
Na viagem de jeep, um coronel licenciado em antropologia veio connosco. A estrada está como nova. Corríamos velozes no piso liso vendo os campos desertos onde, aqui e ali, se vislumbravam, por vezes, algumas welvitchias mirabilis. São como pequenos oásis na imensidão do deserto. Viramos à esquerda e entramos na estrada de picada que fizemos o ano passado. Finalmente chegámos a Njambasana com o pôr-do-sol. Distribuíram-se os quartos e fomos mastigar o jantar na escola de artesanato.
Encontro com o professor Dominguez, cientista espanhol-marroquino que se encontra a trabalhar no Namibe. Encontro também com a Dra. Paula Camunhoto, do Ministério do Ambiente.

Domingo, 7 de Março 2010
Fiz uma comunicação sobre a ecosustentabilidade.
“A ecologia na luta contra a desertificação” no âmbito do 2º Seminário Internacional do CE.DO “A Relevância dos Estudos Antropológicos em Angola”, Njambasana (Kuroka-deserto do Namibe).
Referi as relações da biosfera e da tecnosfera atual. Explicitei o historial ecológico de Vernadsky e de Fosorme revelando a relação complexa da teia da vida (biocenose) com o biótopo. Analisei os antagonismos existentes hoje entre a biosfera e o atual modelo civilizacional que criaram esgotamento, contaminação e exclusão social. Apontei soluções ecotecnológicas e referi alternativas a este modelo civilizacional catastrófico.

2ª feira, 8 de Março 2010
Conversa sobre sociologia do desenvolvimento com os estudantes.
Diferenciação dos conceitos de crescimento e desenvolvimento ecologicamente sustentável. Viagem ao deserto do Kuroka, às ruínas do “Custódio” a alguns quilómetros de Njambasana. Era uma antiga destilaria feita de adobe com uma sólida estrutura e um reboco onde foram introduzidas pequenas pedras nos espaços intersticiais dos blocos, de modo a gerar-se uma estrutura mais sólida e impedir a erosão.
Ouvimos a história, contada pelo professor Samuel Aço, do capataz que era um verdadeiro criminoso para com os trabalhadores da destilaria. Pudemos observar que a anterior área ecológica do território se tinha desertificado. Anteriormente aquela terra produzia cana-de-açúcar. A desertificação é galopante nesta área onde apenas os “óasis” do Arco e do Carvalhão vão resistindo ao avanço das areias.
Começo a analisar o aldeamento de Njambasana. Observo a paisagem e faço um levantamento rápido dos equipamentos. Ao mesmo tempo empreendo algumas conversas sobre metodologia de análise social. Entrevisto, com a máquina de filmar, o Samuel Aço, a Teresa e o Jacinto Domingos Manuel procurando, através das histórias de vida, refletir sobre a situação social da região.
Enviei, mais tarde ao Samuel Aço, e.mails que resumem essas reflexões e que aqui transcrevo:

“(…) Prefiro metodologias mais simples, apropriáveis pelas populações e que são comprovadamente eficazes e não agressivas ao meio ambiente.
Assim, podíamos ensaiar alguns dos princípios de Ernst Gotsch, que podes consultar no meu blogue (http://jacintorodrigues.blogspot.com ) e tentar as técnicas de Pierre Rabhi,[1] que vi utilizar em Marrocos num estágio que aí fiz. A ideia consiste em criar pequenos oásis com plantas locais, descentralizados e em bandas dispersas de maneira a constituírem agrupamentos que permitem uma mudança higrométrica favorável à não desertificação.
Constatei, quando aí estive no Kuroka, que as welwitchias mirabilis constituíam oásis onde se reconstruíam eco-sistemas múltiplos de vida.
Esta teia de vida oculta torna-se o melhor meio de propagação de mudanças climáticas positivas.
Seria do maior interesse conseguir meios económicos para convidar o Pierre Rabhi a ir ao Kuroka, organizando um seminário internacional, se possível.
Estou disponível para o contactar assim que me confirmes que existem condições para ele se deslocar de França aí.
É um homem simples e do deserto que aceita condições mínimas de logística e se move por opções filantrópicas e solidárias”.

Já em 2009 tinha enviado ao Samuel Aço - CE.DO um e.mail com várias informações numa perspetiva de ecodesenvolvimento local:

“(…) Durante a minha viagem à Suíça e França, após ter chegado de Angola, comecei a tentar encontrar apoios para o CE.DO:
. Contactei um amigo engenheiro - Dennis - que é um especialista da energia solar e pode ser muito útil para um projeto de forno solar e fogões domésticos (solares) que, tal como eu referi em Njambasana seriam muito úteis para a região do Namibe, conforme explicito também no Relatório que aqui te envio, assim como a carta que ele me escreveu e os documentos que me enviou. Este projeto do forno solar, assim como dos fogões solares terá o maior interesse se for feito em parceria com outras associações suscetíveis de pegarem no assunto.
. Contactei também a Universidade de Benguela que poderia eventualmente, trabalhar em parceria com o CE.DO sobre este projeto.
. Também uma minha ex-professora francesa de nomeada internacional, Françoise Choay, a quem solicitei apoios científico-culturais, sugeriu-me, nesta primeira etapa, uma cobertura fotográfica que desse a conhecer no estrangeiro a problemática do deserto do Namibe.
Diz-me alguma coisa em relação a estes dois projetos (forno solar multifuncional industrial e forno solar-fogão doméstico) pois se eles interessarem ao CE.DO retomarei estes e outros contactos no sentido de encontrar meios ecotecnológicos e ecoculturais para ajudar o CE.DO.
Gostaria contudo que me mandasses uma atestação como membro fundador do CE.DO e indigitado para colher estas e outras informações que possam levar a um estudo prévio e à concretização do projeto.
O documento pode ser em português ou francês.

            Sobre o Centro de Estudos do Deserto (CE.DO) tenho refletido e a minha proposta seria a de transformar este aldeamento num ecoaldeamento. Escrevi na Revista Africana Studia, nº 10[2], editada pelo CEAUP, alguns contributos que podem ser úteis para a melhoria deste local mas, resumindo, a ideia-chave é tornar o CE.DO num centro difusor de sustentabilidade ecológica não apenas nos discursos ou lições teóricas mas também no funcionamento da logística construtiva (casas, produção agrícola, energética, piscícola, etc) e na reciclagem dos ditos “lixos” de modo a serem transformados em nutrientes.
            As minhas intervenções junto dos alunos e da administração de Njambasana vão no sentido de criar um centro, baseado naquilo que tenho vindo a defender em conferências várias, isto é, fundamentado num metabolismo circular que revele um ecossistema sustentável.
            Durante os seminários no Kuroka, em Benguela e em Luanda, abordei a experiência do Centro de Songhai[3] como um “centro de excelência” que configura essa ideia de habitat sustentável em África.
            Para conseguir concretizar estes projetos, a metodologia de investigação-ação é essencial. Os workshops devem-se traduzir, para cada interveniente, numa etapa decisiva de pedagogia iniciática e, socialmente, devem levar à edificação de casas e bairros ecológicos com parques de energias renováveis, hortas pedagógicas e biológicas, reciclagem de “lixos” de modo a que todo o conjunto funcione de forma ecologicamente sustentável, transformando o “lixo” em nutrientes.
            O plano estratégico deste ecoaldeamento para o CE.DO tem como proposta essencial uma organização hídrica que permitiria a manutenção de jardins filtrantes ligados à lagoa do Kuroka de modo a obter água potável para as populações e por outro lado o retorno de águas usadas para biodepuração e utilização no regadio da biomassa que fertilizaria o terreno para uma bioflorestação capaz de evitar a evapotranspiração desertificante, conservando assim a humidificação na área do Kuroka, gerando toda uma bioclimatização capaz de reverter a desertificação a que está sujeita aquela zona.
            Pequenas intervenções de plantações descentralizadas ao longo do território do aldeamento funcionariam como catalisadores dessa bioclimatização, propiciando simultaneamente alimentação para os habitantes da aldeia. 

4ª feira, 10 de Março 2010
Fomos à cidade do Namibe (antiga Moçâmedes). Visitei um pouco a cidade e entrei no Museu de Antropologia onde fiz uma pequena entrevista ao Diretor Dr. Martinho. Em seguida partimos em direção ao Lubango, atravessando a Chela, esse extraordinário maciço, coração da África Austral. Ficamos num velho hotel do tempo colonial, o Grande Hotel do Lubango.

5ª feira, 11 de Março 2010
Parto numa camioneta em direção a Benguela.
Fiz um acidentado percurso de 9h entre o Lubango e Benguela onde apanhei trovoadas estrondosas e vi as picadas transformarem-se em leitos de rios revoltosos.
 Chegado à estação de Benguela, o jovem rececionista da Universidade, talvez convencido de que eu tivesse desaparecido, mais a camioneta, nas levadas de água da viagem, não estava à minha espera. A minha canela ensanguentada começava a doer. Preparava-me para apanhar um táxi-mota e levar a mala à cabeça, quando me deram boleia num carro, cujo motorista, comiserado com a minha trágica figura de "mais velho", desequilibrado naquela mota-táxi desengonçada, me deu boleia até ao Hotel Luso. Valeu-me, assim, essa auspiciosa fraternidade dos irmãos angolanos.
   
6ª feira, 12 de Março 2010
De manhã segui para a UKB, Universidade Katiavala Bwila, onde assisti à abertura oficial do ano letivo e proferi a oração de sapiência sob o tema “A abordagem ecológica e o território”.
À abertura do ano letivo presidiu o Reitor, Professor Doutor Paulo de Carvalho. Foi uma cerimónia oficial em que estiveram presentes diversas autoridades políticas, sociais e religiosas. Não faltou também uma representação teatral e musical, feita pelos estudantes desta Universidade.


ORAÇÃO DE SAPIÊNCIA – BENGUELA – UNIVERSIDADE KATIAVALA BWILA
Notas da comunicação oral
1.        Copérnico, no século XVII, está na origem da revolução científica que iria consolidar-se, com Kepler e Galileu, naquilo que se definiu como paradigma da modernidade. Assim, a matematização do real através de Galileu e a concepção heliocêntrica de Copérnico, estabelecem os principais critérios da física moderna.
2.        Porém, no início do século XX, com Einstein e Max Planck, aparecem as principais rupturas que põem em causa esse paradigma mecânico, dito moderno. Com efeito, a teoria quântica relativista, tornou necessária uma nova perspectiva emergente para compreender o universo, impondo uma avaliação crítica sobre a concepção da matéria.
3.        Com o irromper da ecologia, a visão do cosmos dá lugar a uma outra interpretação. O cientista russo Vernadsky[4], defendeu em França, em 1923, na sua tese de doutoramento  – a biosfera –  uma nova maneira de pensar o planeta terra. O conceito de biosfera como ecosistema geral, em interacção com todos os ecosistemas, numa complexidade onde a teia da vida se articula com o biótopo, trouxe uma perspectiva de resiliência que se afasta da redutora concepção mecanicista.
4.        Em 1956, Thomas Kuhn dá-nos conta da emergência do novo paradigma. A crítica epistemológica do conhecimento científico anterior é analisada no seu livro “Revolução Copernicana”[5] que revela a insustentabilidade de um modelo continuista e cumulativo do conhecimento científico, tal como era anteriormente aceite. Em 1962, este físico, dotado duma grande preocupação pela epistemologia científica, elabora uma nova reflexão. “A estrutura das revoluções científicas”[6] é uma obra transdisciplinar que mostra a complexidade da ciência e a sua relação com a história, a filosofia e a sociologia do conhecimento. Assim, Thomas Kuhn mostra que o “progresso” científico não é linear. Efectiva-se, antes, através de rupturas paradigmáticas, através de “saltos” que resultam de crises, lançando hipóteses novas. Essas hipóteses novas aparecem como “conversões” na apreensão da realidade. O alargamento da consciência faz-se durante esses saltos em que a própria linguagem e o novo olhar exigem perguntas novas. Em 1969, Kuhn alarga a sua tese da teoria do conhecimento científico à filosofia contemporânea. Abrange assim o conceito de “episteme” de Foucault, e o conceito de “desconstrução” defendido por Derrida. Supera-se simultaneamente o empirismo tecnocrático, o estruturalismo neopositivista e o logocentrismo idealista.
5.        As contribuições da teoria geral dos sistemas de Ludwig von Bertalanffy [7] assim como as achegas dos filósofos da complexidade, da sistémica e das preocupações transdisciplinares como Edgar Morin[8], Gregory Bateson[9] e Joel de Rosnay[10], confluem numa reflexão crítica à tecnociência (modelo mecanicista, poluidor e destruidor). Com efeito, denuncia-se a esgotabilidade e a contaminação do planeta, como fez o agrónomo Renné Dummond[11], ao mesmo tempo que o filósofo Jacques Ellul[12] defende a ecotecnologia como uma alternativa à tecnociência dominante, permitindo-se uma tecnologia apropriável, não poluente e baseada em energias renováveis.
6.        Todo este debate sobre a técnica tem repercussões no conjunto dos pensadores que põem em causa o conceito eurocentrista de crescimento económico. Por isso, esta reflexão aprofundada leva-nos a uma noção globalizante de “bio-economia”, ou seja, a inserção da economia na problemática da biosfera, afastando-se da concepção reducionista da economia operativa e contabilística. Os trabalhos de Georgescu Roegen[13] abrem assim perspectivas de relação entre sociedade e território, desenvolvimento e potencialidade da biosfera. Esta nova ecosofia alteromundialista é
sustentada por sociólogos, economistas e filósofos de grande prestígio ético como René Passet[14], Serge Latouche[15] e
 Pierre Rabhi[16], entre outros, que fazem a crítica ao modelo tecnocientífico e às propostas de crescimento que lhe estão
 subjacentes e que tantos estragos trouxeram e trazem à Humanidade: desertificação, desflorestação, mudanças
 climáticas e exclusão social.
7.        Com o Relatório Brundtland, [17]em 1987, divulga-se um princípio ético essencial na defesa do planeta e das gerações futuras. Ou seja, “um desenvolvimento ecologicamente sustentável, capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”[18]
8.        A conferência do Rio, em 1989, vai ser crucial no alargamento de toda esta problemática ecológica que obriga a uma nova abordagem geoestratégica e faz surgir a perspectiva do ecodesenvolvimento. Assim, o paradigma mecanicista que considerava a cidade como mega-máquina ou a casa como máquina de habitar, dá lugar a um paradigma emergente em que a ecologia se torna essencial. A máquina, do paradigma anterior, baseia-se no metabolismo linear que produz lixo no seu funcionamento poluente e esgotável. O ecosistema, ao contrário, baseia-se no metabolismo circular que, aproveitando as energias renováveis da biosfera, restitui nutrientes recicláveis pelo próprio ecosistema.
9.        Os trabalhos de Abel Wolmann[19] e Macdonought[20] expressam a necessidade de um novo urbanismo e ordenamento do território. O biomimetismo desenvolvido por Janine Benyus[21] pretende utilizar modelos experimentados pela natureza, aplicando-os às ecotecnologias contemporâneas. Por exemplo, a bioclimatização dos edifícios pode conseguir-se através do estudo de plantas e animais. A termiteira é um exemplo importante na aplicação da arquitectura bioclimática. Também a nanotecnologia traz vantagens substantivas pela economia de mateirias e pela diminuição do uso energético. A revolução ecotecnológica em marcha está já a revelar-se através de experiências exemplares: cidades do conhecimento, organização sinergética entre os vários sectores de produção, bioclimatização dos edifícios, concepção de acupunctura urbana, Jaime Lerner[22] que, intervindo estrategicamente em lugares singulares, desencadeia processos de dinâmicas múltiplas que afectam positivamente o território em geral. Os sistemas de biodepuração, favorecendo a reutilização de águas residuais e permitindo a compostagem orgânica para a regeneração dos solos, constituem o fundamento para a nova estratégia do desenvolvimento ecologicamente sustentável em que o pensamento verde articula a visão global com a intervenção local. Surgem assim dispositivos estratégicos que, pouco a pouco, desconstroem o paradigma mecanicista e redutor, metamorfoseando a sociedade e o território num possível mundo melhor.

Algumas imagens do powerpoint apresentado durante a comunicação.



Edifício Bedzed na periferia de Londres, do arquitecto Dumster.

Este edifício foi construído com materiais recicláveis e utiliza energias renováveis (solar e éolica). Tem tectos verdes o que permite uma bioclimatização.



A cidade de Kalundborg, na Dinamarca, é uma eco-cidade que utiliza as múltiplas sinergias das empresas e indústrias selectivamente escolhidas de modo a criarem uma inter-ajuda no processo produtivo: a água quente da refinaria vai permitir o aquecimento das habitações e ao mesmo tempo a criação de piscinas para a produção de peixes. Os resíduos de algumas empresas servem de materiais de construção. Os detritos orgânicos dos animais servem de compostagem para a bio-regeneração da agro-ecologia utilizada em Kalundborg.



Freiburg – Alemanha. Nesta cidade as populações desempregadas que pertenciam a um centro de aeronáutica foram reorientadas na sua formação profissional, dedicando-se à produção de sistemas solares (termo e fotovoltaico). A cidade de Freiburg tornou-se assim exemplar pela sua auto-suficiência energética, fabricando também protótipos para a indústria.


  

Curitiba – Brasil. Uma campanha de eco-cidadania permitiu a organização das populações na recolha e separação dos “lixos”. Com efeito, os lixos tornaram-se riqueza, como nutrientes para a agro-ecologia e materiais reciclados e reutilizados no processo produtivo da cidade, graças à recolha e selecção feita pelos cidadãos.


A energia solar permite múltiplas utilizações, tais como termo e fotovoltaicas.
O exemplo dum forno solar térmico permite múltiplas utilizações. Em Marrocos, está a ser construído um forno solar que permitirá a produção de cerâmica e o funcionamento de uma padaria.



  
Exemplos de ecotransportes. Um barco solar fotovoltaico, no lago Constança entre a Suíça e a Alemanha e um carro de ar comprimido que é utilizado na cidade do México como táxi do estado.



A arquitecta ANNA HERINGER EIKE ROSWAG construiu uma escola primária no Bangladesh que ganhou o prémio Aga Khan de Arquitectura. Este edifício é totalmente construído com adobe e bambu e contou também com a ajuda das populações.



Ecoarquitectura de Simón Velez. Este arquitecto constrói essencialmente com bambú, através de um processo especial que permite a longa duração, resistência e a sua reciclagem.




East-Gate Building - Zimbabwe
Edifício bioclimático baseado nos estudos do bio-mimetismo em que as termiteiras servem de modelo para a manutenção da temperatura.



 Edifício bioclimático, nos E.U.A., através da vegetação que funciona também como biodepuração das águas residuais.



Biodepuração no lago Vitória, com a utilização de jacintos de água, que servem para depurar o lago e ao mesmo tempo fornecerem biomassa para múltiplos usos (compostagem agroecológica, produção de celulose para papel e móveis). Os jacintos de água são recolhidos sistematicamente, através de barcos especiais, evitando a infestação.



Em Freiburg e em Perpignan, graças à profusão do uso da energia solar, pretende-se produzir mais energia do que aquela que as cidades consomem. Assim, o objectivo é criar uma cidade de energia positiva que bastando-se a si própria, consegue vender energia para o exterior, capitalizando os investimentos realizados nos protótipos.


Em resumo, contactei com investigadores, docentes universitários e instituições no sentido de colaborarem com o CEAUP através da realização de protocolos (CE.DO; ADRA);
Organizei um dossiê de documentação e recolha em vídeo de diversas visitas de estudo (deserto do Kuroka, Luanda, Namibe, Benguela, etc.)
Esta missão teve como objetivo prioritário as conferências sobre a ecologia na luta contra a desertificação, a abordagem ecológica e o território, no deserto do Namibe e em Benguela, respetivamente, bem como a entrega de propostas de protocolo à ADRA (Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente) e ao CE.DO (Centro de Estudos do Deserto). Este objetivo foi cumprido.
Também se estabeleceram contactos com diversas personalidades de reconhecido mérito científico e cívico, (presidente, diretor e secretário da ADRA) (presidente do CE.DO) no sentido de promover parcerias que podem assumir diversas modalidades, nomeadamente no apoio do CEAUP a investigadores e docentes em Angola assim como a participação de investigadores e docentes de Angola nas atividades do CEAUP em Portugal.
A missão permitiu, ainda, a recolha de informação que contribuirá para o aprofundamento e consolidação dos objetivos do Projeto.
No entanto, esta rede de relações é ainda muito insípida para se poder considerar um passo decisivo na construção dum projeto concreto.

Sábado, 13 de Março 2010
Depois destas atividades de âmbito universitário como investigador do CEAUP, fui convidado pelo arquiteto Romeiras a dar as minhas sugestões acerca da intervenção arquitetónica para Muxima, ou seja, a construção duma igreja prevista para aquele local.
Por se tratar de um assunto de valor simbólico e espiritual para Angola e por sentir que mexer nesse território, tão especial e tão significante, merecia um retorno àquelas paragens que sempre guardei na minha memória, partimos naquele sábado de manhã.
Percorri demoradamente as ruínas da Fortaleza de Muxima, do séc. XVI, e do cimo da colina olhei a paisagem deslumbrante do rio Kwanza com a floresta verdejante a envolvê-lo. Depois desci até ao templo, percorrendo demoradamente a aldeia e as margens do rio. Apercebi-me que o “genius locci” daquele lugar precisava de ligar a memória do tempo e a força telúrica do espaço, numa sinergia que explicitasse o símbolo espiritual dum povo na história da humanidade.
Caracterizar as linhas mestras para um planeamento daquele lugar é reforçar a sua força ecológica através da plantação de novas árvores no seio de Muxima. É trazer a água do rio fazendo-a serpentear no interior da própria aldeia. O resto é apenas reorganizar a colina com os seus valores patrimoniais da história e os seus significados múltiplos num grande cenário que permita guardar a memória mas, ao mesmo tempo, abrir-se para a criação “inovadora” do futuro.
Por isso, por detrás da fortaleza, como uma aurora futurante, surgiria uma “dome” ou “zome” gigante que, envolvendo em espiral aberta as árvores sagradas de África, como as molembeiras e os imbundeiros, simbolizam as raízes da terra e do céu num abraço simbólico que consagra a vida dos homens.




Para religar passado, presente e futuro importa articular a força patrimonial dos monumentos com a força natural da paisagem onde o rio com meandrizações entrando pelo aldeamento de Muxima, criaria a possibilidade de jardins filtrantes tornando potável a água do Kwanza e regando hortas e pomares para usufruto dos habitantes e dos peregrinos. Imaginei mesmo, para além duma estação portuária um hangar moderno para um dirigível solar para transporte de passageiros, marcando assim, fortemente, um símbolo de ecodesenvolvimento em Angola.

Jacinto Rodrigues


[1] Descrevi essa experiência no livro editado pela Profedições Sociedade e Território – Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado, Porto, 2006
[2] Africana Studia, Revista Internacional de Estudos Africanos, nº 10, Porto, 2007
[3] Esta comunicação veio a ser publicada na Revista Angolana de Sociologia, RAS, nº7, Luanda, Junho de 2011
[4] Vernadsky, W. I. “La biosphère”, Ed. Librairie Félix Alcan, 1929
[5] Kuhn, Thomas “The Copernican revolution: planetary astronomy in the development of Western thought”, Harvard University Press, 1957.
[6] Idem “The structure of scientific revolutions”, University of Chicago Press, 1964
[7] Von Bertalanffy, Ludwig “Teoria Geral dos Sistemas: Fundamentos, Desenvolvimento e Aplicações”, Ed. Vozes, Brasil, 1975
[8] Morin, Edgar “La Méthode” Ed. Seuil, 1977…
[9]Bateson, Gregory “Steps to an ecology of mindUniversity of Chicago Press, 2000
[10] Rosnay, Joel de “L'aventure du vivantÉd. du Seuil, 1988
[11] Dumont, Renné “L'Afrique noire est mal partie”, Ed. Seuil, 1966
[12] Ellul, Jacques “La technique ou l'enjeu du siècle”, Ed.Knopf, 1964
[13] Roegen, Georgescu “La décroissance: entropie, écologie, économie” Ed. Sang de la Terre, 1995
[14] Passet, René “L'illusion néo-libérale” Flammarion, 2001
[15] Latouche, Serge “L'autre Afrique: entre don et marche” Ed. A. Michel, 1998
[16] Rabhi, Pierre “L'offrande au crépuscule: témoignage”, Ed. Editions de Candide, 1989
[17] Brundtland, Gro Harlem “Our Common Future”, NY, United Nations,  1987
[18] Idem
[19] Abel Wolmann foi professor de Engenharia em várias Universidades dos Estados Unidos da América e responsável pelo departamento de Água.
[20] McDonought, William e Braungart, Michael “Cradle to cradle: remaking the way we make things”, Ed. North Point Press, 2002
[21] Benyus, Janine M. “Biomimicry: innovation inspired by nature”, Ed. Morrow, 1997
[22] Lerner, Jaime “Acupunctura Urbana, Editora Record, 2003


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Moringa Oleífera - 2009

Desde há alguns anos que me acompanha o sonho de uma árvore. Essa árvore é a Moringa Oleífera.  A primeira vez que ouvi falar nesta árvore foi no início deste milénio, pouco mais ou menos quando nasceu o meu filho mais novo, David.
A imagem desta árvore tem-me acompanhado ao longo de todas as minhas viagens de estudo, especialmente quando vou a África: Marrocos, Mauritânia, Moçambique, Angola e Cabo Verde.
Tentei, com a colaboração de amigos e familiares, fazer um pequeno viveiro com as poucas sementes que consegui arranjar. Foi graças ao Emmanuel Roland, biólogo e agricultor que vive na Bretanha, que conseguimos fazer crescer uma dessas sementes de Moringa Oleífera, a árvore sagrada proveniente da planície dos Himalayas.
Hoje, mostrarei as imagens do processo de crescimento da Moringa Oleifera, plantada em França, na Bretanha, com o método do Emmanuel Roland.

Aqui se mostra a metamorfose da planta e o crescimento que ela obteve, desde o mês de Abril, data em que foi semeada, até agora, medindo cerca de 1 metro e 25 cm de altura.



No atelier de Emmanuel Roland - Abril 2009


  
Preparando a sementeira da Moringa Oleífera-Emmanuel Roland e Jacinto Rodrigues


Abril 2009                   
                                                 Maio 2009
 
 
                                         Junho 2009
 
                                          Julho 2009
                                          Outubro 2009

Jacinto Rodrigues

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Aventuras de uma Moringa - Árvore Sagrada

Há longos anos calcorreei vários países em busca de Moringas. 
Falei, nos meus cursos e em conferências, desta árvore misteriosa que podia ser um meio eficaz de luta contra a fome no mundo.
Em homenagem a Wangari Muta que fundou o Movimento "Green Belt" que já plantou milhões de árvores em África, levei até Angola este sonho de plantar Moringas.
Discorri em artigos e no blogue Esteira do Ambiente, fundado em Luanda em 2006, sobre as virtudes desta árvore. 
Procurei, na Galiza, gente amiga e de grande capacidade técnica, que pudesse plantar um viveiro de Moringas. Mas as Moringas não vingaram à crueza das geadas.
De Cabo Verde trouxe sementes de Moringa. E, um dia, levei-as até ao meu amigo Emmanuel Rolland, em França, que as fez crescer, contando esta história no seu site:

 
Num dia de estranhas sincronicidades, recebi um telefonema de alguém que conhecia os meus interesses pela Moringa e que me pedia sementes para experimentar no seu quintal. 
Deolinda e António, de mãos verdes, puseram no seu quintal algumas sementes que eu trouxera de Cabo Verde. E elas cresceram.
São hoje árvores quase frondosas. E, neste Inverno, elas continuam a reproduzir-se em vários sítios.


 


Jacinto e David


Aqui estão algumas fotos que ilustram bem o crescimento das Moringas Oleíferas, na Casa dos Sobreiros em Leça do Balio, dos nossos amigos Deolinda e António.
Desde Janeiro de 2010, quando foram colocadas em vasos, a partir das sementes que o Jacinto ofereceu, que as Moringas não param de crescer tendo já atingido uma altura de mais de 4 metros em menos de dois anos (21 meses)!
Janeiro 2010-sementeira das moringas-António e neto
 
                                                                      22 Março 2010
                                                               28 Março 2010
 
                                                                       4 Maio 2010
                                                                  6 Outubro 2010
 
                                                                    8 Março 2011
                                                  11 Agosto 2011 - Deolinda e Jacinto
 

                                           24 Outubro 2011 Deolinda
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Setembro de 2010 "Les Amis du Padre Himalaya" entre nós

Há já vários anos que existe em Sorède a Associação "Les Amis du Padre Himalaya". Em terras "catalanas", na Ermida de Notre Dame du Chateau, o Padre Himalaya fez, em 1900, as primeiras experiências solares para fins industriais. Nessa época, Sorède era uma aldeia perdida no Pirinéus Orientais, onde o sol radioso aparecia com uma luminosidade singular. Toda esta história, que deixou alguns traços no Jornal "La Croix des P.O." e na família do Padre Coll, foi-se esbatendo ao longo dos anos. Apenas um registo pessoal, dum historiador local, lembrava a existência dum forno solar que um "espião" português construíra no princípio do século. Era o pai de Marie Sanchez que tinha deixado nos seus apontamentos estes dados. Porém, esse mesmo historiador reconhecia que tal informação não passava de um boato pois, na realidade, o espião português era um padre cientista e amigo, como lhe dissera o Padre Badieu que conhecera o Padre Himalaya.
O Padre Himalaya nas Comemorações do Dia da Árvore em 1914, mostrando como o seu explosivo - a Himalayate - podia servir para plantar árvores, naquele terrível ano em que começou a 1ª Grande Guerra (fotografia de Benuliel)











Na década de 90, quando estava a escrever o livro "A Conspiração Solar do Padre Himalaya", fui conhecendo algumas pessoas de Sorède em busca de informações sobre o sábio português que no princípio do século aí estivera. Pouco a pouco foi nascendo uma amizade recíproca e uma interajuda para o melhor conhecimento da vida de Himalaya nessas paragens.
Foi assim que conheci Renné Pujoll, Michel Bouffard e o casal Sanchez (Marie e Antoine). Outros amigos se juntaram a esta vontade de conhecer o estranho sábio português que por ali passara, Amand Darbon, Jackie Solé, André Joffre, Courtois, André e esposa, Dani e esposa etc.
Duma maneira viva e graças à capacidade de organização de Antoine Sanchez, nasceu um grupo que rapidamente se transformou numa Associação organicamente constituída que tem crescido e realizado diversas acções e acontecimentos culturais relacionados com o Padre Himalaya e com a energia solar. O trabalho desta Associação pode ser consultado no blogue http://himalaya.vefblog.net .
O que de mais extraordinário se passou não foi apenas a troca de informações históricas que conseguimos e que permitiu, inclusivamente, a filmagem de cenas para o documentário histórico "A Utopia do Padre Himalaya". Foi a trama de relações afectivas entre portugueses e franceses que se tem estreitado em torno da figura do Padre Himalaya.
Ao longo destes anos fui várias vezes, com alunos e amigos, a Sorède onde a hospitalidade e a amizade foi crescendo. Forjaram-se também laços institucionais entre a Mairie de Sorède e a Câmara Municipal dos Arcos de Valdevez. O Dr. Manuel Branco, arcoense e grande admirador do Padre Himalaya, muito se esforçou para o estabelecimento deste vínculo institucional que teve repercussões várias como a participação de delegações de ambos os países em acontecimentos realizados em Sorède e Arcos de Valdevez.
Participamos conjuntamente, em 2008, nas Comemorações do Dia de Portugal no Canadá, sobre a figura do Padre Himalaya. Nessas comemorações esteve patente não apenas o documentário "Utopia do padre Himalaya" exibido na RTP2 mas também um protótipo funcional construído por Amand Darbon, membro da Associação de Sorède e que é uma réplica, à escala reduzida, do "Pyrheliophero" realizado pelo sábio português, em 1900, naquela aldeia francesa de Sorède.
Todos esses eventos, que temos partilhado, são a expressão profunda de uma amizade crescente que tem vindo a alimentar uma verdadeira fraternidade.

Os Espigueiros do Soajo

Visita à aldeia comunitária do Soajo - os Espigueiros
Neste dia de 28 de Setembro de 2010, mais uma viagem dos amigos do Padre Himalaya se realizou até  Cendufe, pequena aldeia dos Arcos de Valdevez onde o sábio português nasceu.
E foi na casa da Costa, casa familiar do Padre Himalaya e nas recentes instalações da Associação do Padre Himalaya criada em 2008 em Cendufe, que os 45 elementos da Associação "Les Amis du Padre Himalaya" foram recebidos.
Protótipo movido a energia solar construído numa escola do concelho e que ganhou o prémio do Concurso Padre Himalaya








Foi com muito entusiasmo e alegria que se realizou uma festa em que vimos cruzarem-se simbolicamente danças da Sardenha, da região Catalã de Sorède, com o Vira Minhoto das terras de Valdevez.
Elementos da Associação de Sorède dançando a Sardenha na Associação Sócio-Cultural Padre Himalaya, de Cendufe








A "Association Les Amis du Padre Himalaya", de Sorède, apresentou, no dia 11 de Agosto, em França, o projecto de reconstrução do forno solar do Padre Himalaya, que vai ser construído em Sorède.
É um modelo fidedigno, protótipo funcional, réplica do aparelho construído pelo Padre Himalaya em 1900, em Sorède.


Este projecto tem já a aceitação do Presidente da TECSOL, André Joffre.
O protótipo funcional reduzido, realizado pelo professor Amand Darbon, constitui um elemento essencial para a prossecução prática do novo modelo à escala do pireliófero original que também vai funcionar, podendo servir de instrumento pedagógico para escolas e outras instituições para conhecimento da história dos fornos solares.
Esta peça emblemática será o marco para um percurso de energia solar na região dos Pirinéus Orientais onde se instalaram, no seguimento das experi~encias do Padre Himalaya, as grandes hélioestruturas de Mont-Louis, Odeillo e Thémis.



NOTA
Para conhecimento da obra e vida do Padre Himalaya, pode-se obter, através da LX Filmes, o DVD  "A Utopia do Padre Himalaya", documentário histórico realizado por Jorge António e baseado no livro de Jacinto Rodrigues "A Conspiração Solar do Padre Himalaya", Ed. Árvore, Porto, 1999.

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Retalhos do Diário de Bordo a Cabo Verde - Outubro 2009

Terça-feira
13 de Outubro 2009
Chegada à Cidade da Praia. Comi uma sopa de macarrão com asas de galinha, no aeroporto.
Uma hora depois, num bimotor, segui para o Mindelo onde fiquei na Pensão "Chez Loutcha".



Quarta-feira
14 de Outubro 2009
De manhã tomei o pequeno-almoço no Café Mindelo com o meu velho amigo Arquitecto António Jorge Delgado.
Em seguida juntou-se a nós o Arquitecto Manuel Cansado.
Demos uma volta pela ilha. Praias a perder de vista.



Visita à casa bioclimática do Arquitecto Delgado.
Através dum pátio-chaminé, o ar quente era extraído pela abertura cimeira do saguão. Essa abertura controlável, permitia a adequação térmica, conforme as estações.
O ar fresco, entrando na base do edifício, afagava as plantas verdes e húmidas do pátio. E, numa ascensão espiral, percorria os vários patamares, atravessando portas e janelas de jelosias semi-abertas, refrescando as paredes grossas até se esvair no cimo do poço de luz do pátio.



No exterior, a simplicidade das paredes nuas e brancas era pontuada apenas por um baixo-relevo de Leão Lopes, simbolizando uma sereia da tradição cabo-verdiana.




Ao fim da tarde, viagem de barco para a ilha de Santo Antão.

Quinta-feira
15 de Outubro 2009
O encontro com esta ilha verde foi mágico. Ao fundo, o rendilhado em filigrana das esguias montanhas, obscurecendo, em contra luz, o céu imensamente azul, mergulhando também no azul marinho do mar infinito.
Chegamos, pela mão do senhor Leopoldino, ao Lombo de Santa onde morava o senhor Roberto, curandeiro da ilha. Aí ouvimos, entre ladaínhas e rezas várias, informações pertinentes sobre plantas curativas e ainda massagens na coluna que soerguiam entrevados que vinham consultá-lo.
Naquela casa, ao fundo dum vale verde, encontramos o sentido xamânico do homem e da paisagem.
Do outro lado da costa, depois de comermos um caldo de peixe, fomos ao farol Fontes Pereira de Melo. Ficava no escarpado dum promontório alto. Uma ravina impressionante caía depois nos pedregulhos ao fundo da escarpa, sobre o mar.


O farol era impressionante. Com algumas paredes já danificadas, subimos uma escada de ferro em caracol, já ferrugenta e deteriorada.
No alto do farol, a lente de Fresnel reflectia, na prismática construção, a luz do dia. Um arremedo de lanterna jazia envolto em quebrados prismas de vidro, fragmentos partidos da lente.
Do cimo do farol via-se o recorte rochoso da ilha de Santo Antão. Avistava-se a costa entre Vila das Pombas e o Paúl.






Esta paisagem, envolvendo o farol misterioso e em ruína, dava aquele dia o sentimento fantástico desta ilha.
Descemos depois à Cova do Paúl, zona onde nos fizeram ver "ditas pedras escribidas" donde conta a lenda seriam marcas de chineses vindos até ali há longos séculos passados.
Outras "pedras escribidas" surgem ainda no imaginal cabo-verdiano espalhadas por outras ilhas.

Sexta-feira
16 de Outubro 2009
De manhã fomos até Lajedos onde se realizou o Colóquio Internacional "Sociedades Rurais Africanas: Estruturas Fundiárias e Dinâmicas Sociais".
Abordei o tema do Planeamento Ecológico.



Sábado
17 de Outubro 2009
Regresso a Portugal.  
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Extractos do Caderno de Campo da Viagem a Angola em Julho e Agosto de 2009



 

Os textos aqui reproduzidos são apenas alguns parágrafos extraídos do Relatório da viagem a Angola em Julho e Agosto de 2009, entregue no CEAUP para publicação.
(...)
16 a 18 de Julho
Partida para Malange no jipe da ADRA.
No carro, conduzido por Simão, ajeitamo-nos da melhor maneira por entre os sacos de viagem, Djalambi, Manteiga, Hildeberta, Álvaro e eu.
No Dondo o café estava encerrado. Seriam umas 5h da manhã quando paramos nesta primeira escala.
Subimos morros vigorosos por alturas de Ndalatando. A madrugada era esplendorosa.
A 450 kms de Luanda e com 5h de viagem, surgia agora a periferia da cidade de Malange.
Esta província é atravessada pelo rio Kwanza e contém várias etnias, como seja Kimbundo, Cokwe, Kikongo e Umbundo.
O culto da Rainha Ginga (N’Gingabandi) e do Rei N’gola Kiluanji estão patentes nas estórias e lendas que referem a zona de Pungo Andongo como a capital do reino N’dungo. Aí se assinalam as pegadas atribuídas a estes reis, nas pedras negras.
 
19 a 26 de Julho
(...) De manhã, partimos no carro do Sr. Toni com o Álvaro Pereira, em direcção a Benguela. Paramos na barra do Kwanza, por alguns minutos, apreciando o viveiro de palmeiras, logo ali, junto ao rio.
Seguimos passando por Sume e, entre Lobito e Benguela, na estrada 100 apanhamos um grande engarrafamento por causa da nova ponte de Catumbela, que não estava aberta por não ter sido ainda inaugurada, sendo necessário fazer um desvio.
Finalmente chegamos a Benguela.
No dia seguinte visitamos a sede da ADRA, na rua José Estévan.(...)

 
(...) Partimos para o Dombe Grande, conduzidos pelo Zeferino, jovem professor de música na Igreja Protestante e condutor da ADRA, tendo sido o nosso cicerone nesta viagem.
O Dombe Grande estrutura-se em torno duma pequena cidade industrial, espécie de utopia do séc. XIX centrada numa açucareira. As terras, os armazéns, a imensa estrutura industrial, o hospital, a maternidade, o balneário e a fonte são pontos estruturais duma localidade que fez a sua metamorfose em várias décadas, tendo-se consolidado com uma produção de açúcar onde laboraram cerca de 7 mil a 8 mil trabalhadores, nos anos 60 e 70 do século XX.(...)

 
(...) Regressamos a Benguela.
Algumas caminhadas pela cidade, com a família e com o Álvaro, deram-nos a conhecer Benguela com a sua vida muito mais tranquila do que Luanda e com uma população hospitaleira.
Fui com o Professor Doutor Francisco Soares à Universidade de Benguela e pude falar longamente com o Reitor, Doutor Francisco Santos, sobre a cooperação possível inter-universitária. Fui, logo ali, convidado para fazer uma conferência na Universidade e visitar a sede da Fundação nas semanas seguintes.(...)
Duas crianças de 11 e 13 anos, JóJó e Eduardo, tornaram-se amigos do David.
Entabularam conversa connosco. Houve oferta de brinquedos e promessa de correspondência. Porém, nem JóJó nem Eduardo sabiam das possibilidades epistolares do correio. Foi preciso pensar o envio das cartas do David para a Escola Primária que ambos frequentavam. A casa deles, na Sanzala, não tinha nome de rua nem número. Os carteiros não passavam lá… (...)


(...) O Álvaro ficou mais um dia em Benguela e partiria depois para Portugal.
Nós seguimos de Benguela para o deserto do Namibe, com o Dr. Samuel Aço, Director do Centro de Estudos do Deserto, na sua carrinha. O Dr. Samuel Aço é professor de antropologia na Universidade Agostinho Neto e convidara-me para ser membro fundador do referido centro (CE.DO - Centro de Estudos do Deserto). Só agora, passados quase dois anos, estava a partilhar com ele esta extraordinária aventura de me deslocar ao deserto do Namibe onde o CE.DO está sediado. Ele vinha de Luanda e trazia alguns jovens estudantes, Gamboa, Uíme e Carlos. Dois deles seguiram de autocarro para o Namibe e a Gamboa veio na carrinha connosco. (...)
 
  (...) Antes do workshop começar, a 27 de Julho, fomos visitar a cidade de Namibe.
Conheci o ex-vice-governador, Inácio João Tavares, conhecedor profundo da cidade e da sua história e fui ver o colorido dos panos e os cheiros das várias especiarias no Mercado do Namibe. (...)

(...) Voltamos a Njambasana, Kuroka. Exploramos o território observando Welvitschias, Salvadoras Pérsicas, dunas fósseis, pedras roliças, cristais, etc.
Esta área do vale do Kuroka situa-se numa região de clima seco desértico, muito quente.
Como diz Castanheira Dinis, “a média de precipitação anual é inferior a 100mm e todos os meses do ano se podem considerar secos (…). Trata-se duma região com características do Plistocénico e do Kalahari Superior”.
Interessará estudar cuidadosamente as mudanças climáticas operadas nesta região. O interesse local e internacional deste estudo parece-me relevante e poderá constituir um objectivo da maior importância para o CE.DO (Centro de Estudos do Deserto) (...)



(...) A palavra “Kurocas”, como refere o Padre Carlos Estermann, “é um vocábulo que define mais a geografia do que a etnia. São vários os povos que coexistem ao longo do rio Kuroka: Hubas ou Chimbas, Cuanhocas, Cuepes e Quimbares são alguns dos grupos étnicos que habitam a zona.”
O Padre Carlos Estermann refere que os habitantes do Vale do Kuroka têm sido objecto de observação e estudo desde longa data. O primeiro cronista dos povos do rio Kuroka foi Duarte Pacheco Pereira que, no livro “Esmeralda de Situ Orbis” descreve as populações entre a “mangua das areas” (Porto Alexandre), actual Tômbwa e a “angra das aldeias” (Baía de Moçâmedes), actual Namibe.(...)


(...) Pelas manhãs comíamos na casa do Samuel Aço e da Teresa uma papa de farinha de milho fermentado – maté – ou seja o mingau brasileiro. Esta farinha de milho seca ao sol em cima de lajes de pedra, fermenta ao longo de 4 ou 5 dias. Misturada com leite ou água dá um creme branco.
Na casa do Samuel Aço estavam alojados a arquitecta Cristina Salvador, a antropóloga Cristina Rodrigues e o fotógrafo Jorge Coelho. Na nossa casa ficaram o engenheiro Luís Pedroso e a arquitecta Leonilde Fialho.
Chegaram depois mais participantes: o arquitecto Maurício Ganduglia, a Dra. Fátima Viegas, a D. Emília Almeida, o Arquitecto Artur Lima e o Arquitecto paisagista Luís Mata.(...)

31 de Julho
(...) Voltamos a Luanda.
Pela manhã entrevistamos o Engenheiro Fernando Pacheco, fundador e actual presidente da Assembleia Geral da ADRA que nos deu uma panorâmica sobre a génese desta ONG – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiental. (...)
Descreveu, em traços largos, a metamorfose desta instituição. Face às sucessivas mudanças político-sociais em Angola, explicitou uma metodologia “passo a passo”, com uma contínua pilotagem através de balanços permanentes ao funcionamento da instituição. A ADRA, afirma-se como uma instituição autónoma e em constante diálogo com a sociedade civil e o governo. (...)
À tarde, tendo sido convidado para uma conferência na sede da ADRA, em Luanda, fiz uma intervenção: “Reflexões sobre Ecosofia: Ecocidadania, Ecodesenvolvimento e Ecotecnologia”. (...)

3 a 5 de Agosto
(...) Com o Engenheiro Luís Pedroso e a Arquitecta Leonilde, membros da ONG Missanga, reflectimos sobre a eco-construção em Angola e planeamos uma viagem de estudo a Camabatela, onde a Missanga está sediada. (...)

(...) Sobre esta temática, registamos em vídeo a entrevista com o Arquitecto Maurício Ganduglia, professor na Universidade Lusíada de Luanda, que trabalha com os Salesianos D. Bosco sobre desenvolvimento e educação. Esta estrutura da Igreja está ligada a uma organização chamada Miserior, conhecida como a Cáritas alemã. (...)

11 de Agosto
(...) Viagem com o Luís Mata em direcção ao Huambo.
Paramos em Catete pois a carrinha estava com problemas no filtro e nos injectores de gasóleo. Dois jovens irmãos mecânicos, o Marcelo e o Luisinho, num pátio com contentores- a garagem do Rufino - resolveram o problema e partimos para o Bongo, passando pelo Dondo, Kibala, Wakuokungo (aldeia nova). 

(...) Subimos ao alto do Ama. Atravessamos o cruzamento com a indicação do Lobito, Bié, Huambo e Luanda, em direcção ao Huambo. Era já noite e seguimos para o Bongo onde nos alojamos na Missão Adventista do Bongo, na casa da Gisela e do Luís.
(...) No Huambo, conversa-entrevista filmada com o engenheiro Júnior Chinendele do Gabinete de Planeamento e Urbanismo. (...)
Ao Engº Júnior Chinendele explicitamos os nossos pontos de vista para um eco-urbanismo (energias renováveis, transportes ecológicos – ex. carros de ar comprimido ou eléctricos – hortas municipais e um eco-parque pedagógico e formativo.
Constatamos, após a visita à cidade, a existência de 3 bacias hidrográficas, eixos estruturais verdes, em particular o jardim botânico que visitamos. Filmamos e fotografamos a Casa Ecológica que está a ser renovada.

Entrevista à Dra. Gisela, médica-veterinária, sobre o seu trabalho na ONG alemã WHH (Welt Hunger Hilfe).


13 de Agosto
De madrugada partimos em direcção a Benguela.
Visitamos algumas praias de Benguela – Caota, Caotinha, Praia Azul, Baía Farta, Praia da Macaca.
Às 18h fiz uma conferência sobre “O Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável e a Paisagem Urbana” no anfiteatro da Universidade de Benguela. Abertura pelo Reitor Professor Doutor Francisco Santos e apresentação pelo Professor Doutor Francisco Soares.



(...) A palestra centrou-se essencialmente na reflexão sobre 3 cidades:
1. A cidade simbiótica de Kalundborg, em que, através de uma articulação sistémica, se criaram sinergias que melhoraram o nível de vida das populações e aumentou a produção local;
2. A cidade de Freiburg que, graças à energia solar e outras energias alternativas, pretende vir a tornar-se sustentável e até mesmo, de energia positiva. Através da reconversão de desempregados de aeronáutica, a câmara municipal desta cidade alemã, criou novos postos de trabalho em torno da actividade produtiva de protótipos de energias renováveis, nomeadamente painéis termosolares e fotovoltaicos.
3. A cidade de Curitiba que, graças ao desenvolvimento da cidadania nas múltiplas vertentes, favoreceu a reciclagem de lixos em nutrientes, a melhoria dos transportes e a renovabilidade energética.
Articulando necessidades e aspirações, a Câmara Municipal favoreceu uma maior consciência ecológicas e o aumento de participação na gestão da pólis. (...)

14 de Agosto
(...) Visita com o Reitor da Universidade de Benguela à Fundação da Sociedade Projectos Educativos de Angola, na praia da Caotinha. Fotografias. Descrição da Fundação, da praia e da aldeia da Caotinha


Primeira reflexão para um diagnóstico da situação e proposta de trabalho futuro com Pierre Rabhi, Tecsol e Tibá.
Partida de avião para Luanda.(...)

15 de Agosto
(...) Partida, às 5h da manhã, para Camabatela.
Passamos em Catete e Ndalatando, subindo o morro colossal do Binda. A 100km antes das quedas de água de Kalandula, viramos à esquerda na direcção da antiga Ambaca, actual Camabatela.
Paramos no Kilombo, onde os palmeirais verdejantes do jardim botânico deste local, revelavam um ecosistema muito fértil. Aí havia rosas de porcelana e autênticas catedrais de bambus imensos.
Chegados a Camabatela almoçamos na Missão dos Capuchinhos, na casa onde habitam o Luís Pedroso e a Vanessa. (...)

(...) Visita da mata, dos edifícios em adobe, da igreja, dos anexos e das oficinas de carpintaria e cerâmica. Cercas verdes de Buganvílias e de Sansão do Campo. Vedações realizadas pelo padre Joaquim Ribeiro.(...)


21 de Agosto
(...) Depois do almoço, eram 15h quando entramos no carro da Dra. Fátima Viegas em direcção ao Bairro Rocha Pinto, para participar numa investigação sobre a problemática da saúde e religião.
O bairro Rocha Pinto é um bairro com casas degradadas e muito lixo amontoado.
Ao aproximarmo-nos da Igreja Profética Vencedora no Mundo, dirigida pelo Profeta Enoque, ou seja, Jorge Lino Kambundo, passamos por um grande mercado ao longo da rua, com quitandeiras sentadas vendendo fruta, bolachas e baldes de plástico.
Vínhamos com a Dra. Fátima Viegas, socióloga e responsável pelos assuntos religiosos junto do governo, e tínhamos encontro marcado. (...)

(...) Fomos para um pequeno escritório enquanto aguardávamos ser recebidos pelo profeta Enoque. A Dra. Fátima Viegas, já conhecida na igreja, recebeu as boas-vindas. Nós fomos apresentados como estudiosos da Universidade e após as saudações protocolares sobre a nossa bem-vinda e auspiciosa visita, começamos a nossa conversa espontaneamente.
Procuramos esclarecer alguns problemas relacionados com a espiritualidade africana antes mesmo de avançarmos com as questões da terapias espirituais propostas pela Igreja Profética Vencedora no Mundo.
Como tínhamos compulsado alguns materiais teóricos sobre a espiritualidade bantu, quisemos certificar-nos, junto de Lino Kambundo, qual era a postura da sua Igreja em relação às 3 grandes funções mágicas tradicionais: adivinho, curandeiro e feiticeiro.
O profeta assumiu-se de imediato como adivinho, imbuído desde os 23 anos pelo espírito do Anjo Enoque, mostrando assim o seu distanciamento ao curandeirismo tradicional e em particular a ruptura total com a feitiçaria. (...)

(...) A abertura ecológica permite entender que as práticas chamânicas estão ligadas a uma abordagem sistémica do homem e da natureza. Esta perspectiva é particularmente interessante para a emergência do novo paradigma que põe em causa, do meu ponto de vista, a arrogância reducionista da visão da sociedade moderna. (...)

25 de Agosto
(...) Fui convidado pela socióloga, Dra. Fátima Viegas, a proferir uma palestra no ISCED (Instituto Superior Ciências Educação e Desenvolvimento) da Universidade Agostinho Neto.

Esta palestra, registada em vídeo, abordou a temática epistemológica das Ciências Sociais, revelando os vários “véus” que diferenciam a aproximação ideológica da “doxa”, da investigação teórica e fenomenológica das ciências sociais.
Tivemos como fundamento desta abordagem o conceito de complexidade, a metodologia sistémica e o enquadramento dum olhar gerado pela ecosofia. (...)


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Viagem a Montserrat e Manresa - Catalunha - 2009


A leitura de alguns livros aguçaram-me a vontade de visitar a montanha de Monserrat. Em primeiro lugar o livro de Octavi Piulats – Goethe y Monserrat– Ediciones Solsona 2001. O livro relaciona esta atracção poética pelas paisagens montanhosas com o romantismo. Trata-se dessa aptência límbica que atrai o nosso imaginal para o êxtase em que Petrarca se deixou arrastar quando fez a ascenção ao monte Ventoux. Este eixo de verticalidade que nos atrai da terra para o cosmos constitui o arquétipo da iniciação desejada. Simbolicamente é o enebriamento vivido quando se deixa a obscuridade da caverna e se ascende à montanha sagrada. Imanência e transcendência que é também a alternância pendular do dia e da noite. Esta iniciação fê-la Ignácio de Loyola. Piulats descreve no referido livro a peregrinação de Ignácio entre a “cova” em que se refugiara durante dias, em Manresa, e depois a subida ao mosteiro beneditino no cume de Monserrat. O livro conta-nos também a viagem de Alexandre Humboldt. A subida a pé à misteriosa montanha mágica é descrita por ele numa carta a Goethe. E assim, a mágica imagem da montanha alimenta o romantismo dessa geração. No livro de Piulats há ainda a estranha visita de Beuys a Manresa. Beuys parece engrandecer Ignácio de Loyola pela forma iniciática como empreende a sua mudança de vida. Parece assim querer distinguir a personagem de Loyola das várias modificações ou recuperações do movimento jesuíta face à igreja católica. É curiosa a peça escultórica que realizou. Simbolismo esotérico para os dias de hoje, marcação dum momento significativo de um homem que se transformou a si próprio metamorfoseando o saber em nova vontade que faz nascer uma personalidade livre. Já Max Stirner tinha denunciado o “falso princípio da nossa educação” que apenas pretende adestrar para melhor reproduzir o que dominantemente nos querem inculcar.

Um outro livro, “Leonardo, Los años perdidos”, de José Luis Espejo, Ediciones El Anden, Barcelona 2008, constitui uma outra vertente para a viagem que preparei para Monserrat. O que é mais curioso no livro é o estudo e a pesquisa que José Luis Espejo faz sobre a eventual peregrinação de Leonardo da Vinci a Monserrat. As provas estariam em vários dados, ou prenúncios de dados, susceptíveis de defender essa tese: a) a família de Leonardo estaria ligada ao Catarismo e um tio fugira mesmo para Barcelona; b) As montanhas de Monserrat aparecem no fundo do quadro da Gioconda; c) O sorriso de Mona Lisa seria o mesmo sorriso da virgem Negra; d) Os cadernos de Leonardo conterão pistas dessa viagem às terras catalanas e à montanha mágica de Monserrat... Tudo isso e muito mais, pode ser elocubração parafrénica. Mas pode não ser. O autor, de formação histórica, adverte-nos da sua perplexidade ao longo dos estudos que fez e assegura-nos de que estas suas preocupações foram muito anteriores aos sucessos literários do “Codigo da Vinci”, sobre o qual, aliás, emite juízos bastante críticos no que concerne á veleidade histórica em que se fundamenta o romance. Assim, o livro de Jose Luis Espejo é um exercício de desocultação gnóstica, de hermenêutica complexa em que importa não aceitar aparências mas multplicar caminhos novos para a investigação mesmo sabendo que nunca se chega a uma verdade única. 
 

Assim, municiados com esta literatura em mente, partimos da casa do Luis Romani, em Les Toezes, cerca das 9 horas da manhã. A Rosa, o Luís, o Emanuel e eu éramos “os buscadores de verdade “dessa peregrinação a Monserrat e Manresa. O Luís, dada a sua “catalanidade”, servia de guia topográfico. Mas da viagem na alma éramos todos responsáveis pelo sentido que cada um procurava dar ao caminho. O David, com os seus 9 anos, olhava com espanto as altas serranias que se avistavam e à chegada a Monserrate procurava as vitrinas das lojas que exibiam as virgens negras em mantos dourados.

 

Em Manresa contentamo-nos em ver por fora ”a cova”, ou seja, a gruta onde Ignácio se acolheu. A rochosa protuberância que guarda no seu recôndito sombrio e silencioso, o lugar de recolhimento onde esteve o postulante de Loyola, foi coberta por um manto granítico que é o convento, construído mais tarde quando Ignácio de Loyola ganhara a aura de santidade católica. A porta do convento estava encerrada. Mas lembro-me bem de há uns anos ter visto a “cova” e aí meditar sobre a experiência daquele peregrino que mudou, por dentro, a sobranceria de militar em pobre enfermeiro de leprosos, entulhados num abandonado hospital de Manresa.

 

Fomos ver aquela cruz, espécie de cruzeiro, onde esteve Ignácio olhando o vale do paraíso onde se ergue ao fundo, em filigrana, a silhueta da montanha mágica de Monserrat. Foi na ascensão à montanha que Ignácio teve êxtases duma nova vida, deixando para sempre a espada do soldado que fora. Joseph Beuys teria tido um frémito semelhante naquele ano de 1967 quando, em Manresa, se pôs a realizar aquela estranha escultura de ferro.

 


Estávamos nas vésperas de Maio de 68. Para muitos sentia-se a necessidade, depois da tentativa de igualdade jurídica afirmada pela revolução francesa, do esboço da fraternidade económico-social prometida pela revolução russa de l917. Era chegada a hora da liberdade criativa se fazer ecoar na esperança da juventude daquela primavera de 1968. Beuys seguramente sabia da necessidade de transformar o saber em vontade livre para criar um outro mundo possível de liberdade e pensamento intuitivo, imaginativo e inspirado. Joseph Beuys deixou as marcas. Vi os carvalhos que plantou em Kassel. Vi as árvores verdes crescendo e ramificarem-se no meio da cidade. De Manresa foi subindo Ignácio até ao convento em busca do Graal.! Beuys experimentaria a solidão da gruta e o esplendor luminoso no cume de Monserrat.
Nós também fomos até lá.



O novo órgão ensaiava um canto chão no interior da igreja.
Alvejamos por entre a fila de visitantes a virgem Negra. Comparei a escultura ali presente com a imagem da Gioconda de Leonardo que recordei… Pareceu-me de facto o mesmo sorriso enigmático e subtil!


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Rabiscos dum Caderno de Viagens - Páscoa de 2009

I
                                                              MONTE ST. MICHEL

  
Viajar é aprender. Aprender a conviver e ver paisagem. Petrarca ascendeu ao Monte Ventoux para olhar a grande paisagem: a infinitude do olhar da águia sobre a infinitude do mundo. Era um "olhar de Deus". Era a contemplação da natureza. Era o cosmos ou a ordem divina do mundo. Rousseau procurou outro olhar: o êxtase na beleza da paisagem. Ainda um outro olhar teve Goethe. Na viagem à Itália foi um olhar múltiplo. 
Um olhar sobre os homens, sobre plantas, sobre a história.
  
Em todos os casos foi alimentar a alma. Aquele olhar que se vê a si na sua própria humanidade em simbiose com a natureza.
  

 
Na Páscoa partimos com olhares diferentes, numa aventura iniciática. O João, a Patrícia, o António e eu. Começamos a 6 de Abril de 2009... A 1ª etapa - o Monte St. Michel 
A água, o vento, a pedra e a luz esculpidos naquele barco de rochedos em que S. Miguel poisa na agulha do tecto mais alto da abadia. É a "geia" divina que surge como o milagre dos elementos.





O labirinto de pedras que ascende ao céu... Os escadórios serpenteiam como cobras por entre as íngremes ravinas. Os edifícios alcandorados em cascata, formam um presépio gigantesco. Os pétreos contrafortes esteiam aquele prodígio de arquitectura sagrada. Êxtase de sucessivas gerações. Aspirações enraízadas na imensa pedreira que flutua ao sabor das marés. O poente morre no oceano, a ocidente.

                                                                       
II
                                                                       CHARTRES 
Chartres é luz e geometria. A rosácea cria múltiplas cores duma mandala que estimula o mistério. As esculturas da porta ocidental são o´símbolo alquímico.O "tetramorfo" revela a complexidade do nosso "eu". Os profetas, David, Salomão e a rainha de Sabá, contextualizam os nossos paradigmas históricos e o labirinto obriga-nos a dar sentido ao caos da nossa errância.

 

  
                                                                           
III                  
                                                              ARC-ET-SENANS 
Máquina em busca do cosmos prospéctico e mecânico de Newton. Hierarquia do olhar. No entanto, mistérios infinitos das trevas: o sal recôndito dos alquimistas, trazido da rocha profunda à luz do sol.

    
  

                                                                             IV 
                                                                     RONCHAMP 

Pássaro branco, pousado sobre a colina, entre o céu e a terra.

  
V 
    GOETHEANUM
Gesto plástico e simbólico. Emanência e transcendência para uma GAIA viva.

                                                                             VI
                                                                   PONT DU GARD
Entre as margens montanhosas de falésias sinuosas e abruptas, o aqueduto é uma ponte sólida, geométrica e altiva ligando revoltas águas reflectidas no fio límpido e imóvel que escorre o sol. 

A viagem foi ainda muito mais do que estes marcos canónicos da história de arte. Fomos ao mundo obscuro dos que não têm lugar na história estreónica e imediática. Batendo estradas e caminhos poeirentos, subindo e descendo por desfiladeiros perdidos, em montanhas altas e plainos ermos, vimos alquimistas, sábios e procuradores da verdade: 1. Rolland, na sua quinta-laboratório, tratando de taludes ecológicos. 2. Baronnet, fazendo autonomia construtiva e energética com pensamento autonómico. 3. Michel Rosell, contruindo máquinas ecológicas e casas fabulosas em campos fertéis de árvores raras. 4. Rabhi, regenerando a terra com compostos vários em experiências alquímicas e agro-ecológicas. 5. Albrecht, forjando vontades em corpos caídos em busca de sonhos e prodígios. A viagem é sempre uma iniciação. Perdidos na noite, procuramos albergues em tortuosos caminhos. Perdemo-nos mil vezes. Achamo-nos na catedral de Burgos, recebendo a concha da peregrinação...
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Nova visita ao centro Terre et Humanisme - Abril 2009






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Visita à casa particular de Oscar Niemeyer de 1953

O Professor Jacinto Rodrigues visitou, com o arquitecto Gilles Alvarenga, a casa particular de Oscar Niemeyer, de 1953. Apresentamos aqui um vídeo dessa visita.

Visita à casa de Óscar Niemeyer


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Visita ao ISEP (Instituto Superior de Engenharia do Porto) em Julho 2008 com os alunos da FAUP





 




Visita ao I.S.E.P. (Instituto Superior de Engenharia do Porto) Julho de 2008 Fomos fazer uma visita ao ISEP acompanhados pelo engenheiro Armando Herculano. No tecto do edificio de cinco andares está montado um pequeno campo experimental de energias renováveis. Duas pequenas eólicas do mesmo tipo (hélice de três pás), alguns colectores solares foto-voltaicos e ainda alguns termo acumuladores para aquecimento de água .Do alto desse terraço era possível avistar outros tectos de estabelecimentos públicos ligados ao pólo universitário: o hospital de S.João, a faculdade de engenharia, de economia etc. Fizemos uma primeira reflexão. Seria importante adoptar um conjunto de eólicas e outros protótipos solares em todos esses edificios; Seria importante também diversificar os modelos. Existem, por exemplo, eólicas “sovonius” que podem circundar os muros dos beirais dos terraços tendo um apoveitamento intenso dos ventos. Todo esse equipamento eólico e solar generalizado poderia dar resposta aos gastos de cada edifício e tornar ainda o conjunto do campus em edificações urbanas de energia positiva, isto é, capazes de produzir auto suficiência energética e, ainda mais, energia suplementar para a rede. Este novo conceito é essencial: tornar estas grandes superfícies urbanas em logística produtiva de energias renováveis para interesse público. Fomos visitar a sala das medições onde se podem ler as entradas energéticas tanto das eólicas como dos painéis fotovoltaicos. Esta monitorização é essencial para uma auditoria ao edifício na sua globalidade. Contudo, é imprescindível analisar não apenas os fluxos energéticos mas também a qualidade ecológica dos materiais de construção, a existência ou não de sistemas passivos e da articulação do edifício com a envolvente paisagística. Fizemos algumas dessas observações que vão para além do uso de uma panóplia de instrumentos de medida, exigindo tambem a perspicácia e a sensibilidade ecológica para descriptar a função de estufa do pano de vidro da escadaria, da pála demasiado rígida que não permitia funcionar com as polaridades sazonais. A entrada nos poços de luz, através de campânulas, não era regularizada em função das diferenças entre Verão e Inverno. Por outo lado, o material de plástico envelhecera e a dificuldade da entrada de luminosidade aumentava. E esta situação agravava-se com o uso da luz artificial que era proveniente de holofotes externos que, gastando energia eléctrica cada vez mais cara, iluminavam cada vez menos. Por fim, demos uma volta ao terreno circundante e pudemos imaginar como é que algumas videiras ou trepadeiras colocadas estrategicamente, poderiam funcionar integradas num sistema de bioclimatização graças à caducidade da folhagem permitindo, ora a entrada de luz no Inverno, ora a sombra refrescante no Verão. Daqui partimos ainda para novas discussões sobre a participação trandisciplinar. Por exemplo, como é que o paisagismo se poderia integrar na bioclimatização geral, na biodepuração das águas residuais e na contribuição agro-ecológica (hortas e pomares urbanos) de apoio às cantinas para alunos e professores. Foi uma viagem de estudo altamente proveitosa que lançou as bases para um trabalho comum, entre alunos de ecologia urbana da Faup e o ISEP.
Jacinto Rodrigues
Julho 2008

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Junho de 2008 - Participação no 3º Congresso DERBY de energias alternativas em França - Perpignan


No dia 5 de Junho de 2008 realizou-se o 3º congresso internacional de energias renováveis - DERBI - no Palácio dos Congressos em Perpignan. Participaram mil congressistas de 30 nacionalidades que integraram vários grupos de trabalho (ateliers temáticos). Cerca de 40 jornalistas franceses e internacionais cobriram o acontecimento.
Na conferência de imprensa, em que participaram elementos do Estado, várias personalidades do ensino universitário e do poder local, revelaram-se cada vez mais os interesses pelas energias renováveis na solução da crise enegética e das mudanças climáticas.
O Presidente do DERBI e Director do Bureau d'Études TECSOL, André Joffre, referiu a importância do urbanismo e da arquitectura, visando soluções de energias renováveis que respondam não apenas à autonomização mas que produzam também energia excedentária para a rede nacional.
Durante 3 dias discutiram-se temas relacionados com as energias solar fotovoltaica, solar térmica, eólica, biomassa e geotérmica.
As conclusões deste congresso podem resumir-se em:
1º O futuro do planeta passa obrigatoriamente pelas energias renováveis;
2º As dificuldades técnicas estão, hoje, ultrapassadas pois as energias renováveis já podem responder cabalmente às necessidades do planeta. Precisam-se apenas de decisões políticas em conformidade;
3º É preciso desenvolver, desde já, cidades e habitats que produzam energia disponível não apenas para as suas necessidades autónomas mas que, suplementarmente, produzam energia para a rede de distribuição nacional e internacional. Perpignan será, em 2015, uma cidade de energia positiva.
O último dia deste congresso foi dedicado à visita de casos concretos. Tivemos ocasião de visitar uma escola, o pólo de infância Claude Simon, em Perpignan, obra da arquitecta Mimi Tjoyas. Esta escola disponibiliza energia eléctrica para a rede, proveniente da energia solar fotovoltaica.

 


 
No congresso DERBI esteve também em exposição uma maqueta da "La Maison de Demain". Vale a pena consultar o site: http://www.avivre.net
Trata-se de uma proposta de habitat para energia positiva que, em breve, será industrializado em larga escala.
Jacinto Rodrigues
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Construção de terra em Boassas - Agosto 2007

O Professor Doutor Jacinto Rodrigues e o Mestre Arquitecto Luís Pinto de Faria, deitaram mãos à obra (neste caso à terra) e experimentaram a execução de vários tipos de tijolos de adobe (terra com barro/cal/gesso/goma de cacto/palha, etc.). Foi em Boassas, no final de Agosto.

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Jacinto Rodrigues apresenta Johan van Lengen - TIBÁ - BRASIL - 2007

Aqui ficam os vídeos do professor Jacinto Rodrigues a propósito da sua visita ao Tibá e do seu encontro com Johan van Lengen, o arquitecto que fundou este mesmo instituto, que visa criar um instrumento para a disseminação de uma arquitectura mais integrada com a natureza.



Vídeos



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Visita ao Ecocentro Heol de Patrick Baronnet-Fevereiro 2007


Chegamos ao Ecocentro Heol – Casa Autónoma de Patrick Baronnet – em Moisdon la Rivière – Bretanha (França) eram 16h do dia 19 de Fevereiro de 2007.
Vínhamos do Porto, no pequeno Peugeut do Amândio. Foi quase uma directa. Paramos apenas algumas horas numa residencial acima de Bayone.
Na condução, o Amândio era revezado pelo Emanuel. Eu, sentado no banco de trás, alimentava a conversa para que o sono não assaltasse os condutores.
Quando chegamos, o Patrick Baronnet estava à volta duma eólica avariada. Fomos ajudar. Era necessário descerrar os cabos para que a haste de 20 e poucos metros tombasse lentamente até encostar a um cavalete.
As hélices e o dínamo ficavam agora à mão.
O Patrick diagnosticou a avaria: eram os carvões gastos e sujos que impediam o contacto com a bobine. Foi fácil a reparação e em breves minutos estávamos a erguer a eólica graças a um macaco fixo ao tirante, para voltar a repor a eólica vertical ao solo.
Em seguida, o Patrick levou-nos a visitar uma construção em forma de zome. Essa zome fora construída com 84 losangos e o revestimento era feito de cânhamo e cal. O número de ouro estabelecia a relação entre a altura e a largura do zome. Esta edificação conseguira ter licença de construção por ser considerada uma forma construtiva experimental.
E de facto é um laboratório para vários estudos sobre a relação do espaço e a vida e também serve de campo de investigação para a geobiologia.
Os trabalhos de Yann Lipnik, que trabalha desde há alguns anos nas “arquitecturas vivas e formas biodinâmicas” inspiraram a realização desta zome. O estudo da geometria sagrada e a investigação nos domínios inovadores duma ciência telúrica onde se procuram estudar efeitos de correntes telúricas e cósmicas como as redes de Hartmann, Curry e Peyré, interessaram Patrick Baronnet que é um “procurador de verdade” e por isso não é alheio a este tipo de investigações que valorizam antigos saberes com a ciência contemporânea, nomeadamente o paradigma quântico da Física.
O dia estava bonito e o sol entrava pela transparência das vidraças coloridas que mais pareciam rosáceas. A porta da entrada estava especialmente decorada. Dir-se-ia que a zome estava revestida de antigos vitrais de catedrais que davam colorações e ambientes lumínicos ao espaço.
Depois de vermos as particularidades construtivas e de analisarmos os materiais e as formas geométricas subtis fizemos algumas experiências: sentir o espaço circular ascendente. Também percepcionamos os vários matizes das cores e ouvimos os sons que ecoavam nessa campânula em forma de zome. A voz era nítida mesmo quando falávamos baixo. E quando J. Ph Marie Moisson, director do Institut William Bates, usou aparelhos de medição electromagnética, vimos um bom comportamento do edifício em relação aquilo que se considera em geobiologia como pontos patogénicos do habitat.
Fomos para casa do Patrick, onde fomos recebidos pela Brigitte. Conversamos enquanto comíamos uma salada e uma boa sopa de legumes, trocando algumas ideias sobre o momento político e a situação ecológica mundial.
Fomos dormir para o sótão da velha casa rural depois de escutarmos uma bela música que a Brigitte tocou na sua harpa.
Na manhã seguinte, terça-feira, tomamos o pequeno-almoço com os Baronnet.
Depois, o Patrick mostrou-nos um powerpoint com alguns pormenores da casa 3E (economia, ecologia e entreajuda).
Referiu também a abordagem holística e sistémica subjacente à construção desta casa e à envolvente territorial. O elemento central deste habitat era o ecosistema, base da nova arquitectura ecológica.
Fomos então visitar a casa 3E. Foi importante perceber a relação do todo:
O solo, edificado sobre tijolo de terra, é o acumulador radiante. As fundações, que vêm dum fundo de grânulos de argila expandida, aproveitam a inércia térmica da terra que, a cerca de 1,5 metros está sempre a uma temperatura constante de 10 a 12 graus. Assim, a base da casa no Verão é fresca em relação ás temperaturas de 30 a 35 graus do exterior. E no Inverno, por exemplo, os zero graus do exterior encontram-se a 10/12 graus no interior.
Deste modo o edifício funciona como um forno, no Inverno.
Serve-se da temperatura acumulada pelo pavimento e, graças à captação solar (infravermelha) feita pela larga vitrina cuja concentração é facilitada pelo reflexo da parede branca do telhado inclinado, o perímetro das paredes de tijolo de terra é aquecido. Esse aquecimento pode ser reforçado, especialmente durante a noite, com o fogão de sala, envolvido em porcelana refractária e onde circula também a serpentina do cilindro termo-solar.
A bioclimatização solar passiva, completa-se com o poço canadiano utilizado no Verão.
Esse poço canadiano feito no momento dos caboucos é constituído por dois tubos que, a cerca de 1,5 metros, se distendem em forma de serpentina, trazendo para dentro de casa o ar do exterior que foi arrefecido pelo solo.
A casa é revestida nas paredes exteriores pela palha recoberta de madeira, à qual se junta um reboco quase todo em cal. Esta é a parte isolante do edifício.
No interior, as paredes e o pavimento, de tijolo de terra, funcionam como o acumulador da casa.
Interessa salientar que a palha não pode ficar húmida. Por isso, junto ao solo está um muro baixo que com uma camada de óleo não permite a osmose da humidade térrea para a palha.
O geobiólogo Moisson voltou a fazer medições com a sua panóplia de aparelhos.
Verificamos alterações nas radiações electromagnéticas. Os nossos telemóveis faziam interferência nos ponteiros do medidor electrónico.
Depois, no exterior, vimos como a água da chuva era recolhida numa cisterna. E vimos como em relação às águas usadas se usava a fitodepuração. O sistema energético provinha duma pequena central que aproveitava a corrente contínua do dínamo da eólica que, articulada com uma estrutura de foto-pilhas, auto-orientável e pousada no jardim, fornecia carga eléctrica às baterias. Um sistema de conversão permitia obter 220 volts para se utilizarem os electrodomésticos habitualmente feitos para essa voltagem.
As sanitas secas existentes permitiam que a reciclagem dos detritos orgânicos (restos de comida e dejectos) se tornassem nutrientes do composto previsto para o jardim, horta e pomar.
A antiga casa rural, comprada pela família Baronnet, foi totalmente renovada através da auto-construção, tornando-se também autónoma ao nível da água e da electricidade desde há 25 anos.
A eólica fornece anualmente 1,8 megawatts ou seja cerca de 4 a 5 kilowatts por dia.
E o painel de foto-pilhas auto-orientável fornece energia complementar. O aquecimento solar passivo foi conseguido através da estufa colocada à entrada da casa. Esta organização espacial - solar passiva – que conta com a inércia térmica das largas paredes da construção vernacular, tem também o complemento de um forno de lenha, embutido num revestimento de tijolo burro, coberto com cerâmica.
Existem ainda 4 m2 de captores termo-solares inteiramente construídos pelo Patrick e que fornecem energia para aquecer cerca de 150 litros de água a mais de 40º.
Para a água potável aproveitam-se as águas pluviais que são recolhidas em 2 cisternas com mais de 4000 litros cada uma.
Com esta logística básica (água, luz e aquecimento) construída há mais de 25 anos, a família Baronnet foi consolidando a actividade agro-ecológica para uma alimentação de base vegetariana.
Com estas necessidades essenciais resolvidas, a família pode viver com meio salário de um dos cônjuges e assegurar a manutenção das outras despesas e a educação dos filhos.
Pouco a pouco, os Baronnet edificaram um eco-centro, escola de vida com formação nos fins-de-semana sobre agro-ecologia, dietética, gestão de água e energias renováveis.
Foram-se organizando estágios que ensinavam, através do trabalho prático, as técnicas de construção ecológica (materiais naturais. terra, palha, cânhamo e cal, etc.) e bioclimatização com técnicas passivas e energias renováveis (sol e vento).
Uma pequena associação com actividade editorial foi publicando livros e organizando festivais.
E das conferências, formação geral, estágios e festivais realizaram-se em simultâneo a zome e a casa 3E que analisamos.
Foi um desenvolvimento orgânico, metamorfoseando no tempo as várias etapas, que permitiu aos Baronnet a consciência de viver em harmonia com o lugar e com os projectos sociais com que sonharam.


Texto de Jacinto Rodrigues

Fotos de Amândio Cunha e Emanuel Cardoso.

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França - Estágio de Agro-Ecologia com Emmanuel Rolland Fevereiro 2007


Pelas 10h30m da manhã do dia 21 de Fevereiro, 4ª feira, chegamos a Chapelle d’Iff, a casa do Emmanuel Rolland.
A recepção foi calorosa. Recordações da última vez em que estivéramos ali e ainda alguns minutos de conversa sobre a viagem.
Depois o Emmanuel Rolland fez-nos seguir para o seu ginásio. Iniciamos a experiência da actividade pedagógica no Centro “Petit Jardin Ecolier”. É assim o começo matinal dos cursos de formação. E nós queríamos ter uma experiência dessa formação que dura cerca de um ano, tal como Emmanuel Rolland prevê para os seus formandos nesta singular Escola de Vida, onde o ritmo das estações e o trabalho quotidiano regulam os nossos gostos e as nossas acções, num uníssono de harmonia com a natureza.
No ginásio treinam-se pequenos gestos, pequenos exercícios que relaxam e harmonizam o corpo para as tarefas, treinando os músculos e desenvolvendo gestos que melhor nos ajudam ao trabalho rural.
Numa mesa de balancé ficamos seguros pelos pés sobre uma tábua, ligeiramente inclinada a 15/20º. Depois, esta base vai basculando até ficar horizontal. Nós vamos relaxando, respirando profundamente e mexendo ligeiramente os braços. Em seguida a tábua dá-nos uma inclinação maior. Ficamos então a 40/50º, seguros pelo tornozelo, estendendo os músculos e as vértebras da coluna. Invade-nos um torpor pelo corpo. O sangue aflui ao cérebro. E nós continuamos a respirar mexendo ligeiramente os braços.
Sempre a respirar fundo vamos voltando, lentamente, à posição inicial.
Depois exercitamos os músculos das pernas, a flexibilidade nos quadris e nas ancas, a força nos braços. Por fim, relaxamos jogando uns 10 minutos de bilhar. Temos que tentar acertar mas sem concorrência. Apenas o prazer de tarambolar…
Meia hora depois comíamos pedaços de maçãs, diferentes umas das outras e com sabores também diferentes. Era a “aula” de saborear os paladares diferenciados dos vários tipos de maçãs.
Tivemos então, de seguida, uma espécie de aula teórica. Era uma conversa viva e cheia de exemplos concretos sobre a concepção agro-ecológica de Masanobu Fukuoka, uma das orientações que influenciaram a prática de Emmanuel Rolland.
Referiu-nos alguns dados biográficos: Fukuoka fez uma formação em microbiologia e especializou-se em doenças de plantas. Mas, aos 25 anos ele põe em causa a concepção da agricultura moderna que estudara. Volta então à sua aldeia e trabalha no sentido de desenvolver uma agro-ecologia, chamada também de agricultura selvagem.
A ideia básica é a seguinte: o trabalho com a natureza deve considerar-se um trabalho sagrado e isso implica um certo número de princípios que resultam duma observação consciente da floresta:
1. Não é necessário trabalhar excessivamente a terra pois ela cultiva-se a si própria, graças aos múltiplos ecosistemas de microorganismos;
2. Não são necessários fertilizantes pois um solo saudável conserva a sua própria fertilidade, graças aos ciclos e ao metabolismo circular dos nutrientes;
3. Não são necessários pesticidas pois a floresta é a mais regenerativa das formas da natureza.
Esta filosofia de Fukuoka, sempre a favor da natureza e não contra ela, confere ao homem um papel específico na agro-ecologia. O homem intervém conscientemente para fazer com que a natureza possa manifestar as suas potencialidades intrínsecas de criar, regenerar e permitir alimentar.
Depois do almoço vegetariano, fomos ver um pequeno filme sobre o trabalho e a obra de Emmanuel Rolland que a televisão francesa fizera já há algum tempo.
Em seguida, Emmanuel Rolland levou-nos à sua propriedade especial – Romançon -perto da habitação. Romançon é uma terra que herdou da família e é a base da sua investigação científica, acerca dos taludes que desenvolveu ao longo da vida.
Desde há longo anos que Emmanuel Rolland vem trabalhando nesta singular experiência pedagógica de agricultura natural.



























































Vários taludes foram sendo feitos junto ao vale de um pequeno ribeiro. Uma mata foi-se desenvolvendo num diálogo subtil entre a força da floresta e a pequena intervenção consciente, resultante do conhecimento botânico de Emmanuel.
A força da natureza vai fazendo crescer o matagal. Aqui e ali Emmanuel desbasta. Aqui e ali ele planta árvores de fruto à distância conveniente para que a harmonização entre as plantas não se transforme em luta pela vida. As árvores mortas que caem com os vendavais, transformam-se em biótopos de nova vegetação.
Um eco-sistema singular esta mata em que o homem intervém cautelosamente e escuta a natureza, os bichos e todos os elementos que nela intervêm.
Árvores de luz e árvores de sombra organizam-se nas clareiras e nas zonas húmidas e baixas do vale.
Árvores de folha caduca e árvores de folha perene, arbustos, fetos, cogumelos, tudo são sinfonias num jogo de forças, de simbioses, de apoio mútuo e rivalidades também.
Emmanuelle conhece essas leis, conhece a comensalidade, a predação e a solidariedade das plantas e dos animais.
O papel do homem é escutar, observar e intervir cautelosamente num jogo supremo de alquimia, participando na metamorfose desta pintura e sinfonia prodigiosa da natureza.
O conceito que desenvolveu tem a ver com a criação do “Arboretum-ecosistema evolutivo”.
Ele sabe que plantar árvores é conceber a própria evolutividade da vida vegetal sempre em mudança. É preciso pré-visualizar o que vai ser o conjunto de árvores no seu todo e ao longo do tempo. Prever daqui a um ano. Daqui a 5 anos. Daqui a 10 e 20 anos…
Plantar, semear não são gestos estáticos. É conceber o tempo agindo no aqui e agora – saber que algumas árvores vão morrer, outras crescerão enormemente. Nascerão outras árvores que o homem não plantou… E então, na acção cautelosa, a incerteza e a previsão são componentes de jogo entre o jardineiro e a natureza.
Nessa natureza onde pássaros e outros animais virão visitar e habitar.
Emmanuel reconhece no biótopo a pegada das raposas, das lebres, etc…
Aqui e ali reconhece as penas dum melro ou os dejectos de uma pomba.
Deixamos Romançon e fomos até ao Colège de la Valée de Rance, em Languenan.
Fora aí que 22 anos antes Emmanuel Rolland começara essa prodigiosa aventura de jardineiro livre.
O colégio onde ensinou as ciências da vida, torna-se um laboratório vivo do seu trabalho de ensino.































































Desalentado pelo tipo abstracto de ensino e com o apoio do Director, transformou a aprendizagem num ensino vivo.
Durante 22 anos, com jovens de 15 a 18 anos, calcorreou o vasto terreno do colégio, levantando taludes de terra onde foi plantando árvores e mais árvores – cerejeiras, pereiras, macieiras, nogueiras, castanheiros, aveleiras – e nas bordas dos muros de terra, enriquecida com o “composto” fertilizante orgânico das folhas amarelecidas do Outono e de palha, foi plantando groselheiras, mirtilos, framboesas. E um bosque frondoso foi crescendo à volta do colégio, com clareiras onde as crianças têm sol e em mato mais cerrado e sombrio onde as flores vieram sulcar o solo e as árvores maiores, com os ramos entrelaçados, criaram corredores de sombra.
Em seguida, Emmanuel levou-nos até Dinan. Passou por vários viveiros e “conservatórios” de macieiras de vários tipos biodiversivos, típicos da Bretanha. Uma associação formara-se. E o seu trabalho veio a ser apreciado pelo próprio presidente da Câmara que, no princípio era um céptico da ecologia.
Depois, fomos ver um amigo que construiu uma casa ecológica. O projecto era simultaneamente dum arquitecto com o apoio de um engenheiro especialista em bioclimatização e que construiu, ali perto, a sua própria casa.
O sistema de águas residuais beneficiava da mesma lagunagem fito-depurativa. Esse jardim filtrante permitia reciclar as águas sujas.
O processo bioclimático era complexo e integrado.
O poço canadiano funcionava também como poço provençal.
O Sr. Jo Argouach era o construtor da sua própria casa. Explicou-nos que a serpentina tubular que se encontra enterrada a mais dum metro sob o pavimento cheio de argila expandida e coberto com tijolos E7 e E8 permite trazer o ar a 12 graus. Mas, graças a um pequeno conversor comandado electronicamente e ligado a um termóstato, ele regulariza a entrada e a distribuição do ar conforme o ambiente que se quer. O ar fresco que se pretende no Verão vem a 10º ou 12º. Mas esse mesmo ar vai aquecendo até à temperatura desejada, durante os dias e as noites frias de Inverno, graças ao conversor térmico e ao termóstato.
Fomos espreitar no sótão o pequeno sistema electrónico ligado ao tal conversor térmico. É uma espécie de termo ventilador que actua na regularização do fluxo de ar que vem do exterior e que passa previamente pela regulação dos 12º impostos pela massa inerte por onde passa a tubagem em serpentina enterrada no pavimento de argila expandida e tijolos de terra, acumuladores da temperatura do solo a partir de metro e meio de profundidade.







































O importante do edifício era o forro interno que preserva a manutenção da temperatura interior da casa. As placas de fibra de madeira, “fermacelle”, são a base do revestimento da casa inteira que recobre uma massa de palha bem compressada. Depois, os muros exteriores feitos na base por tijolos E6 com uma tela de impermeabilização, impedem a osmose e a humidificação dos solos, especialmente durante as chuvas. Assim, a palha seca e compacta torna-se parede que é finalmente revestida por madeira de cedro vermelho.
Sobre o telhado estão os acumuladores solares térmicos que aquecem a água que circula do tecto até ao grande cilindro que se encontra no r/c e que, ligado ao sistema eléctrico, pode recorrer ao apoio da energia eléctrica para aumentar a temperatura da água, sempre que seja necessário, ainda que este sistema esteja também ligado ao fogão da sala, de grande massa inerte feito de tijolo burro e coberto com cerâmica refractária e que funciona com restos de madeira.
A tarde passou-se nestes encontros, nestas conversas e contactos especialmente úteis para o Amândio e para o Emanuel Cardoso.
Chovia agora mansamente ao entardecer da Bretanha. Por isso, chegados a casa fomos jantar uma ligeira refeição onde saboreámos uma sopa magnífica com quinoa, algas, diversos vegetais, salsa e alho.
Durante e depois do jantar abordamos temas sobre a escola de vida que estávamos a vivenciar.
Nessa noite ouvimos de Annick o relato da sua experiência no conhecimento da alma humana. Um trabalho pessoal de conhecimento e aconselhamento psico-espiritual.

























































De manhã cedo, o mesmo ritual. No ginásio fazíamos os pequenos exercícios físicos que depois terminavam com um
pequeno relaxe, que era simultaneamente de perícia, observação e previsibilidade no jogo de bilhar. O movimento gestual, a flexibilidade dos gestos, a relação do taco com o movimento da mão e o movimento induzido pela própria esferidade das bolas. O jogo flexível e sem concorrência permitia, mais uma vez, a relaxação e os gestos precisos.
Depois dum pequeno-almoço suculento fomos para o campo com as galochas e as capas contra a chuva miudinha. Fomos retirando as castanhas que germinavam num tambor furado enterrado na terra ao abrigo de roedores.
Fizemos plantações em garrafas de plástico reutilizadas como tubos de ensaio para aí colocarmos as sementes. Depois, os aceleradores dos garrafões onde foram plantadas estacas resultantes da poda das macieiras, nogueiras, etc.
Fazer os buracos, enfiar os aceleradores e meter os rebentos que germinavam já nos “tubos de ensaio”, retirando a garrafa de plástico, tudo isto exigia perícia e o sentido de cada gesto. Cobrir os lugares plantados com gravilha para aumentar a porosidade da terra e para que esta se mantenha quente no Inverno.
Depois, fomos trabalhar nos taludes. Transportar os ramos, colocá-los na parte superior do talude. Fixá-los com uma estaca espetada no solo, tudo isto leva o seu tempo. Perceber as relações entre as árvores e os arbustos fixados na crista do talude.
Perceber o ecotipo criado pelos ramos secos, protecção e nicho dos taludes, fixação de futuras plantas como os mirtilos e groselhas, é uma espantosa actividade rural na previsão da metamorfose das plantas.
Recolhemos o material na carroça e fizemos o circuito à volta da quinta onde encontramos as lagunagens e a casa de palha, feita segundo a técnica Nebraska. Dali ao local da permacultura foi um ápice.
Vimos o “multching” cobrir a terra. Semeamos “capucine” para que a terra ficasse enriquecida e livre de outras ervas indesejáveis para as culturas previstas.
Tudo isto foi uma iniciação à actividade rural.
E, numa horta ao lado, num campo experimental, fomos ver a plantação de árvores segundo a orientação radiestésica e onde também se usavam espirais de cobre como propôs Lakhovsky.
Estudava-se também a influência de cabos de alta tensão sobre as árvores aí plantadas.
Em casa, a Annick tocou-nos, no piano, uma pequena sonata.
E o Emmanuelle com vasos de metal e gonzos orientais, fazia ressoar sons estranhos. Era como se um eco longínquo vibrasse lenta e pausadamente sobre nós.
Depois do almoço ainda conversámos sobre auto-conhecimento e auto-desenvolvimento. O que é o conhecimento justo?
A explicação mecânica, a percepção sensorial, a aproximação sentimental, a abordagem social, a reflexão intelectual e o olhar ideológico são apenas abordagens fragmentárias do real. O olhar global destes pontos de vista pode permitir um conhecimento mais aprofundado mas que, certamente, ainda terá que ser inspirado, imaginativo e pleno de intuição para que as soluções provisórias possam ser contudo avanços no saber.
Na hora da partida, bebemos uma taça de chá de 3 anos e comemos uma tarte de maçã.
A tarde anunciava já uma neblina que descia e quando nos despedimos foi grande a emoção da despedida. A Escola de Vida marcara-nos para sempre.

































Texto de Jacinto Rodrigues
Fotos de Amândio Silva e Emanuel Cardoso

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MOISDON LA RIVIERE - PATRICK BARONNET - 2006


Os documentários agora colocados no blog surgem da visita do Professor Jacinto Rodrigues a uma pequena eco-aldeia em Moisdon-la-Rivière, em França, cujo principal responsável é Patrick Baronnet, igualmente pioneiro do movimento das eco-aldeias em França. As eco-aldeias surgem como resultado da cada vez maior preocupação ambientalista por parte da sociedade e apoia-se essencialmente num desenvolvimento ecologicamente sustentado. Este tipo de experiências surgem-nos sob uma multiplicidade de projectos, de modelos de gestão e até mesmo de soluções eco-técnicas utilizadas e desenvolvidas. O aparecimento de uma eco-aldeia pode estar associado a um bairro pré-existente por exemplo ou até mesmo a um grupo de habitantes que decidem desenvolver um projecto de raiz. Este tipo de projectos vem uma vez mais provar que é possível existir desenvolvimento económico e social sem haver uma destruição massiva dos recursos existentes à nossa volta.

Patrick Barronet - Mont Saint Michel

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=g8FvIgElh-8
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=3V2SQXzQ1aw
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=rw5sJYeM0Gk
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=7ip0nGsY_bM
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=BhRHgB7QLTc



Patrick Baronnet - Arcachon


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ABRIL 2005
DIÁRIO DE BORDO - TIBÁ - BRASIL

Johan van Lengen, O Arquitecto Descalço
Tibá – Centro de Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitectura
Brasil



Parti da estação de autocarros do Rio de Janeiro, Autoviação 1001, cerca das 8h30m.
A viagem até à pequena cidade de Bom Jardim demora cerca de 3h. O percurso permite ver metamorfoses na paisagem e sentir uma ligeira mudança climática à medida que subimos a montanha .
A “mata atlântica” torna-se mais exuberante e uma brisa mais fresca amenizou este dia quente de Fevereiro.
O autocarro parou na praceta da cidadezinha de Bom Jardim. Três quilómetros separam ainda a cidade da fazenda onde se encontra o TIBÁ – Centro de Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitectura, fundado pelo arquitecto Johan van Lengen.
Tibá, na língua dos índios Tupi, quer dizer lugar onde muitas pessoas se encontram.
Johan van Lengen  e o filho, Marc, estavam à minha espera. Num velho wolkswagen iniciamos a ascensão por uma estrada batida até à fazenda. A estrada está cheia de socalcos e com poças de água. A enxurrada das chuvas danificou ainda mais o estradão precário da mata.
O carro ia roncando com as dificuldades do acesso, à medida que subíamos até ao  morro onde se aninha a fazenda Tibá.
A fazenda distende-se por entre matagais. O casario está num sítio recôndito desta quase selva.
São casas dispersas que pertenceram a uma antiga fazenda com o “engenho” de fazer “rapadura” de açúcar. Em tempos teve alguma pecuária. Ainda por lá existem destroços de uma velha casa e uma represa onde instalaram, por volta dos anos 40, um rodízio hidroeléctrico.
 
Quando Johan van Lengen comprou a fazenda, em 1987, ainda não havia a floresta exuberante que agora existe, depois das novas árvores plantadas. Em 17 anos formou-se um matagal, estabelecendo-se assim, a antiga forma da portentosa floresta atlântica.
Nesse ano de 1982, Johan teve a intuição de que aquele sítio seria o lugar próprio para o centro que tanto sonhara: “Foi um clic, uma chamada vinda não sei donde, que me levou a escolher aquele lugar.”
Um centro onde fosse possível formar uma cultura ecológica orientada em especial para a arquitectura e urbanismo sustentável. Mas seria um centro aberto à multidisciplinaridade,  concebendo o desenvolvimento social numa interligação simultânea com o autodesenvolvimento.
Desde longa data que Johan começara a desenvolver uma investigação sobre novas metodologias de educação tendo como base a razão e a intuição, a arte e ciência. Durante os últimos anos van Lengen abordara essas questões da nova pedagogia tendo como base a articulação sistémica entre o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito.
O trabalho com psicólogos abrira-lhe novas perspectivas sobre o que denomina de  inter-relação entre o estado Alfa e Beta, ou seja o aproveitamento das duas funções diferenciadas dos hemisférios cerebrais, através duma actuação que favoreça a integração das potencialidades globais do cérebro.
Esta metodologia tem muito a ver com as mais recentes investigações da pedagogia e da neurociência, como as efectivadas, nomeadamente por Michel Fustier,[1] Dominique Chalvin[2] e António Damásio[3].
                            
A vivência, e não apenas a erudição académica de Johan van Lengen, foram o ponto de partida para a criação dessa metodologia. É essa vivência, feita de aparentes contradições, de multiplicidade de culturas e línguas, que lhe forneceu a base dessa utensilagem pedagógica.
Nascido em Amesterdão em 1930, conheceu na infância e adolescência o drama da 2ª Guerra Mundial. A ocupação nazi e as dificuldades sociais da guerra preencheram as recordações do seu diário.
Os cadernos que conserva desses anos de meninice revelam já uma sensibilidade excepcional para o desenho.
                                             
Graças a um resistente anti-nazi aprendeu judo, desde a adolescência, tornando-se um especialista. Começou a dar aulas de artes marciais muito cedo. Essa formação no judo não foi uma mera aprendizagem técnica. Foi uma arte que lhe permitiu desenvolver um controlo corporal liberto de medos e angústias.
Procurando viver o presente, o agora, abriu-se à filosofia Zen com a leitura de Eugéne Herrigel[4] e, tal como Trevor Leggett[5], conquistador de altas graduações no judo, aprendeu que “o pintor só saberá desenhar um corvo empoleirado num bambu, quando conseguir, à força de os observar e interiorizar, tornar-se ele próprio o corvo e o bambu agitado pelo vento, face ao vazio. Por isso, aprender a observar faz com que, com algumas pinceladas e num só movimento, a arte surja.”
É esta filosofia do estar presente no agora, que lhe permite o despertar.
A Holanda tornara-se um espaço exíguo para o seu imaginário aberto.
Nos princípios dos anos 50 foi para o Equador. Viveu atribuladas aventuras na floresta onde contraiu a icterícia. Restabelecido, graças a uma dieta de bananas, conseguiu um lugar no escritório do arquitecto Guillermo Cubillo, onde recebeu as primeiras noções de projecto. Interessa-se em especial pela construção, tendo acompanhado as actividades nos estaleiros, adquirindo uma sólida formação técnica.
Naqueles anos, a orientação da arquitectura do pós-guerra pautava-se por uma estética moderna.
Corbusier divulgava as novas regras da arquitectura.
Johan van Lengen parte para o Canadá para estudar na Universidade de Arquitectura de Toronto. Faz o curso com facilidade pois já tinha uma bagagem técnica apreciável, adquirida no trabalho que fez nos estaleiros e com o arquitecto Cubillo.
Do Canadá viaja para os Estados Unidos da América onde finaliza o diploma numa Universidade do Oregon, marcada pela escola da Bauhaus na versão americana de Gropius e Mies Van der Rohe.
Na arte era um apaixonado pela pintura abstracta de Mondrian. Ainda como aluno na universidade, traduzira do holandês uma obra desse pintor apresentando-a como um contributo para as provas do curso de arquitectura.
Nesse período do início dos anos 60, as preocupações da arquitectura tecno-funcionalista dominam os seus projectos.
Assim, em 1962 e 1963 trabalha na edificação de hospitais na Califórnia, preocupando-se especialmente com a ergonomia e a boa funcionalidade dos espaços. Isso reforça a sua formação racionalista que se consolidara com o interesse pelos trabalhos de Cristopher Alexander, que desde 1965, em Berkeley, desenvolvia as relações entre a matemática e as construções arquitectónicas.
Os trabalhos de Cristopher Alexander prosseguiam as preocupações que Wittgenstein manifestara já nos anos 20.
Johan van Lengen vai trabalhar em cooperação com o matemático na empresa de Arthur D. Little. Investiga também a utilização da informática na arquitectura e no urbanismo.
Estabelece “matrizes” que permitem uma racionalização de vectores nas opções técnico-construtivas. Procura estabelecer diagramas de afinidades com o fim de projectar com maior funcionalidade.
Entretanto vai desenvolver na prática arquitectónica uma série de projectos e trabalhos que vão de supermercados ao planeamento de centros urbanos, universidades e conjuntos habitacionais nos E.U.A.
 
Um outra etapa está prestes a surgir. Em S. Francisco conhece artistas, psicólogos e homens de letras com perspectivas de inovação. Conhece Jacques Overhoff, também ele holandês residente nos E.U.A. e que faz experiências na escultura, mobilizando cidadãos para uma nova estética na cidade.
Em 1962 casa com Rose, uma pintora brasileira que conhecera no Rio de Janeiro. A pintura de Rose é uma pintura onírica e cujo lirismo reflecte muito a paisagem da América Latina e sobretudo a exuberância colorida do México, onde depois residem.
Nesses anos apaixona-se pela arquitectura brasileira, nomeadamente pelos trabalhos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que espelham uma maior sensibilidade plástica mesmo se ainda posicionados no movimento moderno.
As relações com o Brasil estabelecem-se cada vez mais frequentemente com as múltiplas viagens que realiza com Rose. Os problemas da arte, da pintura, e do desenho tornam-se também uma motivação pessoal na sua própria actividade criativa.
Johan faz inúmeros desenhos e esculturas.
Além dessas actividades artísticas interessa-se pelas questões antropológicas. Chegou mesmo a frequentar um mestrado de antropologia na Universidade de Campinas, no Brasil, numa das suas estadias, que vai fazer cada vez mais frequentemente, entre Califórnia, México e Brasil.
No Rio de Janeiro, trabalha no escritório do arquitecto de reconhecida qualidade, Sérgio Bernardes, nomeadamente no planeamento da Universidade Católica de Curitiba. Esta sensibilidade moderna, lúdica e criativa da arquitectura brasileira permite--lhe articular a anterior formação técnica e construtiva com a nova abertura estética, mais plástica, da arquitectura brasileira.
Johan recorda o lado “bon vivant” de Sergio Bernardes e a postura sensível com que olha e trabalha com a arquitectura. Explica como diante dos organigramas informativos, o arquitecto Sérgio Bernardes imprimia traços a lápis de cor sobre o papel manteiga com que sobrepunha a planta topográfica devidamente sinalizada com os dados objectivos. Os traços coloridos do desenho sobreposto eram propostas com vida. E assim a arquitectura de Sérgio Bernardes ganhava uma outra dimensão artística sem deixar de manter uma informação quantitativa.
Johan conta assim como colaborou e aprendeu com este arquitecto brasileiro.
Por outro lado, as questões sociais vão-se impondo constantemente. E assim, uma maior flexibilidade intervém nos seus próprios projectos.
A nova aprendizagem da arquitectura e a nova experiência social vão-se consolidar numa espécie de segunda vida profissional que se impõe progressivamente.
Em 1977, quando se torna conselheiro da ONU para as questões do habitat e do urbanismo, os problemas da forma na arquitectura vão sofrer uma reviravolta substancial. Essa sua actividade como conselheiro exerce-se primeiramente no México.
A primeira fase profissional que tinha sido marcada pelo tecno-funcionalismo e o racionalismo da arquitectura moderna, centrava-se essencialmente na informação quantitativa. Nesta segunda etapa, estas referências fornecem dados para uma maior implicação artística no projecto. Acentua-se assim a influência da expressão artística da sua mulher, a cultura popular mexicana e a dos índios da Amazónia, que constituem os novos referentes para a problemática da sua arquitectura, cada vez mais marcada pelas preocupações ecológicas.
Um novo paradigma histórico emergente vai produzir as metamorfoses nas ideias, na tecnologia e na cultura de Johan van Lengen.
Ao instalar-se em Tepoztlan, a alguns quilómetros de Cuernavaca onde vivia o filósofo Ivan Illich que conheceu pessoalmente e de quem admirava a sua obra, nova reformulação se produziu nas suas concepções sobre energia e sobre desenvolvimento social. Acentuam-se as suas críticas ao paradigma dominante, abandonando as posturas eurocentricas, põe em causa o progresso linear e vai assumindo valores da interculturalidade e transculturalidade, sem pretensões de superioridades exclusivas. O convívio com a diferença abre-lhe novos horizontes.
Entretanto, aprofunda também o Budismo Zen, no contacto com os monges budistas que visita em Honolulu. E, quando vive na Califórnia, desloca-se a Oregon para visitar a comunidade do célebre guru indiano Bhagwan Shree Rasneesh, e é convidado a projectar algumas construções para o “rancho” onde vivem os principais membros desse grupo.
Ao visitar esta utopia que desponta no deserto, recorda a qualidade de alguns terapeutas que aí trabalhavam. Porém, rapidamente se dá conta dos impasses e desvirtuações desse grupo. Ficará contudo marcado pelas práticas meditativas e terapêuticas da escola de Bhagwan.
Viaja várias vezes ao oriente colaborando em congressos de arquitectura sustentável. Participa, num congresso de Nova Deli sobre questões sísmicas. Expõe algumas soluções para prevenir os estragos provocados pelos tremores de terra. Propõe a montagem dum pórtico de betão armado que consolide os edifícios e estabeleça simultaneamente um refúgio sólido para recolhimento das pessoas durante os sismos, que deveriam ser previamente assinalados graças a um sistema sonoro, sensível às primeiras manifestações sísmicas.
Este pórtico-refúgio deveria, segundo Johan van Lengen, ser obrigatoriamente exigido nas construções públicas nos países susceptíveis de tremores de terra.
Como Johan nos contou, estas suas viagens ao Oriente constituíam não apenas uma colaboração profissional mas resultavam também duma profunda atracção pela cultura espiritual do Oriente, em particular pelo budismo. Em algumas dessas conversas sobre as suas viagens ao Oriente, Johan relatou-me, comovido, as suas impressões numa das visitas à Índia: o sorriso de paz duma mulher pedinte, que  encontrou em Benares, naquele estranho dia em que perpassava uma atmosfera de comunhão espiritual entre as pessoas. Morrera Indira Gandhi. Após a tragédia dos primeiros momentos, a multidão enfurecida, agitou-se tumultuosamente, procurando vingança. Mas a mulher do sorriso misterioso, a pobre pedinte de Madurai, continuava presente no seu espírito como uma espécie de êxtase que o deixara na maior perplexidade.
No meio da confusão, no quase motim que agora se avolumava, ofereceram-lhe um farrapo de pano preto com o qual pôde manifestar a solidariedade pelo luto da Índia. E assim, Johan o ocidental, perdido na turba pôde salvar-se da fúria da multidão perturbada por aquele trágico acontecimento no sul da Índia.
Essas viagens ao Oriente levaram-no a santuários onde visitou Ashrams e lugares santos.
De volta ao México, onde continuava a trabalhar como conselheiro dum programa do Governo da Holanda conheceu também um arquitecto e artista genial, o jesuíta Cláudio Favier Orendain. Era um arquitecto misterioso que estudara profundamente as antigas construções pré-colombianas e procurava ajudar as populações a prosseguirem com as tradicionais técnicas do adobe. Os rurais das aldeias de Tlayacalpan só ficaram verdadeiramente convencidos do valor das construções de adobe e da sua criação identitária quando viram que o europeu as adoptara. Cláudio Favier construíra a sua própria casa de adobe com formas próprias daquela região.
Este facto foi, para Johan, uma verdadeira lição antropológica pois só o reconhecimento por estranhos à cultura autóctone e local, permite a auto-estima necessária pelo interesse desse património. Depois deste gesto assumido por um estrangeiro, a população autóctone percebeu o valor da sua própria cultura, que até ali desprezava por viver na ilusão de valores que se instalaram contra os seus próprios interesses.
Johan van Lengen explicou-me porque é que também ele optara, na reconstrução do Tibá, pela reutilização das estruturas pertencentes ao engenho da rapadura de cana de açúcar. Empregara, nessa reconstrução, ecotecnologias simples que pudessem fazer do edifício uma experiência demonstrativa.
Assim, o Tibá não rejeita as tradições construtivas quando bem feitas e exprime, na sua própria edificação, as tecnologias que aí se pretendem ensinar.
Volto ao atelier de construção. Johan explica-me as tecnologias simples que referirei mais adiante. Depois do almoço que a Lúcia preparou, descansa-se a sesta. A seguir continuo a minha entrevista.
       
Johan van Lengen conta, face às minhas perguntas, a génese da filosofia do Tibá. Recorda John Turner e o trabalho de auto-construção que este arquitecto fez junto dos bairros pobres da América Latina.
Recorda-me essa ideia base de Turner[6] em que a auto-construção e a gestão devem ser a obra dos próprios utentes e não o resultado duma administração burocrática que tende a tornar a construção menos participada e mais cara.
Mas é sobre o arquitecto Álvaro Ortega[7] que Johan van Lengen mostra maior admiração e gratidão.
Ele conheceu este arquitecto colombiano de quem tem recordações inesquecíveis.
Contou-me histórias cheias de humor sobre este famoso arquitecto. Certo dia, no aeroporto de Nova Iorque, a polícia perguntou-lhe a nacionalidade. Ele respondeu: Sou americano. O polícia protestou olhando o seu passaporte: Você não é americano. É colombiano, disse-lhe meio colérico. Mas a Colômbia é América, respondeu-lhe Ortega e calmamente, este arquitecto de origem índia pré-colombiana, diz-lhe ainda: Vocês, ditos americanos, são apenas “Vespucianos” pois só chegaram depois de Américo Vespúcio.
E mostrou-me o livro de Ortega editado pela McGill University.
Alvaro Ortega também trabalhou nas Nações Unidas com a F.A.O. e a C.E.P.A.L.
Deu grande importância às tecnologias apropriáveis e aos métodos de construção ecológica.
Foi um investigador e inventor incansável, estabelecendo nesta busca criativa, soluções económicas ao alcance das pessoas menos favorecidas tendo sempre como perspectiva a criação de habitações belas, confortáveis e duradouras.
As suas investigações sobre tectos auto-portantes foram determinantes para as propostas dos “cascaje” de Johan van Lengen. Ortega compreendera que os telhados custam normalmente cerca de 30% do valor de uma casa. Assim, as “canaletas” de Alvaro Ortega, tal como as “cascajes” de Johan, constituem processos de construção de telhados simples mas seguros.
Tal como van Lengen, Ortega dava grande importância aos “inventores populares” que, na sua linguagem de humor, chamava de “cabezazos”, explicitando assim a “iluminação imaginativa” do povo, capaz de agilizar procedimentos cheios de eficácia e beleza.
Alvaro Ortega criou também um Centro em Cartagena, na Colômbia. Aí procedeu a inúmeras investigações tecnológicas que vão desde a reutilização de escórias de cinza vulcânica, enxofre, bambu até às complexas formas de electrodeposição a partir de um sistema electrolítico em que o cátodo e o ânodo produzem uma célula galvânica graças a uma malha metálica que acumula cálcio e hidróxido de magnésio dissolvidos na água do mar. Assim, através de um processo de “coralização”, criam-se estruturas de “betão marinho” utilizáveis para barcos ou outras estruturas.
Álvaro Ortega estudara em França e no Canadá sendo professor em várias universidades. Porém, optara pelas missões das Nações Unidas trabalhando no domínio da ecologia e do habitat promovendo, nomeadamente, a energia solar no eco-urbanismo.
Utilizando os “cascajes” Johan foi ampliando a ala poente para os ateliers de construção civil e os sanitários secos – os “basons”- que são propostos como tecnologia apropriada para as populações, constituem também as sanitas existentes no Tibá. Os tectos verdes que se ensinam a fazer são também generalizados na própria escola Tibá. E com os bambus que bamboleiam ao vento no interior da fazenda, construíram-se pontes e outras estruturas.
Pouco a pouco estas construções do próprio Tibá vão-se desenvolvendo como um processo demonstrativo e exemplar daquilo que aí se ensina.
A horta biológica que alimenta a cantina, revela o tipo de agricultura biológica e aponta para uma alimentação saudável. O processo dessa agricultura é baseado nas experiências do professor brasileiro de agronomia, Víctor del Mazo, que estabeleceu uma metodologia[8] (mazu-humus) que consiste na utilização de minhocas californianas (eisenia foctida) que, revolvendo o estrume colocado em pequenos reservatórios, vão produzindo um fertilizante natural muito eficaz.
Uma rápida visita pelo casario pôs-me em contacto com as várias estruturas da casa: a biblioteca, a sala de meditação, os ateliers e a cozinha com o alpendre caramachão onde se fazem as refeições.
  
A Pousada propriamente dita tem uma capacidade para 22 hóspedes com quartos duplos ou triplos. A biblioteca possui uma lareira e o grande salão permite a realização de diversas actividades: teatro, trabalho corporal, meditação, artes plásticas, etc.
Jantamos. A noite caía trazendo uma escuridão imensa da floresta, com os barulhos dos insectos e o coaxar das rãs.
Mas foi a madrugada que me deslumbraria ainda mais. O céu aclarava-se aos poucos, as aves pipiavam de contentamento e o farfalhar das folhas das árvores produziam ruídos mágicos na mata. Uma luz magnífica surgia com o sol que se levantava lentamente. Os pássaros esvoaçavam e o vento fazia balançar os bambus enormes.
Um fio de água cai sobre uma fonte onde emerge a escultura de um crocodilo. A água corria do riacho e das fontes trazendo um mermulhar musical compassado pelo ritmo dum balancé feito de bambu que, à moda japonesa, vai monótona e pousadamente impor um tempo de infinitude naquele misterioso matagal. Trata-se de um dente de tigre, elemento típico dos jardins asiáticos.
Entretanto o sino chama-nos para a grande sala. Começamos então por uma sessão de Do-In.
                                                
Este exercício de auto-massagem japonesa constitui uma contribuição fundamental para os exercícios alfa que Johan van Lengen nos vai propor nas sessões seguintes.
Ele realiza estes exercícios em todos os seminários pois esta actividade, segundo nos explicou, ajuda a despertar.
Depois da fruta e do café, fomos dar um passeio pela mata.
É então o momento de olhar as flores, de sentir os perfumes, de ver e apalpar os troncos das árvores frondosas.
Toda esta educação da consciência sensorial[9]  lembra a metodologia de Charlotte Selver que abriu o trabalho corporal para uma sabedoria Zen, expressão duma relação orgânica integrada entre o homem e a natureza.
A biblioteca está já aberta e vou consultando alguns livros. Forrando as paredes estão os quadros mágicos de Rose van Lengen. E sobre as estantes vêem-se múltiplas máscaras mexicanas e alguns bonecos dos índios da América Latina.
                              
A cozinha está aberta pois aí existe sempre fruta à disposição, mamão, papaia, abacate, maracujá, ananás, goiaba, etc.  
À noite corria uma aragem fria. Acendeu-se então a lareira e Johan prosseguia a sua conversa retomando variadíssimos temas. Referiu a importância do Feng-Shui pelo aspecto poético que produz ao encarar uma nova maneira de ver e fazer arquitectura. Refere o livro de Lu-Wang[10].
Mostra-me vários desenhos e prossegue a sua explicação:
“O Feng-Shui permite uma espécie de intuição qualitativa no projecto. Mas nem por isso nos faz perder a consciência de alguns parâmetros invariáveis na arquitectura e no urbanismo. A arquitectura procura criar livremente. Mas para o fazer duma forma consciente tem que partir de limites construtivos e necessita de estabelecer uma sequência que revela a epopeia encantatória da vida dos homens.
É isto que refere a sequência de Ki (origem), Shen (percurso), Djuan (clímax da surpresa), He (desfecho).
Também o necessário enquadramento que impõe o Feng-Shui, leva em consideração elementos físicos como o vento, o sol, a água, a madeira e ainda factores psico-sociológicos como a segurança e a afectividade.
É necessário referir ainda factores subtis que só agora a geobiologia parece estar interessada em estudar cientificamente. É o caso dos estudos da rede Hartmann  e Curie que o Feng-Shui pressentia intuitivamente e que também os antigos construtores no Ocidente levavam em conta na arte da construção da arquitectura sagrada”.
Na manhã seguinte continuamos com os exercícios Do-In.
Para que pudéssemos memorizar facilmente os exercícios, Johan imprimiu, nalgumas camisolas do Tibá, as sequências principais dessas massagens japonesas. Assim, cada pessoa pode encontrar na camisola do companheiro participante o desenho das posturas que explicitam as referidas massagens na cabeça, tronco, braços, ventre, pernas e pés.
Nas conversas seguintes Johan desenvolveu o processo pedagógico resultante da sua experiência de vida e daquilo que ele chamou “The Dance of Design” ou seja, a arquitectura como intuição.
                               
Esta metodologia, que já referimos, tem a ver com o trabalho profissional que exerceu ao longo de vários anos mas a que acrescenta uma pesquisa iniciada por Cristopher Alexander e que ele próprio desenvolveu com a ajuda de um matemático. A esta parte do seu trabalho chama de experiência em Beta.  Trata-se de uma actividade necessária à investigação informativa e permite a segurança imprescindível para a etapa Alfa. Para esta etapa é imprescindível o período anterior pois a lógica investigativa estabelece nexos e informações que sistematizam metodologias e técnicas imprescindíveis no design, na arquitectura e no urbanismo.
O trabalho de Johan van Lengen baseia-se assim nos estudos recentes da neurociência. Os dois hemisférios cerebrais estão conectados por um grosso cabo de inúmeras fibras nervosas. Este dispositivo mediador faz a conexão entre cada um dos dois hemisférios diferenciados pelas suas funções:

a)      O hemisfério esquerdo contempla os aspectos analíticos, privilegia a linguagem lógico-digital e expressa-se dum modo quantitativo e verbal. As ondas Beta hegemonizam essa zona cerebral;

b)      O hemisfério direito contempla os aspectos globais, privilegia a intuição e a linguagem analógica e expressa-se dum modo qualitativo e gestual. As ondas Alfa hegemonizam essa zona cerebral;

Os estímulos do hemisfério esquerdo trazem sobretudo informações do exterior. Os estímulos do hemisfério direito expressam sobretudo motivações interiores, como os desejos, imagens e sonhos.
O curso de Johan van Lengen, a que ele deu o nome de Beta-Alfa é a organização duma metodologia pedagógica minuciosamente estudada através dum conjunto de exercícios que fortalecem ambos os hemisférios permitindo, simultaneamente a interacção sistémica dos mesmos. Trata-se de “Alfa+Betizar” harmonicamente as funções quotidianas a que o nosso cérebro está sujeito.
No momento histórico que vivemos e sobretudo nas sociedades industriais e de consumo hegemonicamente, as exigências do hemisfério esquerdo do cérebro prevalecem. Todo o esquema educacional dominante subalterniza o lado direito do
cérebro. A metodologia de van Lengen pretende valorizar este lado “pobre” do cérebro sem abandonar a racionalidade do outro hemisfério.
    
Assim, os exercícios pretendem trabalhar em simultâneo com actividades da razão e da emoção:

  1. Num primeiro momento os alunos aprendem a analisar zonas territoriais e planos de cidades de maneira a referenciarem pontos determinantes no espaço e estabelecerem a listagem dos dispositivos mais importantes. Esta recolha de informações permite estabelecer a hierarquização dos elementos e, graças a uma matriz ou malha modular tridimensional, registam-se os factores que apresentam resistência e impedimentos às transformações e outros factores que apresentam potencialidade para a mudança no território. Este diagrama traduz as funções do programa, as afinidades dos dispositivos e os melhores fluxos para desencadear a proposta de mudança.
Como van Lengen resume no seu livro,[11] o trabalho “Beta” consiste na formatação matemática do programa usando três passos para a conversão de exigências qualitativas na formulação quantitativa:
“as informações do território transformaram-se numa malha de coordenadas e dimensões modulares; as áreas das zonas de actividade transformaram-se em dimensões modulares idênticas às do módulo territorial e ordenadas segundo uma listagem no espaço; os módulos da listagem no espaço vão-se interligar segundo uma matriz de afinidades.

  1. Num segundo momento, van Lengen vai criar exercícios que propiciam o desenvolvimento de ondas Alfa, condição base para a criatividade artística. Esses exercícios são feitos em grupo e têm fundamentalmente a ver com a expressão corporal e exercícios respiratórios. Esses exercícios permitem o aparecimento de estímulos criativos que farão surgir o elemento imprescindível da natureza do projecto: a relação sistémica entre o nível das informações lógicas e objectivas retiradas do real existente, para o salto que há-de permitir a síntese criativa e global do projecto. Esse projecto é proposta futurante que exige mudança. Mas essa mudança tem que se enraizar no concreto real sem deixar de ser uma utopia realizável do “devir”.
Vamos apenas listar aqui alguns dos principais exercícios que caracterizam esta fase do trabalho sobre as ondas alfa: exercícios de relaxação, exercícios de vibração de todo o corpo, exercícios de respiração, exercícios de visualização e viagem na paisagem, exercícios de vocalização e ainda exercícios com movimentos dos olhos.

A meio da tarde, quando o sol iluminava a floresta, descemos até uma pequena cascata, dentro da fazenda. Três tubos de bambu que faziam de chuveiros tubulares improvisados, canalizavam a corrente de água. Essa água, límpida, caindo em catadupas fortes, massajava-nos o corpo... Parecia um banho de energia proveniente do impacto voluptuoso da água cristalina iluminada pelos raios de sol que desciam na clareira da mata.
Uma noite, para explicitar ainda o trabalho em “Alfa”, Johan retomou a questão das sensações, do trabalho meditativo que fizera com os monges Zen e nos vários “Ashram”.
Falou ainda na necessidade de filosofar com histórias-ensino. Por isso o seu interesse pelas histórias soufis que aprendera no contacto com Cláudio Naranjo e nas leituras de Gurdjieff.
Falou desse personagem excepcional do cinema francês, Jacques Tati, que realizou filmes inolvidáveis como “Mon Oncle” e “Les vacances de Mr. Hulot”. Conheceu Jacques Tati e deu-se conta do sentido da sua obra que era o de fazer “despertar” o homem adormecido que está em nós ou o homem máquina que constantemente pretende impor-se à criatividade .
Em memória de Jacques Tati, a praça de encontro no Centro Tibá tem o nome de Praça Hulot.
Do ponto de vista profissional, referiu o momento que considerou decisivo para a sua mudança na maneira de conceber a arquitectura. Contou a “revelação” que sentira ao visitar a povoação brasileira de Alagados.
Chegara um dia,  para ajudar a planear casas para a população. Deparou, maravilhado, com a capacidade criativa da gente dessa aldeia.
Eram artistas e artífices extraordinários. A construção das palafitas eram peças de grande arquitectura. Descobriu, encantado, que muitas dessas construções de arquitectos pé descalço, resultavam de acções de solidariedade entre os aldeões e sempre numa situação de festa. Percebeu então que essas festas populares criavam um entusiasmo e libertavam forças essenciais que se plasmavam numa maravilhosa arquitectura sem arquitectos.
Foi nesse momento que compreendeu que a arquitectura poderia ser o resultado duma criatividade popular e que os conhecimentos técnicos eram aspectos secundários que se poderiam resolver por uma distribuição alargada de utensílios e ferramentas a através de práticas simples, facilmente apropriáveis por qualquer pessoa.
No contacto com os índios da Amazónia viu também como eles construíam as célebres cabanas Maloca num acto festivo da comunidade. Essas cabanas não deixam de ter um grande rigor construtivo e geométrico. As técnicas resultam duma experiência de gerações de artesãos singulares e autóctones que possui uma sensibilidade sobre uma imagem universal da casa-arquétipo.
Assim, nas malocas dos índios Uitoto, existe um nome antropomórfico para cada uma das suas partes: a cara, o peito, os dedos, o joelho, as pernas e os pés, as costas, a nuca, etc. são partes bem definidas do edifício.
Johan mostra-nos um desenho dessa maloca (casa grande para muitas famílias) que deseja construir no Tibá para exemplificar uma construção em que coexiste sensibilidade e lógica, razão e intuição, ou seja, a demonstração duma arquitectura singular e simultaneamente universal.
Na zona dos Alagados onde as populações constroem palafitas, casas de madeira muito frágeis sobre estacas, na Baía dos Cabritos, a norte de Salvador, van Lengen descobriu
também que a população possuía um grande sentido da arquitectura. Apenas a miséria e a pobreza impediam um melhor conforto. Porém, mau grado essa miséria, o grau de artisticidade e a habilidade técnica permitiam verdadeiros prodígios no difícil e precário equilíbrio daquelas palafitas.
Van Lengen teve então o sentimento de que nada podia trazer, como achega construtiva, a quem já guardava intacto um grande sentido de arquitectura.
Faltavam apenas aquela população condições sociais. Como Conselheiro da ONU para as questões da melhoria do habitat, van Lengen apenas poderia fornecer ferramentas.
Esta ruptura no olhar sobre a arquitectura e sobre a cultura viera-lhe da vivência intercultural. Era a compreensão profunda daquilo que Levy Strauss introduzira na antropologia: não há culturas superiores a outras, há apenas culturas diferentes.
Também a condição pós-moderna em que agora se movia, mostrava-lhe que o progresso linear das civilizações e as grandes narrativas do pensamento racionalista ocidental, eram puras ficções duma época.
O seu trabalho como Conselheiro tornara-se agora uma tarefa mais humilde e sem pretensões a verdades impositivas.
Colocara-se definitivamente ao serviço das populações mais carenciadas e por isso divulgava tecnologias simples e apropriáveis pelas populações.
Desta atitude decorrem inúmeros trabalhos de pedagogia social: organiza pequenos jogos didácticos (tipo jogo da glória) em que crianças e adultos aprendem, de forma lúdica, a construir casas, a cuidar da saúde, etc.
Através de cartazes explicitam-se problemas construtivos e suas soluções ecotecnológicas.
A sua actividade nesta divulgação pedagógica leva-o a fazer uma proposta de realização de um filme para o ensino de tecnologias apropriáveis. O filme ainda não foi realizado mas a proposta ganhou um prémio[12]. Este filme teria o nome de “Jour de Fête” em homenagem, mais uma vez, ao realizador Jacques Tati e representaria de uma forma humorística em 16 cenas os processos simples de auto-construção realizada por um grupo de jovens.
Todas estas actividades culminaram na edição de um livro[13] ”Manual do Arquitecto Descalço” que já havia sido anteriormente editado, no México, em língua castelhana.
Prepara-se neste momento uma edição em inglês.
Toda esta actividade editorial foi um percurso no sentido de levar a cabo uma formação ecotecnológica, essencial para a arquitectura.
Nestes vários anos de trabalho como arquitecto, como consultor da ONU e como professor interveio em inúmeros seminários tanto em países do terceiro mundo como em universidades e centros culturais da Europa e dos Estados Unidos da América.
No livro “Manual do Arquitecto Descalço” tecem-se considerações, duma forma extremamente simples, sobre os princípios fundamentais dum projecto.
                                              
Levam-se em consideração os contextos climáticos, as formas topológicas, os materiais e estabelecem-se soluções várias sobre energia, água e saneamento. Em todos estes pontos são fornecidas informações técnicas sobre os alicerces, as paredes, os telhados, paredes, portas, janelas, etc.
Este livro é profusamente ilustrado com desenhos do autor que o tornam um instrumento didáctico extremamente eficaz.
É ainda de referir o conjunto de fichas que escreveu e a que deu o nome de “Clarissa, a nossa arquitecta descalça”. Trata-se de resumos dos vários “work-shops” realizados no Tibá e noutros locais. Estes “aide-mémoire” traduzem em imagens e diálogos simples as propostas de ensino ecotécnico no Tibá.
São formas didácticas de se explicitarem soluções para os problemas básicos que vivem as populações mais carenciadas.
Mas nada poderá substituir os “work-shops”. Nestes “work-shops”, realizados sobretudo no Tibá desde a sua fundação em 1987, a actividade pedagógica faz-se através duma prática real e ao mesmo tempo aproveitando a força social e criativa do trabalho de grupo.
Nestas actividades pedagógicas existe, para além da formação técnica, uma revelação  sobre a estratégia sensível duma nova concepção ecológica do mundo.
Por detrás das propostas pragmáticas ecotecnológicas, exprimem-se novos valores sócio-culturais.
Resumiremos apenas alguns temas que constituem o objecto dos principais “work-shops”:

1. Cascaje
Com este nome, atribuído aos tectos feitos com painéis abobadados, pretende-se dar resposta à construção de grandes telhas, com cerca de 50cm de largura e 4m de comprimento. São pré-fabricados graças a um sistema parecido com o do ferro-cimento. Porém, os cage-cage, utilizados como tectos ou como lages, são estruturados a partir de uma rede não metálica (pode ser fibra de sisal ou sintética, proveniente de embalagens) e têm uma grossura de pouco mais de 1 a 3cm de espessura. Estes tectos pré-fabricados são extremamente sólidos quando feitos com uma argamassa rica em cimento, podendo suportar um andar ou um telhado verde.
  

2.      Telhados Verdes
No sentido de se obter uma maior inércia térmica no edifício, os telhados feitos através dos referidos cage-cage ou outros sistemas, são preparados de maneira a poderem receber uma camada de terra onde é plantada vegetação: ervas aromáticas, medicinais, etc. Assim, estes telhados verdes permitem também, para além da sua função bioclimática, a filtragem das águas pluviais e o seu aproveitamento.
   
 

3.      Filtro Biológico
Através de caixas com areia e brita, estabelecem-se tubagens de entrada e saída da água que é aí filtrada.



4.      Bason
Atribui-se este nome ao sanitário seco que pode também receber detritos orgânicos domésticos, possibilitando assim a produção de adubo, através dum processo biológico de compostagem aeróbica.
                        

5.      Construção de paredes
Com este work-shop podem-se realizar várias tecnologias construtivas como por exemplo o adobe, o uso da palha e até o uso de marcreto, ou seja a coralização de estruturas de redes metálicas graças ao processo de electrólise nas águas do mar.
           

6.      Construção de escadas
Através duma cofragem de madeira, constitui-se um modelo de escada ergonomicamente feita, de modo a estabelecer uma ligação funcional entre r/c e 1º andar. Depois, graças a uma argamassa utilizada (uma parte de cimento e duas de areia) mergulha-se uma tela plástica que se molda segundo a referida cofragem.
      

Muitos outros work-shops, como por exemplo aquecedores solares, fornos solares, plantação de vétiver, etc. constituem actividades parcelares que criam condições técnicas para a realização dum projecto exemplar, demonstrativo, que é a Casa Verde.
                                       
Esta casa verde integra, duma forma organizada, os protótipos realizados em todos os outros work-shops, mostrando assim a interligação das outras práticas parcelares referidas na obra global – a casa!.
Resultou duma experiência tendo como finalidade fornecer casas feitas através desta metodologia de pré-fabricação artesanal, de baixíssimo custo para as populações das favelas. Com estes elementos proporcionam-se saídas singulares e criativas. Este protótipo seria apenas um modelo demonstrativo de tecnologias apropriáveis baseadas em recursos locais, deixando em aberto questões como as opções do tijolo, adobe ou bambú, consoante o desejo dos moradores e auto-construtores do edifício.
Estes protótipos são assim susceptíveis de se modularem conforme o gosto e as necessidades de cada família.
O tempo está de trovoada. A tempestade adensa-se à volta das montanhas. O ribombar dos trovões e das faíscas dão à floresta um cenário irreal. A bátega da chuva torrencial assola os campos de capim e os verdes bambus vão voltejando flexíveis à ventania.
Acende-se a lareira na biblioteca. Estão ali de visita uma professora da Universidade Católica do Rio de Janeiro e o marido, um engenheiro holandês, que é designer e que trabalha como quadro superior numa grande empresa.
Este designer, René Vincent, fez vários work-shops com van Lengen. Ficara encantado com a eficácia dos exercícios Alfa e Beta. É um convicto admirador de van Lengen e um defensor desta metodologia pedagógica.
Converso também com Marisa, sua mulher, sobre a história contemporânea do Brasil. Marisa refere as contradições da governação de Gertúlio Vargas durante e após a 2ª Guerra Mundial. Em seguida explicita a orientação geoestratégica assumida pelo governo de Jucelino Kubichek.
A modernização deste período neo-liberal fez crescer um sistema rodoviário essencialmente vocacionado para o uso da energia do petróleo e orientado para uma administração burocrática. Foi um sistema de fachada sem a criação, no essencial, de formas de desenvolvimento.
Falou-se do período da ditadura e da tragédia social e cultural desses tempos despóticos e Marisa referiu ainda os momentos actuais da política brasileira, tempos de esperança e desilusão em simultâneo, com o actual presidente Lula da Silva.
Discutiu-se ainda a importância das propostas de van Lengen em função da universalidade ou singularidade dos seus projectos: em que medida as propostas construtivas do Tibá são aplicáveis tanto ao dito 3º mundo como ao dito 1º mundo?
A singularidade de algumas propostas ecotécnicas consiste na capacidade pragmática de resolver questões urgentes nas camadas pobres da sociedade.
Mas a filosofia do Tibá responde também aos países de crescimento económico.
A condição pós-moderna facilitou a abertura para um novo olhar sobre a arquitectura e o urbanismo. Marisa, comentando o livro “A Condição pós-moderna”[14] falava do lado positivo da globalização proveniente do abandono das grandes narrativas e do fim do progresso linear. A aceitação da diferença permite uma acção comunicativa, como refere Habermas, colocando todas as culturas ao mesmo nível.
Carina Rose, que está a traduzir o livro de Johan van Lengen para inglês, falou na sua experiência pessoal como arquitecta oriunda dum país considerado do 1º mundo – o Canadá. Defendeu a actualidade das tecnologias simples como a construção em adobe e palha.
O conforto térmico, a linguagem plástica dos materiais como a terra e a possibilidade de participação dos utentes na construção da sua própria casa, surgem com maior frequência no Canadá, pois as pessoas reconhecem que estas questões ecológicas não são apenas mais económicas mas oferecem uma maior qualidade no habitat e proporcionam maior justiça social.
Para dar um exemplo concreto da sua actividade como arquitecta no Canadá, mostrou-nos uma residência – L’Ecologite: Résidence Plaire-Chabot – em St. Catherine de Hatley, Québec. Nesta obra foi gratificante encontrar nos proprietários, uma participação activa na edificação do projecto. A proprietária empenhou-se alegremente a amassar o barro e fez as paredes com as próprias mãos, sentindo um singular apreço em deixar a sua marca na sua própria casa.
Também van Lengen referiu o crescente interesse dos alunos nos seus work-shops na Europa e nos Estados Unidos da América.
Contou o caso do professor catedrático da Universidade de Kassel, arquitecto e engenheiro Gernot Minke,[15] autor de vários livros e de várias dezenas de projectos no domínio das construções ecológicas, especialmente realizadas com adobe.
Johan van Lengen visitou, na Alemanha, o Instituto de Investigação de Construções Experimentais, dirigido por Gernot Minke. Deu-se conta da importância das investigações científicas aí realizadas e dos projectos desenvolvidos numa perspectiva de eco-construção como a construção social em Kassel, um edifício em Siegen-Oberscheiden, e ainda as construções em Berlim, Stuttgart, Hannover e Wennigsen Sorsum (Jardim de Infância Waldorf).
Este professor vive numa casa de adobe, mostrando assim com o seu próprio exemplo, como esses materiais ditos pobres são, afinal, os mais cómodos e tecnicamente capazes de possibilitarem as melhores condições térmicas assim como as mais diversas expressões artísticas.
O professor Gernot Minke dedicou-se à construção de tectos verdes criando condições excepcionais de inércia térmica para os edifícios, bem assim como a retenção e depuração de águas.
Nestas conversas que fomos tendo e que se prolongaram ao longo dos vários dias que permaneci no Tibá, bem assim como as leituras que fui fazendo na biblioteca, deram-me a convicção de que o paradigma ecológico emergente destronará a posição ocidentalocrata do modelo hegemónico.
As investigações de van Lengen abrem-se às propostas das sociedades tradicionais e às mais avançadas propostas ecotecnológicas. E muitas vezes, nesta pesquisa e investigação plural encontram-se complementaridades que muito ajudam a desenvolver a própria arquitectura. Veja-se, por exemplo, aquilo que van Lengen me contava sobre a contribuição bioclimática encontrada por Hassan Fathy na escola que construiu em Gourna, no Egipto, em 1958. Esta escola ilustra uma maneira nova de construir, aproveitando a experiência milenar das construções no médio-oriente.
É por isso que van Lengen afirma:
“Não faço arquitectura alternativa. O que proponho é fazer Arquitectura. A arquitectura foi sempre esta maneira inteligente e criativa de trabalhar com a natureza e não contra ela. Não precisamos mais palavras para tipos de arquitectura,  precisamos novos arquitectos...”                    
Fui até ao atelier de construção onde o Marcelo, com a mestria dum artesão experimentado alisava, com uma colher de pedreiro, a argamassa duma escada em reconstrução. Maurício, camponês de origem e marido da Lúcia, cozinheira do Tibá, entregava-se de alma e coração à actividade de arquitecto descalço.
 
Depois fui até ao terreno perto da ribeira onde o Rogério arrancava o capim para plantar vétiver. Com o vétiver, essa planta indiana que van Lengen trouxe para a fazenda, evita-se a erosão dos solos sustendo os socalcos, tal como se explica no work-shop sobre a aplicação desta planta contra as enxurradas das chuvas que provocam a erosão dos solos.
Além disso o vétiver afugenta as cobras.
Joahn van Lengen propôs este tipo de plantas à municipalidade de Bom Jardim que está preocupada com a erosão provocada pelas grandes enxurradas. E van Lengen propõe-se também estabelecer um plano estratégico na defesa da cidade, travando a degradação das aglomerações urbanas.
Expressa neste seu discurso uma preocupação preventiva ou profilática em torno da urbanização, colocando as problemáticas ecológicas do desenvolvimento sustentável.
Quando voltei para apanhar o “ônibus” para o Rio de Janeiro, van Lengen levou-me até à estação na sua velha carripana VW. Falava-me ainda dos novos projectos para continuar com o desenvolvimento do Tibá: pôr em marcha aquele velho rodízio hidroeléctrico que iria permitir a autonomia eléctrica do instituto, montar tectos verdes na maior parte dos edifícios, criar uma piscina biológica inserida nos jardins que envolvem o casario.
E aqui termino este encontro notável com este homem fabuloso, Johan van Lengen, arquitecto descalço.

Jacinto Rodrigues
Março 2005



[1] «Pratique de la créativité», Séminaire de Michel Fustier en collaboration avec Bernadette Fustier, 5e. Edition, Les Éditions ESF, Librairies Techniques, 1988
[2] «Utiliser tout son cerveau», Séminaire de Dominique Chalvin, 3e. Edition, ESF Éditeur, Librairies Techniques, 1989
[3] «O Erro de Descartes», António Damásio, 20ª Edição, Publicações Europa-América, Lisboa, Junho de 2000.
[4] « Le Zen dans l’art chevaleresque du tir a l’arc», Eugen Herrigel, Paris, Ed. Dervy.
[5] « The Zen Master» e « Zen and the ways», Budhist Society, 2000, Papperback, London, 1989 
[6] «Freedom to Build», John F. C. Turner, Ed. MacMillan Company, N.Y, 1972
[7] «Alvaro Ortega – Prearquitectura del bienestar», Alvaro Ortega, Col. SomoSur, Ed. Fac.Arq.Univ.Los Andes-Colombia+McGill Univ.Canadá, 1988
[8] «As ervas do sítio», Rosy L. Bornhausen, 5ª Ed. M.A.S., s/d, Brasil
[9] «Consciência Sensorial», Charles V. W. Brooks, Ed. Los Libros de la Liebre de Marzo, 1996
[10] «Das Bild Der Natur», Lu Wang, Tese Doutoramento apresentada na Alemanha.
[11] “The Dance of Design”, Johan van Lengen, no prelo
[12] in Revista Trialog, nº25, Darmstad, 1990
[13] “Manual do Arquitecto Descalço”, Johan van Lengen, Ed. Tibá, 1996
[14] «A Condição Pós-Moderna”, David Harvey, Ed. Loyola, Brasil, 2004
[15] «Dächer Begrünen einfach und wirkungsvoll», Gernot Minke, Ökobuch Faktum, 2000
  «Manual de Construcción en Tierra-la tierra como material de construcción y sus aplicaciones en la arquitectura actual»,Gernot Minke, Ed. Nordan 2001
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Visita ao Emscher Park - Alemanha 2005


O documentário agora colocado no blog surge da visita do Professor Jacinto Rodrigues em 2005 a Emscher Park na região do Ruhr na Alemanha. Emscher Park não é mais do que um grande projecto urbano que oferece valiosas lições para outras cidades e regiões marcadas pela era pós-industrial. Esta operação, a maior até hoje realizada na Europa, no domínio ecológico, é dirigida pelo IBA, empresa fundada em Berlim em 1979 pelo Senado, e que coordena vários interesses e que tem como principais ideias para Emscher Park:
• Descontaminar uma das áreas mais poluídas da Europa, devido à extracção mineira do carvão e à indústria arcaica do aço;

• Despoluir uma rede fluvial de cerca de 350Km, através de múltiplos tratamentos descentralizados;

• Reutilizar uma arqueologia industrial que consiste essencialmente nas enormes e antigas fábricas Thyssen implantadas nessa área durante o séc. XIX;

• Desenvolver uma série de percursos de cultura e lazer através da reorganização de actividades rurais e instalações artísticas;

• Renovar a urbanização dos antigos bairros de cidades operárias do séc. XIX, desenvolver novas urbanizações e ainda edificar uma grande estrutura cultural e social.


http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=D3NqpctHgZM
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=j8-tZ8OCFoQ
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=pXmvGIMXaHk
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=iHzKQBOVx4s

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=_Sk4d-mRj2I
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=8IlDw4PZPuA
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=ccLUZxzNkCY


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Cheguei a Marrocos, ao aeroporto de Casablanca, de manhã.
O aeroporto é um “não lugar” igual a tantos outros  aeroportos do mundo...
Aguardei num bar a vinda do resto do grupo que chegaria de França.
Durante o tempo de espera fui recapitulando as razões desta minha viagem.
Estivera dias antes na Associação “Terre et Humanisme” fundada por Pierre Rabhi de quem já lera o belíssimo livro “L’Offrande au Crepuscule”[1]. Sabia da experiência de Pierrre Rabhi em agroecologia no Burkina Fasso, no período do presidente Sankara que tentou promover uma via de ecodesenvolvimento. Foi nesse período que Pierre Rabhi, como membro do CIEPAD (Carrefour International d’Echange et Pratique Apliqué au Developpement) e reconhecido especialista de agro-ecologia, propôs um desenvolvimento local participado que fosse á descoberta dum caminho próprio  para aquela região de África, devastada pela agro-indústria e pela monocultura realizada durante a ocupação colonial.
Conhecia alguns dados biográficos de Pierre Rabhi que trouxera comigo.
                                                         
Nasceu em 1938 numa comunidade muçulmana, na aldeia de Kenadsa, perto de Bechar, às portas do Sahel na Argélia. Ficou órfão aos cinco anos e foi adoptado por um casal de franceses.
Vem para Paris em 1958 com os pais adoptivos. Em 1960, com a sua mulher, Michele, estabelece-se na zona entre Cevennes e Ardeches. Consegue obter uma quinta onde pratica agro-ecologia .
Forma aí cerca de 40 estagiários. Em 1978, é encarregado da formação em agro-ecologia pela Associação CEFRA (Centre d’Études et Formation Rurales Apliquées).
A partir de 1981 participa, no Burkina Fasso, na formação dos “camponeses sem fronteira” a pedido desse governo africano e com o apoio do CRIAD (Centro de Relações Internacionais entre Agricultores para o Desenvolvimento).
Em 1985 cria no Burkina Fasso o Centro de Formação de Agroecologia. Tem o apoio do presidente Sankara e trabalha em cooperação com a associação francesa “Le Point Mulhouse”.
Em 1988 funda o CIEPAD (Carrefour International d’Echange et Pratique Apliqué au Développement).
Em 1992 participa no lançamento do programa  de reabilitação do óasis de Chenini-Gabés na Tunísia.
Em 1994 apoia o movimento “Oasis em todos os lugares”[2] cujo manifesto foi editado e divulgado profusamente procurando criar uma articulação entre intervenção local e pensamento global.
Em 1997-1998 intervém, a pedido da ONU, na elaboração duma convenção contra a desertificação, formulando propostas de ecodesenvolvimento agro-ecológico.
De 1998 a 2001 promove acções de agroecologia no Niger.
Em 2001 foi candidato alternativo à presidência da República em França.     
Também em 1998 promove a fundação do movimento “Terre et Humanisme” com uma base logística (um terreno e uma casa) como lugar de testemunho, investigação e contactos em Mas le  Beaulieu, perto de Lablachère, na região de Ardeches, em França.
Nessa quinta exemplar desenvolvem-se práticas de agroecologia, ecoarquitectura, fitodepuração, energias renováveis, plantação em estufa,
procurando aí estabelecer uma formação global em agro-ecologia apoiada no jardim ecológico, no centro de conservação de sementes e em ligação com a Associação Kokopelli.
Esta experiência exemplar pretende demonstrar que com um hectare de terra é possível uma unidade de produção familiar tendo como base os fundamentos da agroecologia.
Tinha ido visitar o local com o objectivo de conhecer o trabalho de Pierre Rabhi mas naquele momento ele estava para fora. Falei com o Theo Angelou, responsável pelo trabalho e formação de jovens – jardineiro e animador social. Conheci ainda Maria Sanchez, secretária do movimento Terre et Humanisme e que se ocupa essencialmente da formação em permacultura.
Foi a Maria Sanchez que me deu a informação do seminário que se iria realizar em Marrocos, em Maio de 2005. Disse-me, na sede da Associação Terre et Humanisme, que só num trabalho concreto realizado por Pierre Rabhi  é que poderia compreender a metodologia dele.
Não quis perder esta “chance” dum seminário “vivo” em que o ensino se desenrolava durante uma actividade prática como numa verdadeira escola de vida inserida na povoação, convivendo com ela numa acção-formação pelo interesse da própria comunidade  e tendo como base uma iniciativa local.
Foi-me fácil reconhecer Pierre Rabhi. Conhecia-o pelas fotografias dos seus livros e pelo cartaz de propaganda que ainda se conservava na parede da sede do movimento Terre et Humanisme, quando ele se candidatou a presidente da república, candidatura duma via alternativa ecológica e social em 2001.
Abraçou-me prontamente. De Casablanca seguimos, de comboio, até Meknes. Quando aí chegamos esperava-nos um velho autocarro  que a Junta de Freguesia cedera para nos levar até Kermet Ben Salem.
A estrada era de terra batida e corria ao longo de colinas desarborizadas onde apenas algumas oliveiras despontavam pelas encostas.
A noite caía. Trazia-me o mistério da civilização muçulmana.
Pouco podíamos ver quando chegamos a Kermet. Pareceu-me, pelas luzes acesas, uma aldeia pequena perdida na imensidão deserta e silenciosa daquela região.
Ficamos numa casa de três pisos .
Fiquei com um grupo de homens no rés-do-chão. No andar  de cima ficou o grupo das mulheres e no terraço ficou um pequeno grupo de homens que resolveram montar uma espécie de tenda com cobertores para se defenderem do vento frio da noite.
                                      













A casa era modesta. Porém, era a maior da aldeia. Tinha ao meio um átrio que fazia de chaminé de luz e ar nos 3 pisos. Na abertura superior via-se ainda o céu através do toldo montado sobre o terraço que coava a luz intensa e que impedia a eventual entrada das parcas gotas de chuva pelo tecto aberto.
Durante a noite, não sei que horas seriam, acordei com a voz do Muezzin fazendo a oração da torre da mesquita. Enxerguei, na ténue luminosidade do luar, o Abdou na postura de oração. Senti-me bem naquele convívio inter-religioso, nessa espécie de acampamento beduíno intercultural.
De manhã, como habitualmente, acordei cedo. Dei-me  conta da exiguidade do quarto de banho. Da torneira não corre ainda a água como nos avisaram. Por isso temos que gerir com o máximo de descrição a água. Há apenas um cântaro de barro e um púcaro com o qual se vai tirando a água que necessitamos.
Aquele gesto matinal que fizera para retirar água do cântaro de barro na minúscula retrete turca fora o sinal de consciência ao local em que estava.
Depois da higiene mínima saí pois o pequeno-almoço ainda tardava.

                
O nascer do sol permitiu-me ver a imensidão da paisagem e também a pobreza da aldeia. É uma aldeia perdida na solidão e nudez desértica da paisagem. Apenas a mesquita tinha um ar de edifício acabado.
O resto do casario parecia pertencente a um mundo efémero de barracos construídos com o mínimo de meios.

Os homens e os rebanhos começavam a descer pela ladeira da aldeia alcandroada na colina.
Fomos vendo os burricos e as cabras. A madrugada chamava ao trabalho difícil da região para as actividades agrícola e pecuária.
A aldeia de Kermet Ben Salem pertence à periferia de Meknes e situa-se no Nordeste da província Meknés Esmenzehh e a cidade mais próxima é Moulay Idriss.
A aldeia é muito antiga e esteve ligada à implantação de importantes sufis e lamas que organizaram a actividade social e económica da povoação, alguns séculos atrás, quando as colinas verdejavam e as águas dos ribeiros corriam docemente.
                                                    
A população de Kermet Bem Salem tem hoje cerca de 1500 habitantes e a maioria é originária de Rif, norte de Marrocos. Vive essencialmente da agricultura tradicional que depende da chuva.


Depois do pequeno-almoço, feito especialmente para o nosso estágio, seguimos para a improvisada sala de seminário e que fora o local em que passaramos a noite. Iria aí desenrolar-se toda a actividade teórica e cultural.




Os sofás arrumados contra a parede eram agora as cadeiras para os estagiários. E ao longo da semana que vivemos em Kermet Ben Salem fizemos uma preparação agro-ecológica debatendo as questões do modelo de crescimento e as alternativas ecológicas. Reflectimos sobre o sistema fito-sanitário, a alimentação, as questões sociais, o diagnóstico das terras e a utilização do composto que fizemos nos terrenos da aldeia.
É que ao programa teórico juntaram-se as actividades práticas de agricultura nos campos de cultivo.
Os temas propostos por Pierre Rabhi foram alargados com a participação de Moustafa Abu Zaíd que fez alguns enquadramentos à história de Marrocos e ainda Asmaa Loukili que fez algumas considerações monográficas sobre a aldeia de Kermet Ben Salem e a sua origem sufi.
Aichá falou-nos ainda da formação da Associação de Mulheres que permitiu a recepção do nosso grupo revelando um trabalho de anos na área de formação em artesanato e escolarização das crianças que víamos entrar todas as manhãs para uma pequena sala de aulas.
Abib, Presidente da Junta de Freguesia, explicou as relações das associações locais com o poder. Abib é também o dinamizador da ADAF, associação local criada em 1996 e que integra outros grupos regionais.
Tivemos ainda a visita de Fatuma, assistente social, que dirige um movimento de mulheres e dinamiza o trabalho de cooperativas relacionadas com a agricultura biológica que fornecem o mercado de Rabat.

Alguns populares, durante uma iniciação à cestaria tradicional que fizemos num atelier dinamizado por um velho camponês-artesão, formularam questões económicas e sociais mais prementes da aldeia: água, irrigação, esgotos, reciclagem dos lixos orgânicos, etc.
Durante vários dias de estágio num campo das hortas que fica a poucos quilómetros de Kermet e onde passa um pequeno canal de irrigação, tivemos uma iniciação à prática da botânica de cultivo ecológico.


Fez-se uma reflexão sobre o problema dos OGM (organismos geneticamente modificados) e suas consequências. Foi assim que tomamos conhecimento da Associação Kokopelli que se tornou numa iniciativa social contra os interesses financeiros das multinacionais que têm açambarcado o património de sementes e que substituem há mais de 40 anos as sementes tradicionais por variedades híbridas estéreis ou degenerativas. A Associação Kokopelli intervém no sentido do tratado sobre a biodiversidade e a segurança alimentar na defesa de “sementes livres cultivadas no respeito do ambiente” opondo-se assim ao modelo esteriotipado e estéril que nos querem impor.   
Realizamos um composto agro-ecológico. O grupo reunira-se em torno do Didier que orientava os trabalhos.


Estávamos à sombra das laranjeiras. Íamos sobrepondo as camadas de palha, de estrume orgânico, de cinza. Depois, outra vez palha e assim sucessivamente até fazermos uma pilha com cerca de 1 metro de altura e 80 cm de largura.
Como lera no livro “Parole de Terre – Une Initiation Africaine”[3] estava agora a vivenciar uma verdadeira “iniciação” na elaboração do composto e na agricultura biológica.
As palavras de Didier eram quase as mesmas que Rabhi colocara na boca de Ousseini, o “iniciador iniciado” do referido livro e que explicava aos camponeses duma aldeia do Burkina Fasso como se produzia o húmus fertilizante que detinha no punho da sua mão depois de a retirar dum montículo de composto.
Era uma terra maleável na consistência e que tinha um cheiro agradável a floresta. Os camponeses tocavam com as suas próprias mãos o húmus fertilizante.

- “Nas vossas mãos está o alimento para a terra. Toda a gente pode realizar este milagre. É preciso apenas dedicar muitos cuidados a esta acção que permite guardar a ligação sagrada da vitalidade da terra...
Com os excrementos dos animais e com a massa vegetal ou palha, com a argila, a cinza da madeira, a água e a sombra, podemos realizar uma boa fermentação (...).
A terra, a água, o vento e o calor permitirão que o pequeno montículo se torne numa marmita para cozer todos os ingredientes... que se tornam numa única matéria, unificada de tal maneira que cada ingrediente dá e recebe ao mesmo tempo numa digestão que é uma sagrada aliança:  a terra alimenta as plantas, as plantas alimentam os animais, os animais alimentam os homens e os homens alimentam por sua vez a terra”.[4]
 
 

Depois desta iniciação agro-ecológica quisemos procurar a nascente daquele fio de água que vinha até aos pomares verdejantes onde estávamos.
Foi uma aventura que nos deu a consciência da importância da água na vida. Subimos durante uns 10 kms as ravinas dos inúmeros desfiladeiros. Do cimo dos desfiladeiros de fragas ciclópicas, escondia-se, como um tesouro precioso, a nascente. Corria a água viva e prodigiosa. Ali naquela região de infinita aridez e estranha e terrível beleza, aquela fonte era a esperança e a força da vida que permitia que aquele povo afrontasse o deserto.
O povo de Kermet Ben Salem sabia agora que, para enfrentar a aridez imensa só pequenos gestos mágicos como os da agro-ecologia com os misteriosos  processos complexos do eco-sistema dum oásis, podem estancar a seca mortífera.
São como pequenos bálsamos, quase insignificantes que, multiplicando-se, vão tomando conta progressivamente das feridas profundas da terra, revitalizando-a lentamente até que o deserto se sustém na sua marcha mortífera.
O deserto ronda por todos os lados. Tende a aumentar a desolação das populações mas depois da experiência da Argélia, em que se tentou criar artificial e rapidamente uma muralha verde contínua, o “sahel”, a desertificação cavalgou o muro verde, como explicou Pierre Rabhi durante o seminário.



Foi então que os especialistas perceberam que a natureza tem as suas regras ecológicas. Aprender com o “oásis” é aprender com a natureza dos ecosistemas e o modo flexível e sistémico dos processos de regeneração da vida, em que a morte e a vida estão sempre em íntima e complexa relação.
Foi esta alquimia misteriosa que esteve sempre presente nos temas que abordamos ao longo do seminário de Kermet Ben Salem. 
Nas viagens que fizemos ao souk de Moulay Idris e à cidade imperial de Meknés, foi possível ter uma percepção do passado histórico e da realidade social presente, descortinar uma cultura milenar com os seus contrastes sociais.



A experiência que vivenciamos foi uma abertura às culturas. Foi sentida por exemplo naquelas discussões com a população. Foi sentida durante as reflexões de pessoas provenientes de culturas e religiões diferentes. O diálogo na diferença era mais do que tolerância. Era uma fraternidade sentida naquele último dia de confraternização em que o jovem barbeiro da aldeia, Azidin, tocou no alaúde aquela música dolente e sensível que trouxe uma suavidade indelével na noite de lua cheia em Kermet Ben Salem.
Estes encontros são essenciais para a troca de informação e formação que permitem o diagnóstico das situações concretas do lugar e ajudam a fazer projectos para encontrar soluções mais justas. Este é o trabalho essencial de Pierre Rabhi. A força da iniciativa local é visível na organização não governamental ADAF. Esta ONG desenvolve agora um projecto de criação de uma cooperativa de produtos naturais (couscous, azeite, mel, etc.) que se insere numa proposta de eco-aldeia em que se pretende um desenvolvimento agro-ecológico e uma gestão de água que evite a desertificação. Sensibilizar, trocar experiências, multiplicar contactos, estabelecer solidariedades é este o papel essencial de Pierre Rabhi.
É esta a mensagem do itinerário dum homem ao serviço da terra-mãe. Uma mensagem planetária, universal.
                        
Pierre Rabhi, originário do Sahara, tornou-se um camponês em França, na região das Cevennes, como nos conta no seu livro “Du Sahara aux Cevennes”[5].
O balanço desta experiência global do seminário de Maio de 2005 em Kermet Ben Salem é indisível.  É uma experiência global de vida.
Foram dias de convívio numa comunidade de pessoas diferentes mas empenhadas numa causa comum – salvar a terra.
Um escola de vida em que todos aprendiam uns com os outros. Uma maneira nova de crescer e de se desenvolver com a comunidade e para a comunidade.
Finalmente é a descoberta de que o problema de todos os povos é o mesmo hoje, embora em situações diferentes. Para além do norte e do sul é o futuro da humanidade que está em jogo.
A ameaça das mudanças climáticas, a contaminação poluitiva global, o esgotamento das terras aráveis, o desgaste das energias fósseis e a exclusão social são os grandes flagelos da humanidade inteira.
No manifesto coordenado por Pierre Rabhi[6] faz-se um apelo para que se realizem as acções locais pensadas de uma forma global. Esta é também a estratégia defendida pelo movimento altermondialista e, em particular, a alternativa social desenvolvida pelos grupos ATTAC.
Uma recente iniciativa de Pierre Rabhi é o projecto da criação de um lugar ecológico de tipo novo.
Graças à cooperação de Michel Valentin, que prontamente respondeu com fraternidade e amizade a Pierre Rabhi e à compreensão do profundo sentido deste projecto, está a ser possível a sua concretização através de um centro de agroecologia, de produção, de experimentação e pedagogia – Les Amanins.
Num terreno de vários hectares na região de Drôme, em França, Gérard Arnaud coordena os trabalhos para que este projecto se torne uma realidade.
O funcionamento de Les Amanins permitirá a realização de programas internacionais para a autonomia alimentar mostrando, através de experiências exemplares, a possibilidade de um desenvolvimento ecologicamente sustentável.
Escolas-oficinas, estágios e conferências, permitirão o alargamento da estratégia agro-ecológica.
Como na pequena história-ensino que Pierre Rabhi contou no seminário de Kermet Ben Salem, qualquer pequena acção exemplar, mesmo quando a luta é difícil, é sempre melhor e eficaz do que desistir de lutar. Contou a história do incêndio que deflagrara na floresta do Amazonas. E um passarinho – o beija-flor ou colibri – corria veloz trazendo tantas vezes quantas podia, pequenas gotas de água no bico, esforçando-se por lançá-las sobre as chamas para apagar o incêndio.
O Tatu, sem esperança e tolhido de medo, dizia-lhe que não valia a pena e quedava como cadáver antecipado...
Mas o beija-flor tinha a força e a consciência de que cada uma das acções justas de cada indivíduo, mesmo que sejam feitas de pequenos gestos, são a força exempar que poderá mudar o destino.
Se todos quisermos, um outro mundo é possível.

Bibliografia essencial:
Rabhi, Pierre, Du Sahara aux Cévennes, Ed. Albin Michel, Paris,1995
Rabhi, Pierre, L’Offrandre au Crépuscule, Ed. L’Harmattan, Paris, 2001
Rabhi, Pierre, Manifeste pour des Oasis en tous lieux, Ed. Terre et Humanisme, Lablachère, 1997
Rabhi, Pierre, Parole de Terre, Ed. Albin Michel, Paris, 1996, pág.198

Sites Internet :


Fotografias:
Os nossos agradecimentos a Gerard Arnaud pelas fotografias aqui apresentadas.



[1] Rabhi, Pierre L’Offrandre au Crépuscule, Ed. L’Harmattan, Paris, 2001
[2] Rabhi, Pierre, Manifeste pour des Oasis en tous lieux, Ed. Terre et Humanisme, Lablachère, 1997
[3] Rabhi, Pierre, Parole de Terre, Ed. Albin Michel, Paris, 1996
[4] Rabhi, Pierre, Parole de Terre, Ed. Albin Michel, Paris, 1996, pág.198.
[5] Rabhi, Pierre, Du Sahara aux Cévennes, Ed. Albin Michel, Paris,1995
[6] Rabhi, Pierre, Manifeste pour des Oasis en tous lieux, Ed. Terre et Humanisme, Lablachère, 1997

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Makovecz - Loja Naturata em Uberlingen

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EMMANUEL ROLLAND E O ARQUITETO BERN MENGUY - LOTE ECOLÓGICO


Os vídeos agora disponibilizados surgem da visita do Professor Jacinto Rodrigues à casa de Emmanuel Rolland. Este professor de física reside actualmente num antigo casarão rural que é também a actual sede da Associação “Pequenos Jardins de Alunos” na pequena aldeia - La Chapelle de l'If - no norte da Bretanha a alguns quilómetros da pequena cidade de Dinan. Emmanuel Rolland nasceu nesta mesma pequena aldeia, Chapelle de L'If, a 10km de Dinan, pequena cidade histórica da Bretanha, rodeado por este mundo rural fantástico, sendo ele próprio originário de famílias camponesas de longa data. Tornou-se professor primário, e posteriormente faria uma formação em biologia que o tornou especialista em agro-ecologia. Em 1993 ganhou um prémio por ter inventado um utensílio manual para trabalhar a terra com facilidade e eficácia. Cooperando com outro professor, Gaël Vires, desenvolve aquilo que seria apelidado de “talude pedagógico”.



Ficam aqui, agora, os restantes vídeos da visita do Professor Jacinto Rodrigues à casa de Emmanuel Rolland. De relembrar que Emmanuel, professor primário de profissão reside actualmente num antigo casarão rural que é também a actual sede da Associação “Pequenos Jardins de Alunos” na pequena aldeia - La Chapelle de l'If -, onde desenvolve inúmeros projectos experimentais no âmbito da agricultura e da ecologia.

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Encontro com Michel Rosell - Universidade de Ecologia Aplicada e Solidária, 2005 - Artigo com imagens PDF









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1988 - Boletim Sociedade Antroposófica

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