ARTIGOS E ENTREVISTAS

Reflexão sobre a Exposição e Catálogo de Pedro Bandeira - Revista A Obra Nasce - pág.129
Itinerâncias em Busca de uma Sociologia como Prática Social, Revista Angolana de Sociologia, RAS, nº 11, Junho 2013, PDF

Desenvolvimento e Sustentabilidade Ecológica, Revista Angolana de Sociologia RAS 2011 PDF


A Especificidade dos Países do Sul, Entrevista à Revista NU 2011 PDF


Crónicas do jornal La Croix des P.O. sobre o P. Himalaya em Sorède em 1900, Notícias dos Arcos 2010 - PDF



"Diário de Bordo - Angola - Março de 2010" publicado na Revista Angolana de Sociologia-RAS, Órgão da Sociedade Angolana de Sociologia, nº 10, Dezembro de 2012


DIÁRIO DE BORDO - ANGOLA - MARÇO 2010

5ª feira, 4 de Março de 2010
Parti de avião, de Lisboa.

6ª feira, 5 de Março de 2010
Chegada a Luanda, às 6h30 (hora local). Preparo-me para mais uma viagem de avião até ao Namibe, no dia seguinte.

Sábado, 6 de Março de 2010

O Aço telefonou-me para estar às 10h da manhã no aeroporto militar de Luanda. Encontrei-me então com jovens estudantes que esperavam num hangar do dito aeroporto. Falamos sobre o Seminário que o CE.DO ia realizar. A maior parte dos jovens eram estudantes finalistas de Antropologia.
            Aguardamos bem umas duas horas na “cavaqueira”. Aproveitei para registar em vídeo algumas das conversas sobre as expectativas. No meio dos alunos encontrei o Cláudio Fortuna que já me tinha entrevistado na conferência que dei em Luanda, na minha anterior viagem a Angola, em Julho e Agosto de 2009.
            Entretanto, um graduado da aviação militar veio buscar-nos ao hangar. O Samuel Aço já tinha também chegado. Seguimos ao longo do enorme terreiro e dirigimo-nos para um “Antonov 37” que estava estacionado a meio da pista. Era uma nave gigante. Subimos o bojo do enorme pássaro de metal. Era impressionante. Podia carregar jeeps e blindados. Encostadas às paredes da enorme carcaça, distendiam-se caixas de madeira que serviam de assento.
O calor era insuportável. Instado pelas reclamações dos jovens, os pilotos russos abriram a enorme boca traseira onde o Antonov 37 recebe as grandes cargas. Entrou então uma lufada de ar fresco. O imenso bojo do aparelho voador funcionava como uma enorme chaminé fazendo bombear bioclimaticamente essa lufada de vento.
            Mais confortáveis e risonhos, verificamos no entanto o ar preocupado e os gestos apressados dos pilotos russos. O motor não arrancava! O russo mais velho, talvez o engenheiro da equipa, tirou duma das caixas onde estávamos sentados, algumas ferramentas e maquinetas ali amontoadas.
O Aço e eu, sentados outra vez na caixa de madeira, interrogávamo-nos sobre o que estava a acontecer. Passou mais uma hora. Mais outra hora ainda. Entretanto, uma certa agitação começava a tomar lugar entre os jovens, em especial das raparigas que já punham a hipótese de não embarcarem no velho avião militar.
Valeu-nos as piadas de um jovem estudante que, ao telefone, relatava em voz alta, exageradamente, as peripécias que nos estavam a acontecer. Relatava com um exagero evidente que o piloto russo desmontava o motor, empoleirado nas asas do pássaro mecânico, enquanto o avião planava no ar! Rimo-nos todos com a história que o jovem contava à namorada, embevecida com a aventura aérea do namorado.
O avião estava ainda em terra… mas a avaria era real! Entretanto, passadas várias horas, um motor começou a trabalhar. Faltava porém ainda, o motor da outra asa. Mais uma hora passou para que tudo funcionasse! Depois, o “Antonov” roncando, lançou-se para aquele imenso céu azul e luminoso que vislumbrávamos pelas pequenas vigias ovais. Risos e uma nova “galhofa” surgiram nessa aventurosa viagem. Finalmente, a aterragem fez-se no aeroporto Yuri Gagarin, perto da cidade do Namibe. Esperava-nos um jeep e o velho “Onimog” do CE.DO.
Angola reservava-nos ainda novas aventuras. Em Angola seguem-se sempre várias iniciativas. Os desafios são contornáveis e os momentos mais difíceis são quase sempre superados.
Na viagem de jeep, um coronel licenciado em antropologia veio connosco. A estrada está como nova. Corríamos velozes no piso liso vendo os campos desertos onde, aqui e ali, se vislumbravam, por vezes, algumas welvitchias mirabilis. São como pequenos oásis na imensidão do deserto. Viramos à esquerda e entramos na estrada de picada que fizemos o ano passado. Finalmente chegámos a Njambasana com o pôr-do-sol. Distribuíram-se os quartos e fomos mastigar o jantar na escola de artesanato.
Encontro com o professor Dominguez, cientista espanhol-marroquino que se encontra a trabalhar no Namibe. Encontro também com a Dra. Paula Camunhoto, do Ministério do Ambiente.

Domingo, 7 de Março 2010
Fiz uma comunicação sobre a ecosustentabilidade.
“A ecologia na luta contra a desertificação” no âmbito do 2º Seminário Internacional do CE.DO “A Relevância dos Estudos Antropológicos em Angola”, Njambasana (Kuroka-deserto do Namibe).
Referi as relações da biosfera e da tecnosfera atual. Explicitei o historial ecológico de Vernadsky e de Fosorme revelando a relação complexa da teia da vida (biocenose) com o biótopo. Analisei os antagonismos existentes hoje entre a biosfera e o atual modelo civilizacional que criaram esgotamento, contaminação e exclusão social. Apontei soluções ecotecnológicas e referi alternativas a este modelo civilizacional catastrófico.

2ª feira, 8 de Março 2010
Conversa sobre sociologia do desenvolvimento com os estudantes.
Diferenciação dos conceitos de crescimento e desenvolvimento ecologicamente sustentável. Viagem ao deserto do Kuroka, às ruínas do “Custódio” a alguns quilómetros de Njambasana. Era uma antiga destilaria feita de adobe com uma sólida estrutura e um reboco onde foram introduzidas pequenas pedras nos espaços intersticiais dos blocos, de modo a gerar-se uma estrutura mais sólida e impedir a erosão.
Ouvimos a história, contada pelo professor Samuel Aço, do capataz que era um verdadeiro criminoso para com os trabalhadores da destilaria. Pudemos observar que a anterior área ecológica do território se tinha desertificado. Anteriormente aquela terra produzia cana-de-açúcar. A desertificação é galopante nesta área onde apenas os “óasis” do Arco e do Carvalhão vão resistindo ao avanço das areias.
Começo a analisar o aldeamento de Njambasana. Observo a paisagem e faço um levantamento rápido dos equipamentos. Ao mesmo tempo empreendo algumas conversas sobre metodologia de análise social. Entrevisto, com a máquina de filmar, o Samuel Aço, a Teresa e o Jacinto Domingos Manuel procurando, através das histórias de vida, refletir sobre a situação social da região.
Enviei, mais tarde ao Samuel Aço, e.mails que resumem essas reflexões e que aqui transcrevo:

“(…) Prefiro metodologias mais simples, apropriáveis pelas populações e que são comprovadamente eficazes e não agressivas ao meio ambiente.
Assim, podíamos ensaiar alguns dos princípios de Ernst Gotsch, que podes consultar no meu blogue (http://jacintorodrigues.blogspot.com ) e tentar as técnicas de Pierre Rabhi,[1] que vi utilizar em Marrocos num estágio que aí fiz. A ideia consiste em criar pequenos oásis com plantas locais, descentralizados e em bandas dispersas de maneira a constituírem agrupamentos que permitem uma mudança higrométrica favorável à não desertificação.
Constatei, quando aí estive no Kuroka, que as welwitchias mirabilis constituíam oásis onde se reconstruíam eco-sistemas múltiplos de vida.
Esta teia de vida oculta torna-se o melhor meio de propagação de mudanças climáticas positivas.
Seria do maior interesse conseguir meios económicos para convidar o Pierre Rabhi a ir ao Kuroka, organizando um seminário internacional, se possível.
Estou disponível para o contactar assim que me confirmes que existem condições para ele se deslocar de França aí.
É um homem simples e do deserto que aceita condições mínimas de logística e se move por opções filantrópicas e solidárias”.

Já em 2009 tinha enviado ao Samuel Aço - CE.DO um e.mail com várias informações numa perspetiva de ecodesenvolvimento local:

“(…) Durante a minha viagem à Suíça e França, após ter chegado de Angola, comecei a tentar encontrar apoios para o CE.DO:
. Contactei um amigo engenheiro - Dennis - que é um especialista da energia solar e pode ser muito útil para um projeto de forno solar e fogões domésticos (solares) que, tal como eu referi em Njambasana seriam muito úteis para a região do Namibe, conforme explicito também no Relatório que aqui te envio, assim como a carta que ele me escreveu e os documentos que me enviou. Este projeto do forno solar, assim como dos fogões solares terá o maior interesse se for feito em parceria com outras associações suscetíveis de pegarem no assunto.
. Contactei também a Universidade de Benguela que poderia eventualmente, trabalhar em parceria com o CE.DO sobre este projeto.
. Também uma minha ex-professora francesa de nomeada internacional, Françoise Choay, a quem solicitei apoios científico-culturais, sugeriu-me, nesta primeira etapa, uma cobertura fotográfica que desse a conhecer no estrangeiro a problemática do deserto do Namibe.
Diz-me alguma coisa em relação a estes dois projetos (forno solar multifuncional industrial e forno solar-fogão doméstico) pois se eles interessarem ao CE.DO retomarei estes e outros contactos no sentido de encontrar meios ecotecnológicos e ecoculturais para ajudar o CE.DO.
Gostaria contudo que me mandasses uma atestação como membro fundador do CE.DO e indigitado para colher estas e outras informações que possam levar a um estudo prévio e à concretização do projeto.
O documento pode ser em português ou francês.

            Sobre o Centro de Estudos do Deserto (CE.DO) tenho refletido e a minha proposta seria a de transformar este aldeamento num ecoaldeamento. Escrevi na Revista Africana Studia, nº 10[2], editada pelo CEAUP, alguns contributos que podem ser úteis para a melhoria deste local mas, resumindo, a ideia-chave é tornar o CE.DO num centro difusor de sustentabilidade ecológica não apenas nos discursos ou lições teóricas mas também no funcionamento da logística construtiva (casas, produção agrícola, energética, piscícola, etc) e na reciclagem dos ditos “lixos” de modo a serem transformados em nutrientes.
            As minhas intervenções junto dos alunos e da administração de Njambasana vão no sentido de criar um centro, baseado naquilo que tenho vindo a defender em conferências várias, isto é, fundamentado num metabolismo circular que revele um ecossistema sustentável.
            Durante os seminários no Kuroka, em Benguela e em Luanda, abordei a experiência do Centro de Songhai[3] como um “centro de excelência” que configura essa ideia de habitat sustentável em África.
            Para conseguir concretizar estes projetos, a metodologia de investigação-ação é essencial. Os workshops devem-se traduzir, para cada interveniente, numa etapa decisiva de pedagogia iniciática e, socialmente, devem levar à edificação de casas e bairros ecológicos com parques de energias renováveis, hortas pedagógicas e biológicas, reciclagem de “lixos” de modo a que todo o conjunto funcione de forma ecologicamente sustentável, transformando o “lixo” em nutrientes.
            O plano estratégico deste ecoaldeamento para o CE.DO tem como proposta essencial uma organização hídrica que permitiria a manutenção de jardins filtrantes ligados à lagoa do Kuroka de modo a obter água potável para as populações e por outro lado o retorno de águas usadas para biodepuração e utilização no regadio da biomassa que fertilizaria o terreno para uma bioflorestação capaz de evitar a evapotranspiração desertificante, conservando assim a humidificação na área do Kuroka, gerando toda uma bioclimatização capaz de reverter a desertificação a que está sujeita aquela zona.
            Pequenas intervenções de plantações descentralizadas ao longo do território do aldeamento funcionariam como catalisadores dessa bioclimatização, propiciando simultaneamente alimentação para os habitantes da aldeia. 

4ª feira, 10 de Março 2010
Fomos à cidade do Namibe (antiga Moçâmedes). Visitei um pouco a cidade e entrei no Museu de Antropologia onde fiz uma pequena entrevista ao Diretor Dr. Martinho. Em seguida partimos em direção ao Lubango, atravessando a Chela, esse extraordinário maciço, coração da África Austral. Ficamos num velho hotel do tempo colonial, o Grande Hotel do Lubango.

5ª feira, 11 de Março 2010
Parto numa camioneta em direção a Benguela.
Fiz um acidentado percurso de 9h entre o Lubango e Benguela onde apanhei trovoadas estrondosas e vi as picadas transformarem-se em leitos de rios revoltosos.
 Chegado à estação de Benguela, o jovem rececionista da Universidade, talvez convencido de que eu tivesse desaparecido, mais a camioneta, nas levadas de água da viagem, não estava à minha espera. A minha canela ensanguentada começava a doer. Preparava-me para apanhar um táxi-mota e levar a mala à cabeça, quando me deram boleia num carro, cujo motorista, comiserado com a minha trágica figura de "mais velho", desequilibrado naquela mota-táxi desengonçada, me deu boleia até ao Hotel Luso. Valeu-me, assim, essa auspiciosa fraternidade dos irmãos angolanos.
   
6ª feira, 12 de Março 2010
De manhã segui para a UKB, Universidade Katiavala Bwila, onde assisti à abertura oficial do ano letivo e proferi a oração de sapiência sob o tema “A abordagem ecológica e o território”.
À abertura do ano letivo presidiu o Reitor, Professor Doutor Paulo de Carvalho. Foi uma cerimónia oficial em que estiveram presentes diversas autoridades políticas, sociais e religiosas. Não faltou também uma representação teatral e musical, feita pelos estudantes desta Universidade.


Notas da comunicação oral
1.        Copérnico, no século XVII, está na origem da revolução científica que iria consolidar-se, com Kepler e Galileu, naquilo que se definiu como paradigma da modernidade. Assim, a matematização do real através de Galileu e a concepção heliocêntrica de Copérnico, estabelecem os principais critérios da física moderna.
2.        Porém, no início do século XX, com Einstein e Max Planck, aparecem as principais rupturas que põem em causa esse paradigma mecânico, dito moderno. Com efeito, a teoria quântica relativista, tornou necessária uma nova perspectiva emergente para compreender o universo, impondo uma avaliação crítica sobre a concepção da matéria.
3.        Com o irromper da ecologia, a visão do cosmos dá lugar a uma outra interpretação. O cientista russo Vernadsky[4], defendeu em França, em 1923, na sua tese de doutoramento  – a biosfera –  uma nova maneira de pensar o planeta terra. O conceito de biosfera como ecosistema geral, em interacção com todos os ecosistemas, numa complexidade onde a teia da vida se articula com o biótopo, trouxe uma perspectiva de resiliência que se afasta da redutora concepção mecanicista.
4.        Em 1956, Thomas Kuhn dá-nos conta da emergência do novo paradigma. A crítica epistemológica do conhecimento científico anterior é analisada no seu livro “Revolução Copernicana”[5] que revela a insustentabilidade de um modelo continuista e cumulativo do conhecimento científico, tal como era anteriormente aceite. Em 1962, este físico, dotado duma grande preocupação pela epistemologia científica, elabora uma nova reflexão. “A estrutura das revoluções científicas”[6] é uma obra transdisciplinar que mostra a complexidade da ciência e a sua relação com a história, a filosofia e a sociologia do conhecimento. Assim, Thomas Kuhn mostra que o “progresso” científico não é linear. Efectiva-se, antes, através de rupturas paradigmáticas, através de “saltos” que resultam de crises, lançando hipóteses novas. Essas hipóteses novas aparecem como “conversões” na apreensão da realidade. O alargamento da consciência faz-se durante esses saltos em que a própria linguagem e o novo olhar exigem perguntas novas. Em 1969, Kuhn alarga a sua tese da teoria do conhecimento científico à filosofia contemporânea. Abrange assim o conceito de “episteme” de Foucault, e o conceito de “desconstrução” defendido por Derrida. Supera-se simultaneamente o empirismo tecnocrático, o estruturalismo neopositivista e o logocentrismo idealista.
5.        As contribuições da teoria geral dos sistemas de Ludwig von Bertalanffy [7] assim como as achegas dos filósofos da complexidade, da sistémica e das preocupações transdisciplinares como Edgar Morin[8], Gregory Bateson[9] e Joel de Rosnay[10], confluem numa reflexão crítica à tecnociência (modelo mecanicista, poluidor e destruidor). Com efeito, denuncia-se a esgotabilidade e a contaminação do planeta, como fez o agrónomo Renné Dummond[11], ao mesmo tempo que o filósofo Jacques Ellul[12] defende a ecotecnologia como uma alternativa à tecnociência dominante, permitindo-se uma tecnologia apropriável, não poluente e baseada em energias renováveis.
6.        Todo este debate sobre a técnica tem repercussões no conjunto dos pensadores que põem em causa o conceito eurocentrista de crescimento económico. Por isso, esta reflexão aprofundada leva-nos a uma noção globalizante de “bio-economia”, ou seja, a inserção da economia na problemática da biosfera, afastando-se da concepção reducionista da economia operativa e contabilística. Os trabalhos de Georgescu Roegen[13] abrem assim perspectivas de relação entre sociedade e território, desenvolvimento e potencialidade da biosfera. Esta nova ecosofia alteromundialista é
sustentada por sociólogos, economistas e filósofos de grande prestígio ético como René Passet[14], Serge Latouche[15] e
 Pierre Rabhi[16], entre outros, que fazem a crítica ao modelo tecnocientífico e às propostas de crescimento que lhe estão
 subjacentes e que tantos estragos trouxeram e trazem à Humanidade: desertificação, desflorestação, mudanças
 climáticas e exclusão social.
7.        Com o Relatório Brundtland, [17]em 1987, divulga-se um princípio ético essencial na defesa do planeta e das gerações futuras. Ou seja, “um desenvolvimento ecologicamente sustentável, capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”[18]
8.        A conferência do Rio, em 1989, vai ser crucial no alargamento de toda esta problemática ecológica que obriga a uma nova abordagem geoestratégica e faz surgir a perspectiva do ecodesenvolvimento. Assim, o paradigma mecanicista que considerava a cidade como mega-máquina ou a casa como máquina de habitar, dá lugar a um paradigma emergente em que a ecologia se torna essencial. A máquina, do paradigma anterior, baseia-se no metabolismo linear que produz lixo no seu funcionamento poluente e esgotável. O ecosistema, ao contrário, baseia-se no metabolismo circular que, aproveitando as energias renováveis da biosfera, restitui nutrientes recicláveis pelo próprio ecosistema.
9.        Os trabalhos de Abel Wolmann[19] e Macdonought[20] expressam a necessidade de um novo urbanismo e ordenamento do território. O biomimetismo desenvolvido por Janine Benyus[21] pretende utilizar modelos experimentados pela natureza, aplicando-os às ecotecnologias contemporâneas. Por exemplo, a bioclimatização dos edifícios pode conseguir-se através do estudo de plantas e animais. A termiteira é um exemplo importante na aplicação da arquitectura bioclimática. Também a nanotecnologia traz vantagens substantivas pela economia de mateirias e pela diminuição do uso energético. A revolução ecotecnológica em marcha está já a revelar-se através de experiências exemplares: cidades do conhecimento, organização sinergética entre os vários sectores de produção, bioclimatização dos edifícios, concepção de acupunctura urbana, Jaime Lerner[22] que, intervindo estrategicamente em lugares singulares, desencadeia processos de dinâmicas múltiplas que afectam positivamente o território em geral. Os sistemas de biodepuração, favorecendo a reutilização de águas residuais e permitindo a compostagem orgânica para a regeneração dos solos, constituem o fundamento para a nova estratégia do desenvolvimento ecologicamente sustentável em que o pensamento verde articula a visão global com a intervenção local. Surgem assim dispositivos estratégicos que, pouco a pouco, desconstroem o paradigma mecanicista e redutor, metamorfoseando a sociedade e o território num possível mundo melhor.

Algumas imagens do powerpoint apresentado durante a comunicação.



Edifício Bedzed na periferia de Londres, do arquitecto Dumster.

Este edifício foi construído com materiais recicláveis e utiliza energias renováveis (solar e éolica). Tem tectos verdes o que permite uma bioclimatização.



A cidade de Kalundborg, na Dinamarca, é uma eco-cidade que utiliza as múltiplas sinergias das empresas e indústrias selectivamente escolhidas de modo a criarem uma inter-ajuda no processo produtivo: a água quente da refinaria vai permitir o aquecimento das habitações e ao mesmo tempo a criação de piscinas para a produção de peixes. Os resíduos de algumas empresas servem de materiais de construção. Os detritos orgânicos dos animais servem de compostagem para a bio-regeneração da agro-ecologia utilizada em Kalundborg.



Freiburg – Alemanha. Nesta cidade as populações desempregadas que pertenciam a um centro de aeronáutica foram reorientadas na sua formação profissional, dedicando-se à produção de sistemas solares (termo e fotovoltaico). A cidade de Freiburg tornou-se assim exemplar pela sua auto-suficiência energética, fabricando também protótipos para a indústria.


  

Curitiba – Brasil. Uma campanha de eco-cidadania permitiu a organização das populações na recolha e separação dos “lixos”. Com efeito, os lixos tornaram-se riqueza, como nutrientes para a agro-ecologia e materiais reciclados e reutilizados no processo produtivo da cidade, graças à recolha e selecção feita pelos cidadãos.


A energia solar permite múltiplas utilizações, tais como termo e fotovoltaicas.
O exemplo dum forno solar térmico permite múltiplas utilizações. Em Marrocos, está a ser construído um forno solar que permitirá a produção de cerâmica e o funcionamento de uma padaria.



  
Exemplos de ecotransportes. Um barco solar fotovoltaico, no lago Constança entre a Suíça e a Alemanha e um carro de ar comprimido que é utilizado na cidade do México como táxi do estado.



A arquitecta ANNA HERINGER EIKE ROSWAG construiu uma escola primária no Bangladesh que ganhou o prémio Aga Khan de Arquitectura. Este edifício é totalmente construído com adobe e bambu e contou também com a ajuda das populações.



Ecoarquitectura de Simón Velez. Este arquitecto constrói essencialmente com bambú, através de um processo especial que permite a longa duração, resistência e a sua reciclagem.




East-Gate Building - Zimbabwe
Edifício bioclimático baseado nos estudos do bio-mimetismo em que as termiteiras servem de modelo para a manutenção da temperatura.



 Edifício bioclimático, nos E.U.A., através da vegetação que funciona também como biodepuração das águas residuais.



Biodepuração no lago Vitória, com a utilização de jacintos de água, que servem para depurar o lago e ao mesmo tempo fornecerem biomassa para múltiplos usos (compostagem agroecológica, produção de celulose para papel e móveis). Os jacintos de água são recolhidos sistematicamente, através de barcos especiais, evitando a infestação.



Em Freiburg e em Perpignan, graças à profusão do uso da energia solar, pretende-se produzir mais energia do que aquela que as cidades consomem. Assim, o objectivo é criar uma cidade de energia positiva que bastando-se a si própria, consegue vender energia para o exterior, capitalizando os investimentos realizados nos protótipos.


Em resumo, contactei com investigadores, docentes universitários e instituições no sentido de colaborarem com o CEAUP através da realização de protocolos (CE.DO; ADRA);
Organizei um dossiê de documentação e recolha em vídeo de diversas visitas de estudo (deserto do Kuroka, Luanda, Namibe, Benguela, etc.)
Esta missão teve como objetivo prioritário as conferências sobre a ecologia na luta contra a desertificação, a abordagem ecológica e o território, no deserto do Namibe e em Benguela, respetivamente, bem como a entrega de propostas de protocolo à ADRA (Ação para o Desenvolvimento Rural e Ambiente) e ao CE.DO (Centro de Estudos do Deserto). Este objetivo foi cumprido.
Também se estabeleceram contactos com diversas personalidades de reconhecido mérito científico e cívico, (presidente, diretor e secretário da ADRA) (presidente do CE.DO) no sentido de promover parcerias que podem assumir diversas modalidades, nomeadamente no apoio do CEAUP a investigadores e docentes em Angola assim como a participação de investigadores e docentes de Angola nas atividades do CEAUP em Portugal.
A missão permitiu, ainda, a recolha de informação que contribuirá para o aprofundamento e consolidação dos objetivos do Projeto.
No entanto, esta rede de relações é ainda muito insípida para se poder considerar um passo decisivo na construção dum projeto concreto.

Sábado, 13 de Março 2010
Depois destas atividades de âmbito universitário como investigador do CEAUP, fui convidado pelo arquiteto Romeiras a dar as minhas sugestões acerca da intervenção arquitetónica para Muxima, ou seja, a construção duma igreja prevista para aquele local.
Por se tratar de um assunto de valor simbólico e espiritual para Angola e por sentir que mexer nesse território, tão especial e tão significante, merecia um retorno àquelas paragens que sempre guardei na minha memória, partimos naquele sábado de manhã.
Percorri demoradamente as ruínas da Fortaleza de Muxima, do séc. XVI, e do cimo da colina olhei a paisagem deslumbrante do rio Kwanza com a floresta verdejante a envolvê-lo. Depois desci até ao templo, percorrendo demoradamente a aldeia e as margens do rio. Apercebi-me que o “genius locci” daquele lugar precisava de ligar a memória do tempo e a força telúrica do espaço, numa sinergia que explicitasse o símbolo espiritual dum povo na história da humanidade.
Caracterizar as linhas mestras para um planeamento daquele lugar é reforçar a sua força ecológica através da plantação de novas árvores no seio de Muxima. É trazer a água do rio fazendo-a serpentear no interior da própria aldeia. O resto é apenas reorganizar a colina com os seus valores patrimoniais da história e os seus significados múltiplos num grande cenário que permita guardar a memória mas, ao mesmo tempo, abrir-se para a criação “inovadora” do futuro.
Por isso, por detrás da fortaleza, como uma aurora futurante, surgiria uma “dome” ou “zome” gigante que, envolvendo em espiral aberta as árvores sagradas de África, como as molembeiras e os imbundeiros, simbolizam as raízes da terra e do céu num abraço simbólico que consagra a vida dos homens.






Para religar passado, presente e futuro importa articular a força patrimonial dos monumentos com a força natural da paisagem onde o rio com meandrizações entrando pelo aldeamento de Muxima, criaria a possibilidade de jardins filtrantes tornando potável a água do Kwanza e regando hortas e pomares para usufruto dos habitantes e dos peregrinos. Imaginei mesmo, para além duma estação portuária um hangar moderno para um dirigível solar para transporte de passageiros, marcando assim, fortemente, um símbolo de ecodesenvolvimento em Angola.



Jacinto Rodrigues

[1] Descrevi essa experiência no livro editado pela Profedições Sociedade e Território – Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado, Porto, 2006
[2] Africana Studia, Revista Internacional de Estudos Africanos, nº 10, Porto, 2007
[3] Esta comunicação veio a ser publicada na Revista Angolana de Sociologia, RAS, nº7, Luanda, Junho de 2011
[4] Vernadsky, W. I. “La biosphère”, Ed. Librairie Félix Alcan, 1929
[5] Kuhn, Thomas “The Copernican revolution: planetary astronomy in the development of Western thought”, Harvard University Press, 1957.
[6] Idem “The structure of scientific revolutions”, University of Chicago Press, 1964
[7] Von Bertalanffy, Ludwig “Teoria Geral dos Sistemas: Fundamentos, Desenvolvimento e Aplicações”, Ed. Vozes, Brasil, 1975
[8] Morin, Edgar “La Méthode” Ed. Seuil, 1977…
[9]Bateson, Gregory “Steps to an ecology of mind” University of Chicago Press, 2000
[10] Rosnay, Joel de “L'aventure du vivant” Éd. du Seuil, 1988
[11] Dumont, Renné “L'Afrique noire est mal partie”, Ed. Seuil, 1966
[12] Ellul, Jacques “La technique ou l'enjeu du siècle”, Ed.Knopf, 1964
[13] Roegen, Georgescu “La décroissance: entropie, écologie, économie” Ed. Sang de la Terre, 1995
[14] Passet, René “L'illusion néo-libérale” Flammarion, 2001
[15] Latouche, Serge “L'autre Afrique: entre don et marche” Ed. A. Michel, 1998
[16] Rabhi, Pierre “L'offrande au crépuscule: témoignage”, Ed. Editions de Candide, 1989
[17] Brundtland, Gro Harlem “Our Common Future”, NY, United Nations,  1987
[18] Idem
[19] Abel Wolmann foi professor de Engenharia em várias Universidades dos Estados Unidos da América e responsável pelo departamento de Água.
[20] McDonought, William e Braungart, Michael “Cradle to cradle: remaking the way we make things”, Ed. North Point Press, 2002
[21] Benyus, Janine M. “Biomimicry: innovation inspired by nature”, Ed. Morrow, 1997
[22] Lerner, Jaime “Acupunctura Urbana, Editora Record, 2003

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Entrevista de Cláudio Fortuna a Jacinto Rodrigues - Angola 2010


O Dr. Jacinto Rodrigues, é professor catedrático da Universidade do Porto, fez a sua formação em França em sociologia das cidades, onde se iniciou nas lides académicas, actualmente leva a sua vida académica orientando conferências e aulas magnas, o seu campo de estudo tem haver as questões ambientais, aborda com regularidade as questões ligadas a ecologia, a ecosofia e a eco cidadania, é internacionalmente conhecido como professor da disciplina de eco-urbanismo, esteve em Angola para orientar uma palestra aos estudantes de Antropologia da Faculdade de Sociais da Universidade Agostinho Neto, no deserto do Kuroca (Namibe), numa iniciativa do Centro do Estudos do Deserto, o Semanário Angolense mantive uma conversa com este académico, com o fito deouvir a sua virtude de razão, em torno da questão da desertificação do Kuroca, quisemos conhecer à sua apreciação em torno da problemática da água e do saneamento básico no planeta, ainda como urbanista procuramos ouvir as suas recomendações em torno do mega projecto do executivo para esta legislatura, que é o de construir um milhão de casas.

S-A- Professor Jacinto Rodrigues, encontramos-nos aqui no Kuroca, Município do Tombua, província do Namibe, esteve cá a falar sobre a questão do Ambiente e sobretudo da desertificação que ocorre aqui neste deserto, gostaríamos que nos fizesse uma súmula das grandes questões abordadas nesta conferência com os nossos Antropólogos, e estudiosos doutras sensibilidades académicas.
J.R- Bom, o que eu abordei fundamentalmente, foi esta ideia de saber o que é a visão ecológica hoje do mundo em relação a situação que estamos a viver, nós descobrimos que há um sofrimento muito grande do planta, há grandes mudanças climática que toda gente hoje começa a saber e a sentir na pele, grandes problemas relacionados com a desertificação, e com a desflorestação, os problemas da água são hoje em dia problemas tão prementes, que afectam à vida de milhões, para não dizer mesmo de biliões de pessoas, que são afectadas por este contexto do nosso planeta. Ora bom! Temos que saber, que há uma parte destas mudanças que se passam no nosso planta, que resultam naturalmente de mudanças naturais que o próprio planeta vem sofrendo, mas nestes últimos anos, nós temos vindo a descobrir, que muitas das grandes modificações resultam não apenas das questões relacionadas com a própria biosfera na sua lógica interna, mais tem a ver com a intervenção do homem, o homem como a gente, sabe é ser uma extraordinária grandeza não é? Mas também por inconsciência, por problemas de desconhecimento, problemas enfim históricos, foi ele também um dos mais graves predadores do planeta, e esta situação de predador que a humanidade foi assumindo porque perdeu justamente à relação com a importância da natureza, através de uma tecnosfera que eu tenho sempre insistindo, que é uma tecnosfera baseada em energias fosseis, uma tecnosfera que é de poluentes que têm vindo a contaminar os solos, a atmosfera, e as águas, e também por uma organização social de exclusão, que faz com que cada vez mais o fosso entre os ricos e pobres, seja cada vez maior, todo este fenómeno de destruição, de estruturação inclusivamente da relação entre o homem e a natureza, tem vindo a efectuar-se nestes últimos tempos, foi disto que eu falei um pouco, mais também apelando para aquele aspectos extraordinários que estão dentro do homem, que são a possibilidade de ele construir um mundo melhor, e é o que eu tenho dito, já há muitos dados científicos, já há conhecimentos de uma outra tecnovia, a chamada eco-tecnovia, já há outras possibilidades de pensarmos na civilização, num outro modelo, isto é, já há suficientes dados para nós começarmos a pensar num paradigma novo, porque vivemos sobre a égide de um paradigma mecanicista, que muitos cientistas chamam de paradigma Newtoniano, que foi marcado por uma ciência que começou a surgir no século XVI, que teve aspectos positivos, mas que se fixou numa concepção da chamada Matésis, que teve à Matemática como a única explicação possível e explicativa do quantitativo, esta visão que muitos Sociólogos chamam de a “ Quantofrénia” isto é a mania da quantidade, e não perceberam que a humanidade, tem outros aspectos de qualidade subtis, e isto fez com que a racionalidade tão necessária, passasse a ser um racionalismo ideológico, e aqui há uma diferença que é preciso realmente distinguir, ente a racionalidade que é o serviço da razão que pode inclusivamente pôr – se em causa, a ela própria, nós através da racionalidade conseguimos inclusivamente tentar avaliar à nossa própria razão, ao passo que o racionalismo é uma aplicação sistemática e mecânica da razão, mas de maneira que ela se transforme, em ideologia sem se pôr em causa. Ora, toda filosofia contemporânea assenta da sua grande importância na epistemologia, e a Epistemologia é a capacidade que a razão tem, de puder pensar o seu próprio pensamento, isto é de se centrar sobre uma racionalidade que põe sempre em causa, que levanta problemas, que suscitam constantes evoluções no processo de pensamento. Portanto, este é um aspecto que pretendo defender da melhor maneira. Agora à ecologia trouxe estes aspectos, trouxe a possibilidade de nós nos situarmos no seio de todo este contexto da biosfera, e começamos a olhar a hipótese de uma outra via, uma outra via urbana, se calhar a via urbana ou industrial que tivemos, já não é susceptível continuar, porque hoje encontram-se numa situação negativa, pelo que se pode imaginar rapidamente que é impossível a ver outra saída, isto é a minha ideia e aquilo que defendo para mim é muito claro, é que não preciso de andar para trás, e julgar que a saída está em andar Para trás, não! O que é muito claro para mim, é que nós temos que ir para frente no sentido de descobrir um novo mundo, que seja melhor, é possível um mundo novo e melhor, esta é a minha afirmação, e hoje já há muitos dados que vão para este sentido,
SA- Professor, gostaríamos de ouvir de si enquanto investigador, as possíveis alternativas para se debelar os problemas da desertificação aqui no Namibe?
J.R- Bom! Este é um problema que em primeiro lugar, temos que ver com cautelas, não se pode avançar com uma solução assim de imediato, sem um estudo prévio e fundamentado, porque nas questões ecológicas como eu tenho dito muitas vezes, tudo é interactivo, tudo se interliga umas coisas com as outras, e quando a gente mexe numa coisa pequena tem repercussões não é? Até mesmo aquilo que alguns cientistas chamam de “efeito borboleta” o que é o efeito borboleta? É que muitas vezes nós pegamos numa coisa que julgamos que é insignificante mas que se multiplica e tem efeitos espectaculares que a gente desconhecia não é! Portanto, é como nós não descobrirmos que mexer em determinados microrganismo, depois de repente vemos que ao termos liquidado estes microrganismos, na chamada pirâmide alimentar, vamos criar problemas muito graves a nível de varias espécies não é! Portanto, temos que trabalhar cautelosamente quando tomamos em mãos o problema da ecologia, cautelosamente quer dizer que isto não pode ser um reducionismo, e nós não estamos dentro de uma maquina, o deserto não é uma maquina, o deserto é uma realidade de complexidade, e eu tenho estado a chamar atenção que na ciência ecológica é a complexidade, é a sistémica, é a visão holística, globalizante mas também é acção local que dá a ecologia uma abrangência e simultaneamente uma preocupação pela minuciosa, aquilo que é a tese de um filosofo francês Joelis Rosiné, que dizia que temos que ter um olhar simultaneamente telescópico, para longo prazo, microscópico para curto prazo, visão restrita, analítica e mais pontilhada e também macroscópica que é a capacidade de nós, a curto, médio e longo prazos vermos sempre a realidade, e vermos a sua realidade naquilo que é a metamorfose, o tempo, o tempo e o espaço, que são fundamentais para se perceber que não há conceitos estáticos, tudo evolui, a historicidade das formas, que os filósofos chamam de “morfogénese genética” o Edgar Mourangue, trabalha muito sobre estas questões, as formas que evoluem, porque nos processos vivos, à metamorfose é a característica dos processos vivos, nos animais e nas plantas, há mudanças. Ora bom! E aqui neste deserto do Kuroca, não foi sempre assim, isto teve uma outra realidade, nós sabemos que este espaço sofreu uma evolução especifica, que já foi mar, depois foi floresta, nós sabemos que este lago aqui que está a nossa frente foi uma floresta. Portanto, esta metamorfose, ou seja esta morfogenese complexa que nós assistimos, temos que a estudar como é que foi? Porquê que está diminuir? Porquê que estes solos estão a desertificar cada vez mais? Porquê que a lagoa já é menor?
Bom, pode a ver questões que a gente deve estudar, pode ser que em alguns casos, tenha havido períodos de tempos mais quentes, mas acho que já é tempo de se perceber que isto tem uma lógica e que se está seguir um caminho, que está ter um sentido, se a gente descortinar este sentido global, vamos ter que ver então, como actuar, eu ainda não tenho certezas do que estou aqui a dizer, porque esta é a segunda vez que cá venho, ainda estou digamos que a fazer observação, e é preciso ter aqui equipas de estudos, não se pode fazer uma regeneração desta forma do deserto, até porque é muito difícil trabalhar com o deserto, tive o privilégio de estar em Marrocos com um eminente especialista das questões do deserto que foi o Pierre Raby, ele demorou anos e anos a trabalhar nas questões do deserto, à questão da terra e da agro ecologia, para começar agora a ter efeitos positivos na luta contra a desertificação, e com ele aprendi pelo menos isto, que se nós não quisermos que o deserto avance, temos que preservar toda biomassa vegetal que aqui está, ela é pouca, temos é que aumentar, e temos sobretudo que lutar contra aquilo que está acontecer, eu estou a ver todos os dias agora, e porque já é segunda vez que cá venho, que a biomassa está diminuir, é evidente que nós não podemos culpabilizar as pessoas que vivem aqui, porque elas vão cortando aquelas árvores que quando viemos do caminho da estrada para aqui, pude ver que as pessoas usam aquilo como meio que lhes permite cozinhar, nós podemos dizer assim, eh pá! Vocês não podem cozinhar, não! Eles têm que cozinhar, a gente tem que arranjar uma alternativa para que eles cozinhem sem ser com a destruição das árvores, porque estas árvores, eles nem têm consciência que são preciosas para manutenção do equilíbrio ecológico, que está aqui a caminhar para um grande desequilibro, isto é uma ferida, o deserto é uma ferida. Então como é que vejo a hipótese de fazermos isto? Vejo a hipótese de fazermos isto, com o uso da energia solar, nós através de fogões solares pequenos, distribuídos nesta área, podemos encontrar por ano, toneladas de biomassa que são usadas e as vezes esbanjadas nas formas como se faz aqui fogo, aqui por vezes pelo menos dez pessoas têm consciência que não podem esbanjar esses meios, não estou a dizer que não estaremos diante de uma pessoa que esbanja esses meios, mas se compararmos com a possibilidade de termos uma energia que é completamente limpa, para resolver o problema do aquecimento para as refeições, acho que este é o primeiro passo, é um paço profilático, quer dizer, acabar com a destruição da biomassa, depois através este uso, correspondendo as necessidades das pessoas, mais energias renovadas, para uso por exemplo com o vento, eólicas, podemos nós meter também aqui electricidade, podemos nós melhorar por exemplo, eu tenho estado a defender, no segundo aspecto da questão é criar dumas pequenas hortas, umas pequenas árvores aqui em baixo, que são mas diminutas, existem alguns processos de utilizar a água, de forma mais racional etc. Então nós temos alguns processos de utilizar elas de uma forma mais Nacional, porque estas pessoas, inclusivamente vir primeiro por ter desconhecimentos, com referência que por vezes não é a melhor, tendo algum esbanjamento na rega aqui no deserto, particularmente no deserto, é adequado usarmos a rega a gota a gota, porque ela é até mais eficaz para a biomassa verde. Porquê que é mais eficaz? Porque quando se rega com água assim exposta há uma evapo transpiração, há uma digamos, uma evaporação imediata, e em poucos, minutos com as temperaturas aqui tão altas, com solos tão friáveis, esta água desaparece simultaneamente, e portanto as plantas não chegam a usufruir desta possibilidade de resolverem a sede delas não é? Quer dizer de poderem ter a possibilidade de apropriarem-se desta água que é tão fundamental para vida. Então a gota a gota tem esta vantagem, é que ela como tem um ritmo extremamente pequeno, acompanha o ritmo da capacidade de retenção pelas reticulas das raízes desta pouca água que vai se perdendo. A luta contra a desertificação daquilo que pude apreender, não só teoricamente, mas também como já disse aproveitando a ensino deste mestre que é o Pierre Rabi, durante pouco tempo, mais pelas leituras das obras dele, e pelo que ele tem feito, vi por exemplo numa zona do deserto que o Pierre Rabi, para além desse cuidado na gestão da água, para além do cuidado da luta e se evitar que se use as plantas, ele introduziu um programa que acho que pode ser usado aqui também no Kuroca, agente pode fazer, é por exemplo criar condições de brio-regenerar os solos, as pessoas podem ficar um bocado espantadas, e dizer mas o que é isto de tornar a fazer com que os solos, ou o deserto que a gente aqui vê, como é que isto pode tornar-se com a obediência para permitir isto? Ora bom! Eu vejo isto da seguinte maneira, vejo por exemplo, tudo aquilo que são os detritos orgânicos que estas pessoas fazem com os chamados lixos nas refeições e fazem com os dejectos dos animais, os dejectos humanos, enfim todos os detritos orgânicos, esta foi uma das maiores lições que aprendi na minha vida com o Pierre Rabi, no deserto, se nós conseguirmos computar todos estes detritos, e se descobrimos que depois da compostagem, estes detritos orgânicos fermentados transformam-se em húmus, que são um factor essencial para à bio - regeneração dos solos. Isto não é muito difícil de se obter, as transformações deste género, por exemplo com latrinas ou toalhetes se quisemos, especiais que podem ser receptáculos das matérias orgânicas fecais dos animais, mas também estão as tabulações que permitem que os detritos dos animais se venham a misturar aos detritos dos orgânicos que são canalizados, em vez de se mandarem para um sítio qualquer, ou fossas e ficam ai enterradas etc, etc. Nós podemos fermentar palhas que se podem constituir em biomassa, que é fermentada, e que transforma-se em riqueza, que vão aparecendo nos primeiros microrganismos, os elementos necessários para se trazer uma massa altamente rica, que por vezes as minhocas aparecem em quantidades imensas que são essenciais para fazer respirar os solos etc. A groecologia, é hoje uma ciência fabulosa e é preciso ligar tudo, os insectos que polinizam, as tais minhocas que são essenciais que existam nos solos, a questão da simpatia entre o processo das plantas, e o de saber exactamente a sua fermentação na compostagem, se faz então, sem se perder nada. E isto como digo deve-se acompanhar da regra da gota à gota, nós conseguimos verdadeiros prodígios. Estou convicto de que neste local em onde estamos, neste areal que hoje se encontra completamente sem vida, que é a volta aqui destas casas e árvores se estivessem já grandes não é? E se houvesse aqui a possibilidade de termos aqui dejectos concentrados num determinado sitio e se nos fornecesse o tal húmus não é! Se nesta zona aqui tivesse canteiros e hortas, com a água ai próxima, esta se gestão da água fosse feita de uma forma de inteligência verde, que é um termo que temos que desenvolver cada vez mais, a inteligência verde deve ser entendida como a capacidade da nova eco-Sofia, que é o novo saber do que nós aprendemos com a ecologia. Então, nós podíamos invés de termos aqui uma urbanização ainda nos moldes da chamada arquitectura da casa maquina, nós podíamos ter um ecossistema vivo, e talvez progredirmos cada vez mais para que haja uma vitalização desta área não é? Para que a população viva melhor, mas isto é o que sempre chamo atenção nos encontros que tenho tenho tido aqui, é que esta acção consciente e construtiva daquele homem que reconheceu e que pode ter sido predador noutras épocas, pode aqui ter a possibilidade de se mostrar justamente como o construtor de uma vida melhor para as populações, mas também há o gesto moral, que é o de quem sabe que trabalhando aqui localmente na vitalização deste sitio, estamos a trabalhar globalmente na melhoria do planeta, esta responsabilidade social, esta nova forma ética de estarmos na vida, em que percebemos que somos todos solidários e que a vida das nossas gerações futuras sobretudo, dependem do que fizemos hoje, acho que é um trabalho fantástico que temos entre nós. Portanto, isto parece ser uma tragédia, esta secura, logo é um desafio.
SA - Hoje segundo alguns estudiosos “futurologos” aventam que as próximas guerra no mundo resultará da problemática da água, de uma maneira geral como é que vê a questão da distribuição da água em Angola professor?
JR- Bom! Eu também aqui teria que estudar melhor, não sou um especialista das águas, mas sei que a água é um elemento fundamental no processo ecológico e nas relações sociais, Angola representa a nível de África, suponho, que o segundo país mais rico em água, portanto é um pais que na questão hidrológica é muito rico, graças ao grande planalto central e toda quantidade de rios que dai surgem, da imensa coração de Angola, nós temos uma distribuição de rios que é absolutamente fabulosa, mas isto deve chamar-nos atenção para por um lado, da responsabilidade que temos neste aspecto, e por outro lado, o cuidar disto de uma forma sagrada, porque estas coisas rapidamente podem desaparecer se tivermos uma governação social errada, se tivermos uma maneira de tratar os rios incorrecta, muitas vezes existem barragens que são inconvenientes, há intervenção de poluição que podem destruir imediatamente as riquezas dos rios, e isto temos que cuidar de uma forma quase, que direi religiosa, e depois nós temos uma geopolítica muito especial, aqui nesta área não é porque temos as grandes reservas de água de África, que também estão noutros países, alguns deles em que à gestão foi mal cuidada, e que surgiram fenómenos que provavelmente não são da responsabilidade dos povos locais, mas justamente como resultado das mudanças climáticas a nível mundial por exemplo, em que os seus responsáveis muitas vezes não estão no continente africano, a maior parte das vezes não estão no continente, a responsabilidade não é dos africanos, a responsabilidade da contaminação das mudanças climáticas é sobretudo dos países mais desenvolvidos e industriais.
A África é vítima é neste sentido, por ter sido vitima desta pegada ecológica gigantesca que o mundo urbano industrial fez sobre a África, deve exigir a solidariedade dos outros povos para com o continente Africano, que foi mais uma vez repito vitima do processo urbano-industrial. Mas isto não dispensa, a responsabilização dos governantes e das pessoas ou seja das populaçõeslocais, todos nós temos que estar nesta mesma campanha solidária, e não devemos produzir os mesmos erros que aqueles que produziram, ainda estamos a tempo creio de mudarmos à orientação do paradigma não é! Repito sempre esta noção do paradigma que representa os hábitos de testar a tecnologia duma determinada época, mesmo que este paradigma seja sempre contraditório, que de uma forma dominante instaurou-se num modelo que é inconveniente para o planeta, e este modelo tem que ser substituído. Então, o modelo que vejo desta gestão da água, em relação aos povos que estão aqui a volta de Angola, estou a me referir concretamente a África do Sul, que é o pais mais populoso do continente, mais que da parte Africana integramos também a Namíbia, com maior dificuldades em termos hidrológicos, então, há aqui também como uma grande polaridade, uma grande contradição que tem que ser estudada, não apenas sob o ponto de vista administrativo, mais sob o ponto de vista ecológico, sob o ponto de vista geopolítico, sob o ponto de vista cultural, sobre o problema da cidadania, da eco cidadania, em que é preciso ter solidariedade para com estes povos, que estão sedentos de necessidades de água, mais é preciso também apelar-se a uma responsabilização, não se pode a ver uma partilha que não seja distribuída de uma forma consciente.
SA- Qual é a sua visão entorno da questão do saneamento básico em Angola?
JR- Já que estamos a falar da política da água e do saneamento básico não é, é assim, como sabe o saneamento básico é ainda usado de uma forma dominante nas sociedades, é um saneamento básico que tem as suas raízes no saneamento digamos que, Romano, o que é que foi o saneamento em Roma? Foi o chamado esgotos, as latrinas humanas, foram eles que apareceram e foi uma evolução, em relação ao anterior, mais estou a falar daquilo que conheço sob o ponto de vista ocidental, que foram as canalizações das retretes quase que eram lançadas para uma grande posse que havia em Roma, que se conhece historicamente por cloaca máxima,era um local onde havia uma espécie de logomagem pestilenta, de resto os escoamentos de todos os esgotos iam lá parar, embora Roma tenha sido uma metrópole muito habitada, rapidamente começou a ter os efeitos da poluição, nos rios, toda aquela poluição mundial deveu-se a uma demografia muito menor, pelo que não eram vistos, os escoamentos dos rios que passavam mais facilmente, as populações se concentravam em determinadas Cidades ou metrópoles de uma forma geral a disseminação dos povos não tornavam tão visíveis esta contaminação, o que quero chamar atenção, é da fundamentalmente da forma da poluição orgânica, cujos os efeitos de contaminação tóxico que vieram fundamentalmente com a indústria, não eram tão perversos como vieram a ser nos dias de hoje, porque todas as poluições provenientes dos organismos orgânicos, têm inclusivamente a possibilidade de serem recuperados pelas plantas, árvores e algas etc. É a partir do séculos XIX e XX, que a poluição tóxica, ou seja à contaminação radical matou e destruiu sobretudo os organismos não é recicláveis, e estas são as características das sociedades urbanas e industrial, é ai onde temos que pôr o dedo na ferida, é desta poluição que é fundamental falar, porque esta sim é que é grave, e muito difícil de se resolver, quanto a poluição orgânica do saneamento é fácil de se resolver, vou entrar em pormenores, digo que é fácil e barata, passa apenas pela decisão e vontade politica, bom! Um dos mais simples sistemas, simples apesar de algo complexo, é a bio depuração, quer dizer o uso da ecologia como ciência e como conhecimento para resolver o problema do saneamento dos lixos orgânicos que são os saneamentos básicos normais das populações, os que vêm das residências e não só. As posições das fabricas também se pode ver sob um ponto de vista da bio depuração, mas os ecologistas distinguem a bio depuração da bio regeneração, são dois conceitos da tecnologia do tratamento das águas residuais dos afluentes urbanos industriais, para os afluentes domésticos fundamentalmente orgânicos, com os detritos alimentares as excrementos, a bio depuração é simplesmente conseguir canalizar esta massa ou biomassa orgânica, permitindo que ela seja composta, e depois com um sistema de lagunagem, com algas e plantas especiais que são capazes de regenerar imediatamente, estas águas usadas, porque são plantas como por exemplo o Jacinto de água, que é utilizada em larga escala nas lagunagens bio-depurativas, esta planta rapidamente consome o material fertilizante e deixa a água quase que intacta, e se nós utilizarmos outro tipo de planta de depuração e impuraçâo, podemos fazer jardins filtrantes, e termos que usar muitas vezes, as lagunagens com temas diversificados que de etapa em etapa, de lago para lago, vão se depurando cada vez mais, e as plantas ou as águas residuais, quer dizer deixando uma biomassa que serve depois para os fertilizantes naturais para agro agricultura, que é uma riqueza para a terra, e para bio regenerar os solos, que podem como disse servir de solução aqui para o Koruca, e aquela água pode ser outra vez reaproveitada, porque ela sujeita-se à depurações sucessivas biológicas, desde que introduzidas no sistema, porque o que preciso é pensar a Cidade, pensar os esgotos da Cidade, pensar o sistema de saneamento num processo de metabolismo circular, fazer com que aquilo que nós utilizamos volta a ser reaproveitado graças a sua reciclagem bio-depurativa, este circuito faz com que nós possamos meter num ciclo, como é alias o ciclo natural, a água que vai para o céu e volta a cair em chuva, este ciclo normal da água, é o ciclo que nós temos que adaptar nos solos aqui, mas criando situações que haja bio- depuração senão, não temos água a não ser as águas residuais, e esta é uma politica que temos que adoptar em geral para todos os lugares, caso contrario à água e como sabe a água potável no planta é muito pouca, nós temos muitas águas mais são salgadas, é por isso que muitas pessoas e com uma certa razão, estão agora a pensar que é preciso dessalinizar as águas dos mares, eu acho que pode ser uma hipóteses em determinados sítios, por exemplo nós estamos a trinta quilómetros do litoral, há aqui uma grande quantidade de povos que ao longo deste litoral que também é muito seco, que através da energia solar também era possível fazer a retenção e sobretudo a dessalinização da água do mar. Quanto a bio- regeneração, para os chamados contaminados tóxicos, que fazem com a gente tenhamos que distinguir justamente uma politica de lixos, e politica de nutrientes, os “lixos” provenientes da actividade domestica residuais orgânicas, não são lixos propriamente, são ingredientes, são nutrientes para as plantas, portanto, isto é fácil de se resolver, pela compostagem, não são perigosos se forem composta, estes lixos são riqueza, como dizem lá em Curitiba no Brasil, o Jaime Lervani que foi presidente daquele Município, estabeleceu esta palavra de ordem (Lixo é Riqueza), e ele conseguiu com isto mobilizar as populações organizar justamente uma colheita daquilo eram lixos orgânicos, porque as populações sabiam bem que aqueles lixos orgânicos eram riqueza, por isso é que ele juntou, já escrevi sobre isto em Jornais e Revistas sobre este assunto, ele juntou as aspirações dos povos de querem ter uma terra limpa, com as respostas e necessidades dos próprios povos, porque ao recolher estes lixos que eram entregues pelas populações cuidadosamente, são nutrientes, o Jaime Lervani, presidente da Câmara, dava em troca produtos da Quinta Municipal, como a batata, cebola etc. Que eram uma espécie de cooperação, de assistencialismo do presidente da câmara em relação aos moradores, havia uma espécie de recíproca cooperante e complementar entre o apoio dos cidadãos, quedavam a comunidade, o mesmo se passava com o papel por exemplo que era entregue a câmara através dos carros de lixos, depois era entregue aos cidadãos em forma de cadernos, dependendo das quantidades.
SA- Professor Jacinto, enquanto especialista da disciplina de eco urbanismo, e atendendo ao facto de o Governo Angolano ter prometido para esta legislatura edificar um milhão de focos, na sua condição estudioso que recomendação daria ao Governo angolano, em termos de sensibilidade, nesta frente de urbanização de Angola?
JR- Olha esta pergunta é muito importante, é evidente que precisaria de reflectir mais tempo, ver as condições reais da sociedade angolana, estudar melhor as condições de distribuição da habitação etc.
De qualquer maneira, e em termos essências, há uma coisa que acho que era particularmente importante actuar, segundo estas três linhas, que vou defender, a primeira linha é se realmente são as moradias, mais moradias no sentido de serem integradas num espaço envolvente, num território que sirva como uma espécie de ecossistema estas casas que se encontram justamente no território. Por outro lado, é que estas moradias não são independentes da formação das pessoas.
O segundo aspecto é que além das moradias, é preciso que haja cidadania, e no processo destas moradias, o que é que entendo com este aspecto? O princípio essencial seria o da participação das populações na construção das casas, os utentes não podem estar exteriores a construção das casas, os utentes são decisivos para compreenderem e porque arquitectura e o urbanismo não são mera técnicas, mas sim verdadeiras formações de cidadania, na consciência de que o utente, é também ele o criador do seu próprio processo onde habita.
O terceiro princípio é o de orientar para além da moradia e cidadania, é a coluna da ecologia. Portanto, para mim estas três linhas são fundamentais, repito, moradia, cidadania e a ecologia.
Ecologia porquê? Porque hoje é impossível pensar nos espaços construídos pelas pessoas que não seja ecologicamente realizado, depende do sistema de relação com a natureza com a técnica, depende do material utilizado para construção das casas, depende da bio-climatização que é necessária para as casas gastarem menos energia, os materiais, a reciclabilidade, o sistema sanitário, o sistema das águas residuais, tudo isto tem que tem que ser visto sobre o ponto de vista ecológico, e também de uma forma muito concreta, o problema das energias renováveis, esta sustentabilidade que é essencial fazer-se na base das energias renováveis, é essencial, para complementar estas três colunas que afinal se juntam na mesma visão holística. Hoje as casas não podem estar isoladas da natureza envolvente, a cidadania não pode estar alheia das questões da moradia que é bastante importante, porque à cidadania também tem relações com a produção com os consumos, e as moradias não integram o seu próprio processo, com a possibilidade de dialogarem entre as sociedades envolventes, no comercio nas estruturas profissionais etc. São como elefantes brancos que ficam separados, depois não respondem as necessidades que são múltiplas dos cidadãos, e ecologia porque hoje é impossível se nós quisermos defender o planeta e se quisermos ter um desenvolvimento ecológico verdadeiramente sustentado, a ecologia tem que ser o quotidiano das pessoas.
SA - Pode-se falar de esgotabilidade, em termos de ocupação do espaço professor?
JR- Sim, porque pode haver sobretudo por exemplo, quando as pessoas não pensam na descentralização territorial da população, se nós pensarmos apenas no crescimento centrado nas mega -polis, a esgotabilidade do espaço é também do cansaço das pessoas, como o problema da saúde, o problema do desequilíbrio, o problema da violência tem muitas vezes a ver com isto, com esta concentração excessiva, é que eu penso muito sinceramente que também tem a ver com a esgotabilidade do território, é preciso que a população seja distribuída, é necessário que os sectores produtivos estejam dispersos, e também descentralizados, é necessário que justamente o território tenha um número clausulo, digamos que normal, harmónico para que as multidões não se acumulem em determinados sítios, e a desertificação seja noutros sítios, este foi o grande problema do século XX, foi uma periferia deserta e uma concentração nos centros urbanos muito forte, isto não pode ser assim porque toda nação fica desequilibrada, e quando a nação fica desequilibrada entre os cidadãos e o espaço real, qualquer coisa de grave se passa, é uma desigualdade social que se estabelece.
Por: Cláudio Fortuna
Semanário angolense
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Entrevista feita a Jacinto Rodrigues por Susana Santos Silva e publicada no seu livro O Belo e a Vida, Ed. Ecopy /Prometeu, Julho de 2010 (págs. 67 a 78)


- De que modo a ética, a estética e a cidadania têm estado presentes na vida do professor?
Eu acho que é difícil separar ética, estética e cidadania na medida em que são os 3 eixos fundamentais em que um homem se move em relação à sociedade, em relação ao seu meio envolvente, à natureza, em relação também aos seus afectos e à sua vida criativa. Vou começar pela cidadania na medida em que eu fui militante anti-fascista, fui portanto obrigado a exilar-me. Estive 12 anos em França. Considerava que a ditadura existente em Portugal não permitia, justamente, a cidadania, a intervenção na polis, de uma forma directa e participada. A questão estética, na medida em que eu vivi num ambiente familiar que foi sempre muito ligado ao problema da arte; em particular o meu irmão como artista, e a minha irmã com preocupações em relação à música. Portanto, este ambiente que me envolveu desde criança foi sempre muito importante na minha definição profissional na medida em que eu acabei por ser doutorado em História da Arte - doutoramento sobre uma escola artística, a Bauhaus. Eu pensei, justamente, que era uma escola que tinha a possibilidade de concentrar esses aspectos. Era uma escola que se pautava por um critério estético de formação, mas ao mesmo tempo por um critério ético. Foi uma escola que existiu entre 1919 e que foi liquidada na Alemanha em 1933, por intervenção, justamente, da ditadura totalitária do Hitler, do nazismo. Portanto, essa minha preocupação artística tem a ver com estes contextos todos, e com a minha preocupação a este nível. A ética, porque no fundo está tudo ligado; o comportamento pessoal, a atitude perante a vida, tudo isso faz com que, no fundo, a grande participação na vida social implique sempre um critério ético, uma axiologia, que nos obriga a decidir quotidianamente o que fazer. Nós somos sempre projectados diante de encruzilhadas, diante de enigmas, e isso obriga-nos a um critério ético, mas a um critério ... a meu ver, e isso é que é novo, não é um critério ético baseado em princípios estáticos e em entidades definidas metafisicamente, mas são critérios que têm de se fazer quotidianamente, diante de situações concretas. Não há uma ética em absoluto, como pensou, talvez, eventualmente, o Platão, que tinha critérios abstractos, em que se podia definir rigorosamente o bem e o mal. Na nossa situação, na nossa vida social de hoje, contemporânea, nós não temos esses critérios absolutos, não temos estas grandes abstracções, como ele pensava. Somos obrigados sempre à nossa circunstância, e a vida obriga-nos, constantemente, a decidir, a ter critérios concretos e, portanto, o bem e o mal são coisas que muitas vezes andam misturadas, e o critério ético, neste momento, é particularmente difícil de se obter.
a)      É um conceito individual?
Não é, mas tem a ver com a singularidade individual e tem a ver com relações sociais também, e históricas, tem a ver com situações e a circunstância. "Nós somos nós e a circunstância"[1]; não somos só nós abstractamente e metafisicamente e individualmente e subjectivamente, somos nós e a objectividade do mundo.
b)      É um valor cultural a ética?
É um valor cultural e com uma singularidade muito especial. Portanto, é sempre uma parte do eu e do tu, é um diálogo que temos de fazer, constantemente, entre aquilo que são os nossos interesses e os interesses do outro, e essa relação é que estabelece critérios éticos que ... têm metamorfoses, isto é, evoluem na história, têm posturas, posições; são difíceis, mas também não se pode dizer que sejam de total relativismo. Há hoje uma postura ... na modernidade nós tínhamos concepções muito estáticas, grandes narrativas bem afirmadas. A pós-modernidade pôs em causa esses critérios estáticos, mas eu acho que é preciso estar para além da modernidade e estar para além da pós-modernidade, criando uma procura que seja a procura de uma noção clara de justiça social, por exemplo, mas ao mesmo tempo sabendo que essa justiça social é qualquer coisa que está sempre a refazer-se, que é um processo em aberto. A nossa vida é um processo em aberto, em que as escolhas éticas são construídas e não são adquiridas, compreende? Os critérios morais antigos eram critérios que tinham a ver com afirmações, grandes mandamentos, grandes afirmativas. Nós não temos isso hoje. Estamos de alguma maneira perdidos em relação a esses critérios absolutos. Mas esse aparente estado de perca, de dificuldade, faz de nós personagens criativas e vivas, e talvez a grandeza do homem. Ele tem de se definir constantemente, ele tem de procurar os seus critérios, e esse processo de historicidade, esse processo de criação, de critérios diante do real, fazem a grandeza do homem. Ele não é submetido à sua circunstância, ele é ele e a sua circunstância, mas ele sempre pode determinar, em última instância, se é esmagado pelas circunstâncias ou se ele dirige e pode pilotar essas circunstâncias a favor dos interesses da humanidade.
c)      Como é que ele pode aprender essa grandiosidade que tem dentro dele?
Tem que estar atento, por um lado, às suas limitações, às suas fraquezas, aos seus contextos, mas por outro lado tem que estar com um princípio de esperança que pode inverter as situações. É claro que não sob um ponto de vista ... sozinho. Não solitário, mas na solidariedade com os outros, ele pode aprender, em conjunto, comparticipando na mudança social. Nós estamos a viver uma época extremamente conturbada, mas essa conturbação não deve criar relativismos e abandonos da cidadania. Deve criar uma cidadania que enfrente afirmações pomposas e até autoritárias, e muitas vezes negativas para a sociedade, tem de ter afirmações feitas com a participações dos outros. Quer dizer, através de uma discussão larga, uma "comunicação activa", uma comparticipação, como dizem os filósofos hoje, uma comparticipação com os outros, a descoberta da comunicação com os outros, numa acção comunicativa com os outros. Essa acção comunicativa com os outros é que permite critérios. Mas uma vez estabelecidos esses critérios, eles devem pôr-se em marcha no sentido da justiça social. Acho que há um movimento da humanidade pela singularidade, e há um outro desejo, que é um desejo de justiça ou de igualdade, ao nível das oportunidades, e há um outro grande desejo, um impulso que temos de fraternidade. Esses 3 impulsos, que foram a base da Revolução Francesa, continuam a estar justos, só que muitas vezes não são tratados de uma forma correcta. Tratamos da liberdade como se fosse, por exemplo, a igualdade, e tratamos, muitas vezes, a fraternidade como se ela fosse, a igualdade ou liberdade. São três instâncias diferentes. Na vida cultural, tudo o que diz respeito à vida cultural, a liberdade é o direito à singularidade, à diferença, mas no que diz respeito às oportunidades, ou aos direitos de oportunidade para toda a gente, aí devemo-nos pautar pelo critério da igualdade porque a igualdade de oportunidades é fundamental para todos termos os mesmos direitos, e os mesmos deveres, e as mesmas responsabilidade. Nós não temos as mesmas capacidades ao nível da liberdade criativa, da criação, aí temos de aceitar a singularidade, a diferença; ao nível das questões económicas, e digamos da partilha, a fraternidade é fundamental porque ela, se for igualitarismo, nem sequer é realista porque as pessoas não são todas iguais em relação às necessidades e, por outro lado, se fosse uma coisa imposta, de uma forma totalitária, essa acção não era vinda de dentro, não era vinda da nossa própria vontade, e portanto não era fraternal, e a procura da partilha tem que ser fraternal ou ela é uma imposição, e se é uma imposição não vale.
d)      Há quem não se predisponha a essa partilha
Pois, é preciso saber porque é que não se predispõem. Muitas vezes é por factores ... o condicionamento ou modelo de vida, processo social, de circunstância, mas é preciso ajudar essas pessoas que têm circunstâncias negativas a superarem essas circunstâncias negativas.
e)      De que modo é que o Professor acha que o facto de ter vivido intimamente ligado à arte e num ambiente artístico facilitou essa descoberta e essa postura na vida?
Bom, a criatividade é uma coisa essencial porque é capaz de nos mover em relação ao nada, isto é, nós temos de aceitar a aventura de viver, e a artisticidade, o que caracteriza a artisticidade é esta aventura perpétua, porque no critério científico das ciências exactas a gente move-se totalmente contextualizada pelo determinismo que nos envolvem; a arte é um processo, nunca está acabada e é sempre uma aventura. Essa forma de pensamento, e o Goetheanismo … o Goethe é um defensor dessa ideia, é que o que falta ao homem é essa aptidão de viver a aventura, não se fixar às identidades feitas, mas ser capaz de criar constantemente um processo de entidades evolutivas, e isso, é a artisticidade que demonstra isso, porque a artisticidade necessita de caos, da aceitação da insegurança na própria vida, mas essa insegurança ... ela quando é voluntariamente aceite, quando ela é, digamos, um elemento criativo é uma  coisa essencial na vida. Porque se nós nos securizarmos, se nós nos fecharmos diante do mundo como se não houvesse mais aventura, então não somos senão “cadáveres adiados, bestas sadias que procriam”, como diz Fernando Pessoa, porque o que interessa no processo criativo é a gente aceitar o risco, viver o risco como vida, sem isso não há criação.
f)        Digamos que temos que libertar o espírito? É isso que a arte proporciona?
A arte proporciona uma coisa que é: nós temos que fazer dentro de nós algum caos, porque é no caos que se estabelece a criação, isto é, nós temos que aceitar, que superar os constrangimentos. O Schiller tinha nas cartas sobre estética um conceito extremamente interessante: o artista é aquele que é capaz de lidar com a forma e com a matéria ... através daquilo a que ele chamou o impulso do jogo, "os spieltriebe" , que é um impulso do jogo, é a brincadeira, o brincar com as forças da forma que de alguma maneira nos impõem, as formas mentais, às vezes, nos impõem, abstractamente, princípios, coisas estabelecidas, não é? E por outro lado, o impulso caótico que a vida material, as coisas materiais fazem. O artista é aquele que é capaz de jogar com esta ligação quase impossível entre um perpétuo caos e uma ordem que se quer impôr; ele tem que jogar no meio. É graças a esse caos e a essa ordem, que perpetuamente está em desequilíbrio, este equilíbrio que se desequilibra para se voltar a equilibrar é que está a arte, porque senão, não há arte, há imitação, há um valor aleatório. A arte é esta capacidade de articular essas duas tendências que temos dentro de nós, não é? Libertar o espírito? Talvez seja melhor dizer, é pilotar as crises, é aceitar a crise como um factor criativo e de crescimento, de desenvolvimento, mas pilotá-las, não se deixar vencer por elas porque quando a mancha da cor começa a invadir ele não sabe exactamente para onde vai. Mas é justamente neste turbilhão destas coisas todas que a criação vai-se fazendo, porque consegue pilotar este turbilhão, consegue constantemente sobreviver ao caos que o ameaça.
g)      Nós somos todos criadores? Como é que podemos distinguir um cidadão comum de um artista?
Eu acho que é difícil distinguir. Eu acho que todos os cidadãos são artistas, só que muitos cidadãos adoptaram a postura, talvez até cómoda, ou por preguiça, de não quererem aceitar o risco de criarem, ou por razões que, até muitas vezes, são independentes deles. Quer dizer, o contexto social, pela criação do estrelato nas artes e por essas coisas todas, impediu as pessoas de serem artistas. Nós temos sempre um artista adormecido dentro de nós. Um artista, que pode não ser o da paleta ou o da escultura, porque isto tudo é muito limitado. A nossa sociedade limitou muito os artistas a algumas expressões plásticas, mas a artisticidade é a conversa, é também o estar na rua, o viver com a mulher que amamos, com os alunos, com a nossa vida profissional. Então aí, há também pessoas que têm uma actividade de artisticidade e outras que não têm, de vida, de estar na vida. Então, há aquelas pessoas que estão na vida com estereótipos, e funcionam como sempre funcionaram, as tradições, valores. E há aqueles que têm com a vida a aventura perpétua, e não têm, a priori, sítios para onde vão, não têm regras definidas, ou melhor, mandamentos, mas fazem da vida sempre uma perpétua criatividade - esses são também artistas, porque os artistas podem ser sociais. O Joseph Beuys, esse artista ligado ao movimento ... quer dizer, com ligações a várias coisas, mas nos anos 60 teve uma importância decisiva, e que agora está outra vez a renovar-se. O Joseph Beuys dizia que todos os homens são artistas nos seus vários domínios, deveriam ser todos artistas, deviam exprimir essa capacidade de fazerem da vida uma aventura perpétua, e quando as pessoas não fazem da vida uma aventura perpétua deixam a artisticidade. Agora, há artistas que deslocaram a sua actividade fundamental da artisticidade no campo plástico, então são pintores, escritores, são cineastas, romancistas, são uma série de coisas, outros deslocaram para a vida social, e fazem do acto social, do contacto com os outros, da vida deles próprios, um acto de criação, é uma paleta artística como qualquer outra.
h)      De que modo podemos distinguir a ética da estética? Será que podemos distinguir? Qual será a mais importante, a ética ou a estética?
Eu acho que não há distinção possível. Eu escrevi uma tese de doutoramento sobre as questões do ensino artístico e a minha tese é que a ética, estética e técnica têm esferas diversas de explicitação, mas elas são níveis da mesma realidade. Quer dizer, não há estética sem a capacidade técnica, operativa, de explicitá-la; portanto, a técnica está sempre presente. A estética só é estética, só se manifesta quando ela se exprime de uma forma operativa, através de meios técnicos e, também, digamos, não há nenhuma postura ética no mundo que não tenha a sua vertente estética porque nós sempre nos exprimimos, e exprimimo-nos sempre com critérios que podem ser observados não apenas sobre valores limitados a valorações quantitativas, são valorações sempre subjectivas. E esse é um elemento estético por natureza que nós temos. Não há pensamento objectivo. Nós não somos máquinas, somos seres vivos com tudo o que isso contém: sentimentos, afectividades. Enfim, o que eu acho que a espiritualidade aqui tem de especial é que a espiritualidade é a capacidade de orquestrar, de uma forma, digamos, na medida do possível, mais consciente, todos esses elementos: os elementos operativos, ou seja, técnicos, os elementos estéticos, e os elementos éticos. Ou seja, a espiritualidade permite essa articulação mais ou menos harmoniosa não é? Este Eu Superior que andamos todos à procura, que é no fundo a capacidade de articularmos os nossos sentimentos com os nossos pensamentos, as nossas acções com os nossos pensamentos, tudo isso. E quando nós sentimos que isso está desfasado estamos doentes. O mundo está cada vez mais doente porque procura situações fragmentárias, não procura viver de uma forma holística, global, estas articulações são próprias da natureza humana, do ser vivo. Comportamo-nos como uma máquina, julgamos que não temos necessidade de ter afectividade, não nos interessa a artisticidade, e outras vezes só nos preocupamos pela esteticidade, somos subjectivistas, não nos preocupamos com o mundo objectivo, com o mundo social, e então também é uma forma patológica. Então, a articulação harmoniosa desses dois factores, contribuiria, a meu ver, para uma sociedade mais sã, e para uma personalidade mais rica e mais complexa.
i)        Isto tem a ver com o questionarmo-nos a nós próprios. Digamos que o Professor sempre viveu num ambiente artístico ....
Isso talvez tenha sido um favorecimento social que eu tive, que me facilitou isto. Pena é que isso não seja generalizado, que as oportunidades não sejam para todos. Mas eu também sou sujeito a circunstâncias outras, também vivi o horrível, também sofri dificuldades. Fui preso durante o fascismo e estive exilado, tive uma série de dificuldades na vida, mas isso, tudo isto faz parte de uma complexidade, e essa complexidade é que é o elemento mais rico. O que é importante é vivermos complexidades e superarmos para conseguirmos não fazer da nossa vida uma frustração, mas fazer um acto de esperança. Embora a vida não é toda de coisas só positivas, mas também isso é extremamente importante. Eu acho que hoje estamos também a descobrir que o Belo e o Horrível, o Bem o Mal não estão tão separados quanto isso; nós somos um processo de transmutação alquímica de cada uma dessas coisas, e muitas vezes um mal é apenas um bem mal colocado, e às vezes o bem é um mal que foi transformado em bem. Quer dizer, o mundo é essas qualidades como a noite e o dia, como a sombra e a claridade, são constantes elementos sempre em metamorfose, e o que é importante é o processo de metamorfose criado e gerido pela humanidade, isso é que é o elemento central!
j)        Podemos dizer que o processo de viver é uma dialéctica então?
O processo de viver é ser capaz de saber morrer e de superar essa morte; viver morrendo, morrendo vivendo porque não há vida sem morte e morte sem vida. Isso é que é o fantástico e, não sei … talvez o profundo encantamento que a vida nos dá. É que isto é um mistério, um "mistério tremendo" em que vivemos. Eu acho que este é o aspecto mais extraordinário da nossa existência: saber lidar com a morte como quem lida com a vida, e lidar com a vida como se fosse também a morte.


[1] O Professor cita Ortega y Gasset (1961).


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Entrevista a Jacinto Rodrigues, pela Revista ARQA - ARQUITECTURA E ARTE, nº78/79 Março, Abril 2010, sobre Práticas Sustentáveis.

1.Tendo em conta a sua investigação na área da ecologia urbana e social ou do “ecodesenvolvimento”, em que sentido lhe interessa no seu trabalho a ideia de sustentabilidade? Como definiria sustentabilidade?

A sustentabilidade tem sido usada nos mais variados sentidos: na maior parte dos casos ela é entendida como um conceito contabilístico, um processo técnico. Isso torna-a vazia de sentido.
Sob o ponto de vista ecológico, a noção de sustentabilidade tem um sentido muito mais amplo. Ela tem de ser entendida numa relação sistémica e de pensamento complexo.
Assim, a sustentabilidade só tem sentido quando estiver ligada ao conceito de ecologia.
Muitas vezes os políticos usam a palavra sustentabilidade sem a inserirem nessa relação biosférica. Perde assim o carácter epistemológico ruptural que só pode ser revelado nas relações complexas entre sociosfera, tecnosfera e biosfera.
Então, só desta maneira poderemos revelar as contradições e as patologias geradas pela intervenção humana no seio do planeta.
Para haver sustentabilidade ecológica é portanto necessário que haja um ecodesenvolvimento e uma ecotecnologia que não coloquem em perigo a regeneração biosférica para que os ecosistemas não entrem em ruptura.
Ora o crescimento económico, tal como tem vindo a ser realizado, ou seja, na base de uma tecnociência devastadora e num processo civilizacional de injustiças sociais, gerou esgotamento, contaminação e exclusão social.
Para contrariar esta tendência, teremos que constituir um outro processo civilizacional. E esse processo civilizacional, para ser ecologicamente sustentável, tem que realizar, em 1º lugar, o decrescimento das energias fósseis preservando os bens naturais; 2º fazer a reciclagem dos “lixos”, tornando-os nutrientes num novo processo do metabolismo circular, específico dos ecosistemas; 3º promover o fim da exclusão social através da cooperação social e do entendimento intercivilizacional.
Trata-se de substituir o modelo urbano-industrial maquinista e entrópico por um modelo ecosistémico capaz de articular harmonicamente negentropia e entropia.

2. No âmbito da exponencial investigação tecnológica actual, como pode a inovação tecnológica responder aos desafios de uma arquitectura mais sustentável?

Antes de mais é preciso desenvolver uma atitude profilática em todas as intervenções. É preciso evitar todas as técnicas poluentes e não apropriáveis.
Evitar também todos os materiais não recicláveis. É preciso ainda construir de um modo passivo, isto é, bioclimático e integrado nos ecosistemas de modo a que se evitem gastos inúteis. A natureza, em si, detém meios, que o biomimetismo tem vindo a demonstrar, capazes de dar resposta a muitos problemas sem ser necessário utilizar artifícios sofisticados, inúteis e nocivos.
A inovação tecnológica futurante tem que substituir-se à tecnociência dominante, para encontrar respostas ecotecnológicas baseadas em energias renováveis e em materiais recicláveis.
Para estas inovações é preciso uma grande reflexão epistemológica que deve estar sempre presente em todas as escolhas técnicas. Muitas vezes a dimensão excessiva das construções, o grau de sofisticação pouco apropriável pelo saber das populações e o aspecto dominador ideológico implícito em certos dispositivos topológicos, são veículos políticos de subjugação sob a aparência duma neutralidade técnica.
Porém, há toda uma ecotecnologia que se tem vindo a desenvolver e que, liberta de todas as epistemes referidas, se torna criadora duma sociedade mais justa, mais fraterna e mais livre. Reorientar as construções para a tecnologia da madeira tem todo o interesse se se articular com a reflorestação do planeta, de modo a que a utilização deste material não seja excessivo em relação à regeneração florestal. Ora, as tecnologias da madeira assim como a da terra, têm hoje muitas inovações possíveis, como têm vindo a demonstrar muitos arquitectos (Johan van Lengen, Makovecs, Gernot Minke, Shigeru Ban, Valdez, etc.).

3. Sendo a sustentabilidade igualmente uma questão política, económica, social e cultural, de que forma uma arquitectura sustentável exige alterações e transformações na forma de nos relacionarmos com a realidade e consequentemente no modo de actuarmos no mundo?

O pensamento sistémico e a reflexão baseada na complexidade exigem que vejamos a realidade social numa interacção permanente. Teremos pois que sair das análises causalistas habituais, que andam à volta do político, do económico e do cultural duma forma disjuntiva, ou seja separada, para adoptarmos uma postura interactiva.
No entendimento mais amplo, indivíduo e social, local e global, singular e universal, devem ser entendidos como polaridades geradoras de dinâmica.
Este processo de metamorfose, não tem apenas uma génese, um autor ou uma só hegemonia. É todo um conjunto de factores múltiplos que interagem se formos capazes de participar e pilotar a mudança.
Isto quer dizer que, a todos os níveis, mesmo o cidadão anónimo tem sempre um papel decisivo na construção das grandes decisões cívicas, promotoras de reais mudanças.
O arquitecto, o utente, a sociedade civil, os políticos e as empresas são geradoras de dinâmicas, positivas ou negativas, que influenciam e catalisam os processos de mudança social. As estratégias conscientes, numa ecologia humana e social, devem levar em conta toda esta multiplicidade de intervenientes. A arquitectura, o urbanismo e a cultura não podem ser continentes isolados mas sim campos onde o conjunto de forças cooperantes e por vezes antagónicas, se metamorfoseiam.
O essencial, nos nossos dias, é uma revolução no pensamento que exige uma trilógica articulada, para agir na mudança do paradigma aos vários níveis da realidade: cultural, jurídica e económico-social.
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"Crónicas do jornal La Croix des P.O. sobre o P. Himalaya em Sorède em 1900", Jornal Notícias Arcos 2010.pdf



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Homenagem a Henrique Westenfeld e uma ida ao Museu Soares dos Reis em busca de Else Althausse Westenfeld - 2009

Quando conhecemos o senhor Henrique Westenfeld ele tinha já 80 anos mas era ainda um ancião cheio de força. Os passos eram vigorosos e a voz explicitava uma vontade firme.

 
Todas as semanas, durante vários anos, encontrava-se com um pequeno grupo de pessoas, numa casa da rua Firmeza. Havia nesse grupo jovens e menos jovens. Henrique Westenfeld começava por expor temas sobre a filosofia da liberdade. Expunha ideias sobre o auto-desenvolvimento do homem e a conquista do nosso próprio destino. Este grupo viria a ser, nos anos 80, o núcleo que lançaria as bases para a fundação da sociedade antroposófica em Portugal, fundada num encontro realizado na Nazaré, de que Henrique Westenfeld foi o primeiro presidente, articulando os vários núcleos existentes no país, Lisboa, Porto e S. Romão. Também Westenfeld, juntamente com Walter Yung, deram os primeiros passos para a criação duma escola de pedagogia curativa em S. Romão – Seia, na Serra da Estrela em que estavam envolvidos portugueses, holandeses e alemães.


Naquele tempo, nós, na Escola de Belas-Artes falávamos na “encomenda social” e na maneira como a escola deveria responder a essa necessidade. Muitas vezes o velho senhor Westenfeld perguntava: - Como sabemos se a encomenda social é justa? Não será que a educação deveria essencialmente pautar-se pelo interesse criativo e individual? Foi assim que por essa altura ajudamos à vinda de uma escola livre Waldorf, de Stuttgart, Alemanha. Essa escola pareceu-nos uma alternativa à escola empresa ou à escola do estado. O senhor Henrique Westenfeld continuou por longos anos um trabalho de reflexão e leitura sobre a vida e a obra de Rudolf Steiner. Ao longo desses vários anos continuaria a vir da sua aldeia de Couto Esteves até ao Porto para participar e animar as conversas do pequeno grupo que se reunia às 4ªs feiras na rua da Firmeza. Falou-nos várias vezes de alquimia, agricultura biodinâmica e da reincarnação. Promoveu a divulgação de exercícios meditativos que ele próprio traduzia da obra de Steiner. Entre os temas que aflorava mostrava especial interesse pela história de arte. Fiquei então a saber que a sua mulher, da qual enviuvara, tinha sido pintora. Tomei conhecimento de pequenos desenhos e aguarelas subtis de Else Althausse Westenfeld. Passaram-se anos e aquele homem vigoroso, depois de uma pneumonia, morreu aos 92 anos.

Recordei sempre a simplicidade e a extraordinária amabilidade deste velho senhor. Senti, por vezes, a especial inspiração nos temas que tratava. Observei também a profundidade com que falava sobre o romantismo e assuntos da história da filosofia (Paracelso, Jacob Boheme, Goethe, Nietzche e outros). Às vezes, quando descíamos ao café, contava-nos alguns momentos da sua vida. Lembro os sofrimentos de que padeceu, entre 1916 e 1918, quando foi obrigado a participar como soldado alemão na 1ª guerra mundial, vindo a tornar-se prisioneiro dos ingleses no final deste conflito. Embora tivesse nascido em Portugal e fosse filho de mãe portuguesa, foi para a Alemanha acompanhando o seu pai, alemão, em virtude das dificuldades em permanecer em Portugal devido à política aliancista do governo português que consideraria os alemães como inimigos públicos. Ouvi-lhe muitas vezes falar do seu regresso a Portugal em 1922 e recordar os tempos em que percorreu com amigos as praias da Caparica e a Serra da Arrábida.
 

Relatou-nos a sua vivência numa pequena comunidade de artistas e homens de letras que decidiram ir viver para uma pequena aldeia entre o Vale do Jamor e a Serra da Arrábida – Linda-a-Pastora. Casara com uma jovem pintora, Else Althausse, que chegara a Portugal vinda da Alemanha, em 1924 e que viera trabalhar como ilustradora da Revista ABC.
 
 
Else Althausse conhecera, na sua vida profissional, Cotineli Telmo, Stuart Carvalhais, Hein Semke, Almada Negreiros, etc. Convivera com os jovens alemães que se reuniam na Associação Cultural da Embaixada Alemã. Era aí também que Henrique Westenfeld (que assumia a dupla nacionalidade por ter mãe portuguesa) frequentava a tuna e a biblioteca. Desse encontro, Else e Henrique criaram laços que se tornaram mais tarde num vínculo matrimonial.
 

A morte prematura de Else, em 1936, resulta duma doença grave (síndroma de Adison). Tomara-a de surpresa, ainda jovem.

 
Westenfeld relatava todos esses momentos duma forma poética e cheia de emoção comovida. Viveria sempre embebido nesta recordação que alimentava meditativamente. Anos mais tarde, na aldeia de Couto Esteves, viveu ainda longos anos numa pequena casa que mandara construir, segundo o traço que Else deixara desenhado, prevendo um lar que, todavia, já não viria a desfrutar.

 
Em frente da paisagem das grandes serranias, Westenfeld viveria ainda longos anos com a D. Augusta, mulher do povo daquela pacata aldeia, que acolheu com hospitalidade o estranho mas amável e solidário cidadão, o alemão português Henrique Delgado Westenfeld. Era o ancião que todos saudavam e respeitavam. Escrevera romances, de fundo autobiográfico e sempre imbuídos da sua visão espiritual, que nunca chegou a publicar por desinteresse dos editores em Lisboa (A Paciência que os Deuses têm, Linda-a-Flor e Festa no Roseiral). No entanto publicou alguns artigos dispersos em jornais e revistas, quase todos não assinados e por isso de difícil identificação. O jornal de Sever do Vouga publicou-lhe alguns artigos, assinados, que revelam as suas preocupações esotéricas. Pertenceu à Associação de Jornalistas com sede no Porto. Porém, é na imprensa alemã, que Henrique Westenfeld teve mais sucesso. Publicou um livro histórico, “Wilcabamba” sobre a civilização pré-colombiana na América Latina e ainda numerosos artigos na revista “Das Goetheanum” da Antroposophische Gesellschaft. Deixou também inéditos em língua alemã, destacando-se uma pequena história secreta de Portugal, onde o autor pretende descriptar o sentido histórico de alguns movimentos ocultistas que actuaram em Portugal.

Este ano, 2009, em Maio último, fomos a um passeio a Sever do Vouga. Fomos ver a paisagem de árvores frondosas que se estendem entre a serra da Freita e o Buçaco, por entre o vale do Vouga. Paramos em Couto de Esteves. Lembrei-me então deste meu velho amigo que ali morrera. Descobri, graças ao dr. Mário Silva, professora Rosa e D. Carolina que se comemora este ano, os 25 anos duma associação fundada ali por Henrique Westenfeld. Soube ainda que existiam velhos papéis e alguns livros da sua biblioteca. Este homem solitário nunca deixara, porém, de conviver com gente popular e com aqueles que, como ele, se tornaram “buscadores de verdade”. Desses velhos papéis tirei estas pequenas notas que dão informações sobre o seu trabalho espiritual meditativo e a sua longa tarefa de animador em grupos dispersos pelo país onde, ao longo dos anos 20 até aos anos 80, se encontrou com gente de vários sectores, desde o cirurgião oncológico Carlos Santos, o Dr. Gentil Berger, a família Abecassis, João Quaresma, José Figueiredo e inúmeros alemães com quem conviveu e se correspondeu, Dr. Fritz Schnurmann, Emil Spittler, Paul e Walter Yung, etc. Refotografei velhas fotografias, de que aqui reproduzo algumas e que constituem o contexto da sua história de vida. Depois, para relembrar todo este encontro com Henrique Westenfeld, visitei o museu Soares dos Reis, onde se encontrava o espólio da sua esposa alemã. A Dra. Ana Paula mostrou-me as aguarelas e os desenhos de Else Althausse que Henrique Westenfeld cuidadosamente entregara ao cuidado deste Museu. Este espólio é constituído por aguarelas subtis de cores matizadas. Fazem lembrar o gosto pela arte nova e “Art Déco”. Muitos dos desenhos expressam temas infantis para contos de fadas e das Mil e Uma Noites. Algumas imagens traduzem ambientes esotéricos que revelam preocupações espirituais do casal.

 
 
  

Fico tocado pela subtileza poética e pela intensidade emotiva das aguarelas. Observei ainda algumas folhas da revista do ABCzinho e embora a má qualidade da reprodução tipográfica de algumas imagens seja notória, os desenhos são de uma grande sensibilidade, ternura e por vezes até divertidos. Essa sua relíquia preciosa, o espólio que Henrique Westenfeld entregara ao museu, era a expressão duma grande paixão. O artigo publicado na revista cultural do museu e que surge na altura da entrega do espólio, culmina o sentido desta doação. Este artigo está cheio de informações pessoais e constitui um esboço biográfico de valor documental. Não vem no entanto assinado. Mas esse texto é claramente de Henrique Westenfeld como se percebe no rascunho mais longo que existe em sua casa. Apenas por um pudor e notória humildade, quer unicamente homenagear a sua esposa. Quer deixar ali a convicção das suas ideias sobre a reincarnação! A vida poderá ser apenas um lugar de passagem para outras vidas…

Jacinto Rodrigues

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Comemoração da Festa do Sol, em Sorède, Domingo 14 de Junho de 2009, pela associação "LES AMIS DU PADRE HIMALAYA".
O Padre Himalaya realizou em 1900 uma experiência em Sorède (Pirinéus Orientais) com uma máquina solar para fins industriais. Todos os anos, em Sorède, esta associação realiza uma homenagem a este sábio português. http://himalaya.vefblog.net/


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Entrevista a Jacinto Rodrigues sobre desenvolvimento ecologicamente sustentado.


 Entrevista do Professor Jacinto Rodrigues à Tv Francesa, pelo realizador Jacky Solé, sobre o Desenvolvimento Ecológicamente Sustentável.




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PARA UM DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL
(in Revista A Página da Educação, nº 187, 2009)

“Em África para fazer crescer uma criança é preciso toda uma aldeia.”
Provérbio Africano

No estudo de mitologia comparada, Georges Dumézil (1) expressou uma visão “arquetipal” que se manifestou ao longo da história. Conceptualizou 3 grandes funções que se complementarizam com as suas especificidades numa “harmonização” social:
. a função económica;
. a função relacional ou militar ;
. a função formativa ou ideológica.
Dumézil descreveu uma cosmovisão religiosa da organização social neste esquema triádico.
E o historiador Georges Duby (2) confirmou esta trifuncionalidade na Idade Média explicitando:
. a fecundidade dos “laboratores” (camponeses);
. a segurança e protecção dos “pelatores”;
. o poder religioso das leis assegurado através dos “oratores”.
Estas três funções correspondem, quando bem articuladas e coordenadas, aos meios executivos, judiciais e culturais que, na revolução francesa, pretendiam dar resposta às três grandes aspirações da Humanidade:
. fraternidade, ao nível económico;
. igualdade, ao nível jurídico;
. liberdade, ao nível cultural.
É de notar que a evolução deste processo introduzido pela revolução francesa veio a introduzir soluções inadequadas aos níveis previstos antes de se desencadear a ruptura do “antigo regime”.
Já vários pensadores se debruçaram sobre o organismo social tripartido. Claude de Saint –Martin bem como o movimento maçónico da altura, exprimiram a necessidade de ligar a fraternidade à economia, a igualdade ao elemento jurídico e a liberdade à instância ideológica.
Porém a realidade histórica transformou o organismo social num “modelo” abstracto:
O capitalismo introduziu a liberdade a todos os níveis. Assim, a liberdade na economia levou ao poder do mais forte. O socialismo reivindicou a igualdade para os três níveis e a cultura tendeu a uniformizar-se.
A deformação do organismo social registou deste modo anomalias quer no capitalismo quer no socialismo de estado.
Porém, esta trifuncionalidade bem coordenada poderia dar resposta sistémica e criativa aos arquétipos gregos do Bem/Belo/Verdade, como veremos.
Esta “tríade” corresponde também à caracterização antropológica:
- vontade/vida vegetativa
- sentimento/vida anímica
- pensamento/vida cultural
Esta caracterização smplificada corre o risco de se tornar num esquema esteriotipado. Mas quando assumido sem dogmatismos, como matriz tendencial, permite um referencial daquilo que existe de universal no género humano, apesar das irrefutáveis singularidades dos indivíduos, das culturas e das civilizações.
Mais uma vez a importância e fecundidade desta hipótese de trabalho não está na maior ou menor relativismo estrutural da sua problemática. O interesse deste “esquema” é que, sem negar a especificidade conjuntural dos contextos históricos e civilizacionais, permite a possibilidade de compreensão holística da realidade. A abordagem funcional tanto da”imagem” do homem como da “imagem” dos povos, pressupõe um mínimo de referentes para que qualquer tema/assunto/objecto possa ser pensável e/ou comunicável. Ora, as funções antropológicas: metabólica (alimentação, fecundação e movimento) a função rítmica (regularização e funcionamento relacional e anímico) e a função neuro-sensorial (observação, controlo e comando), são funções estruturantes e normalmente aceites. Estas fuções são extrapoladas com analogias isomórficas e simbolicamente adequadas à função bio-económica, à função sócio-jurídica e à função da noosfera (cultura/ mente ou espírito).
Em qualquer caso estas três funções, quer sejam no indivíduo, na natureza ou na sociedade, exigem sempre um quarto ponto referencial. Este 4º ponto reside na consciência deste triplo funcionamento, na harmonização desta tríade de forças (impulso/emoção/mente) e no propósito, isto é, dar sentido.
Em Platão, este quarto nível aparece claramente na metáfora da carroça (elemento físico) dos 2 cavalos (elemento emocional - um cavalo fogoso e outro manso) e num cocheiro (elemento racional) o dono ou o rei que dá sentido à viagem!
Portanto, a carroça é a parte material, os cavalos são a simpatia/antipatia (polaridade emocional da vida), o cocheiro é a mente que detém a capacidade de adestrar e controlar os cavalos e desse modo dirigir tecnicamente a condução da carroça. Mas o sentido final para onde se dirige a carroça pertence aquele que dá sentido, que imprime direcção e sentido à viagem porque tem a antevisão projectiva para onde quer ir.
A educação para um desenvolvimento ecologicamente sustentável, exige uma visão holística, planetária. Mas essa visão global exige também atenção aos vários planos diferenciados da realidade, que só equilibrados e permanentemente pilotados pela consciência, podem contribuir para o projecto delineado, ainda que o plano possa receber alterações resultantes da experiência adquirida no caminho.
Assim a estratégia está já, sistemicamente, na táctica e a táctica interfere na própria estratégia. Qualquer causalismo mecânico incorre num risco de disjunção e fragmentação da realidade.
Todo o futuro consciente e não abstracto contém experiências do passado e do presente do mesmo modo que a antevisão futura ajuda a interpretar o passado e olhar o presente de uma forma dinâmica e criativa.
Tal é o processo em que o educador é simultaneamente educando e em que o aluno é também embrionariamente professor nesta complexa visão sistémica da cultura e da educação.
Ivan Illich (3) desenvolveu esta ideia presente no provérbio africano, citado no início deste artigo, através do propósito “desescolarizar a sociedade, procurando dar à sociedade a importância da formação cívica, sem instituições fragmentadas.
Devemos articular então a formação para esse novo paradigma, em que se exige uma forma de pensar (complexidade e metodologia sistémica transdisciplinar) e simultaneamente um aprender a aprender.
Através de uma rede societal, a criança e o jovem vão fazer uma tripla iniciação:
. a do camponês;
. a do guerreiro;
. e a do filósofo.
Também Edgar Morin (4), dum modo semelhante, defenderá a ideia de que graças a essa formação transdisciplinar, em contacto com a cidadania activa, pode-se desenvolver a formação duma “cabeça bem feita”.
Jacques Delors (5), refere os quatro pilares necessários para uma mudança de paradigma educativo:
a) aprender a conhecer;
b) aprender a fazer;
c) aprender a viver em conjunto;
d) aprender a ser;
Contudo, este modelo educativo terá que ser inserido num paradigma mais vasto. Um novo paradigma civilizacional. Nesse novo paradigma civilizacional teremos que rever a questão do modo de produção, dos tipos de energia e dos processos e meios tecnológicos.
Na actual situação ecológica de esgotamento da biosfera (energia, espécies e bens naturais) de contaminação poluitiva (poluições globais, secas, mudanças climáticas etc.) e exclusão social, terá que se impor uma mudança não apenas no modelo operativo mas, se queremos sobreviver e viver numa relação simbiótica com a natureza, no processo civilizacional.
A tecnosfera produzida pelo homem gerou pontos de ruptura com a biosfera que já não possui força regenerativa face ao referido esgotamento e contaminação. São claros também os sintomas de crise profunda na sociedade, alargando-se o fosso entre ricos e pobres, gerando-se conflitualidade e violência face às dissimetrias regionais e internacionais, até à fome, miséria e genocídio.
A concorrência desenfreada e a competitividade predatória estão a desarticular toda a eco-economia essencial da biosfera, gerando incontroláveis situações catastróficas: mudanças climáticas, catástrofes naturais, desertificação e perca de biodiversisdade nos ecosistemas.
Neste sentido, o paradigma pedagógico, tal como o pensamento e a cultura e o modo de vida em geral, terão de se ecologizar.
O que propomos para o paradigma pedagógico é ecologizá-lo. Assim, ecologizar a proposta de Jacques Delors é:
a)Eco-empreender , isto é fazer ecologicamente as actividades tecno-estruturais;
b)Eco-aprender a aprender, isto é, aprender a conhecer com o pensamento ecologizado;
c)Eco-aprender a viver em conjunto e em solidariedade para com a biosfera, criando as simbioses necessárias entre natureza, ecotecnologia e eco-sociedade.
d)Aprender a ser ecologicamente, para se poder viver em harmonia com a existência saudável duma biosfera.
Só a partir desta orientação estratégica, se podem elaborar os currículos de formação adequados ao ecodesenvolvimento. Esses currículos articulam-se ainda de forma tripartida, embora, sistemicamente em interacção:
a) Formação, no sentido das necessidades de autonomia alimentar, construtiva e logística de base – Eco-emprender – fazer;
b) Formação criativa, relacional e ainda higiene e saúde – Eco-relacionar-se com os outros e com a biosfera;
c) Eco-apreender saberes para uma estratégia de eco-desenvolvimento.
Interessa compreender que toda essa triarticulação de currículos se relaciona com um trabalho de auto-desenvolvimento para uma consciência auto-reflexiva que tem a ver com a dimensão do ser, de que também fala Jacques Delors. Só com esse trabalho, de definição paradigmática e de estratégias curriculares adequadas, poderemos definir uma conveniente gestão da cultura e do ensino.
A problemática da cultura e do ensino tem a ver com o modelo de desenvolvimento que se discute actualmente e que assenta numa oscilação entre o neoliberalismo, cujo interesse se articula em torno do mercado e dos interesses lucrativos das multinacionais e o capitalismo de Estado, previdencialista, em que a regulação económica se faz através do “neokainesianismo” ou através do planeamento do Estado autocrático.
Porém, esta situação aparentemente dicotómica tem, afinal, três sujeitos. Aquilo a que se chama o triângulo de “Krohm”.
Com efeito, para além da polaridade Empresa/Estado, existe a expressão duma sociedade autónoma cuja expressão se traduz na auto-gestão participativa e cooperante.
Neste sentido, a questão não é mais Estado ou mais Empresa privada, mas mais sociedade civil auto-organizada.
Por isso, o ensino e a cultura, no desenvolvimento ecologicamente sustentado, terá cada vez mais a ver com a organização consciente e participativa da sociedade civil e menos a ver com formas de mercadoria lucrativa, na órbita das multinacionais ou das manipulações ideológicas do Estado autoritário.
A escola terá que ser socializada na integração trifuncional:
1. Um quinta onde a actividade de autonomização se apreende através do trabalho em relação com a natureza, elemento essencial da função nutricional (produção energética, alimentar, de reciclagem e renovação);
2. Uma oficina onde se alicerçam competências de eco-prazer (da eco-construção ao eco-design) aprendendo a usar, reciclar e a reutilizar materiais ecológicos na eco-tecnosfera que terá de substituir a tecnosfera poluitiva e as energias fósseis.
3. Um atelier onde se aprende a pensar reflexivamente, a criar e a promover pessoas livres e autónomas.
Só deste modo poderemos modificar a natureza da pedagogia.
Actualmente a pedagogia é um mecanismo de inculcação e reprodução.
Para que os homens sejam verdadeiramente livres é necessária uma pedagogia iniciática. Essa pedagogia iniciática não tem exames teóricos mas provas de vivência. Não propõe testes de memória mas exerce uma formação integrando o saber, o fazer, o viver e o ser duma forma equilibrada.
Esta forma de “pedagogia iniciática” teorizada por Pierre-Yves Albrecht e Jean Zermatten (6) organiza-se segundo uma articulação equilibrada entre actividade prática operativa, artística e reflexiva e os avanços no saber, no relacionar-se e no fazer. É nesta articulação de experiências vivenciais, “momentos de iniciação”, que se realizam os “ritos de passagem”. Estes “ritos” são essenciais para a tomada de consciência do auto-desenvolvimento e para a confirmação dum “saber e competência” adquiridos.
Esta forma iniciática está presente na sociedade tradicional africana.
Amadou Hâmpaté Bâ (7) descreve em vários livros esta singular filosofia pedagógica aqui referida.
Também Pierre Rabhi (8) leva a cabo a formação agroecológica em vários países africanos, desenvolvendo uma prática pedagógica da vivência poética e mágica da compreensão do homem e da natureza.
Algumas das experiências aqui referenciadas existem. São vários os centros de formação que explicitam caminhos diferenciados mas com uma preocupação comum: o ecodesenvolvimento e a tripartição sistémica.
Refiro os seguintes casos exemplares que visitei e investiguei (9) :
. Terre et Humanisme (França);
. Terre Vivante (França);
. Centre Songhai (Benim);
. Alanus Hoschule (Alemanha);
. Jarna Seminariet R. Steiner (Suécia);
. Schumacher Center (Inglaterra);
. TIBÁ (Brasil)

Bibliografia
(1) Georges Dumézil “Lídeologie des trois functions dans les epopees des peoples indo-européens”, Ed. Galimard, 1968

(2) Georges Duby “Trois Ordres oú l’Imaginaire du Feodalisme”, 1978
(3) Ivan Illich “Une Societé sans école”, Ed. Du Seuil, 1971
(4) Edgar Morin “Repensar a reforma, reformar o pensamento, a cabeça bem feita”, Ed. Piaget, 2002

(5) Jacques Delors, Relatório apresentado à UNESCO, pela Comissão Internacional sobre Educação para o Séc. XXI , em 1999
(6) Pierre-Yves Albrecht e Jean Zermatten “L’Archer Blanc”, Ed. Ketty & Alexandre, 1994, Suiça

(7) Amadou Hâmpaté Bâ “L’Étrange Destin de Wangrin”, Ed. Pocket
(8) Pierre Rabhi “L’Offrande au Crépuscule” Ed. L’Harmattan, 2001
(9) Jacinto Rodrigues “Sociedade e Território”, Profedições, 2006


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Entrevista de Jacinto Rodrigues (JR) em 2009, a Fernando Pacheco (FP) membro fundador da ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente).

JR – No seguimento dos artigos que tem escrito, onde reflecte sobre as questões do crescimento e desenvolvimento sustentável, que perspectivas é que há, em Angola, sobre estes assuntos?
FP – O Governo Angolano, e as elites em geral, estão a apostar no crescimento acelerado da economia. Até ao momento, as tentativas parecem apontar para a restauração do modelo de crescimento económico existente antes da independência. Hoje, a economia angolana, estimulada pelo aumento do preço do petróleo, tenta desenvolver para patamares que a possam tornar exemplo em África e no mundo. A ideia é, agora, tornar Angola num dos países emergentes da economia mundial.
Há mais ou menos três anos, o presidente da República fez um discurso marcante neste sentido dizendo que era fundamental para Angola que nos próximos vinte anos atingisse o grau de crescimento do Brasil e da África do Sul. Ora, na minha opinião, isto é uma super-avaliação das nossas capacidades. Por exemplo: se isso pode ser possível em termos de infra-estruturas, no que diz respeito, por exemplo, à investigação, Angola está a anos-luz da África do Sul. A nossa política de educação e de investigação é errática.
JR – Em traços gerais, quais os erros que encontra nessa política?
FP – Como mencionei, Angola está a investir muito em termos de infra-estruturas. Eu não entendo o desenvolvimento sustentável sem uma componente humana e institucional. Esta política tem-se traduzido, em primeiro lugar, na falta de investimento na instrução pré-primária e primária, a qualidade do ensino nestes níveis é extremamente baixa. Existe falta de qualificação pedagógica dos professores no país, o que origina desigualdades sociais graves, já que uma criança que estude num colégio privado em Luanda tem outras condições para se desenvolver. Há uma grande clivagem entre o interior do país e a periferia de Luanda comparando-as com certas instituições de Luanda.
No ensino superior, existe ainda um conjunto maior de erros de política educativa. Abriram-se sete ou oito Universidades públicas com uma qualidade de ensino muito baixa. Iniciou-se uma reforma educativa, teoricamente interessante, mas as condições de aplicação são muito débeis. Nunca há números, mas a percentagem de escolas que estão envolvidas na reforma de forma séria, é muito baixa. E sem isso, é impensável um desenvolvimento sustentável.
Mas para além do problema da educação, há o problema da investigação. Em Angola, a investigação é um parente pobre. Investe-se muito pouco, muito pouco mesmo, e o pouco que se investe é mal investido.
JR – E o que se sabe, na educação em geral, é que os investimentos na área da investigação são fundamentais. É aí, que se permite recolher frutos para desenvolver a restante educação e o país.
FP – É tão elementar essa conclusão, que um jornalista perguntou-me, uma vez, qual era a quantidade de terra arável e de agricultores em Angola e eu respondi-lhe que não sabia, nem ninguém sabe! Isto são coisas básicas. Ainda temos o problema da estatística. Em Angola, a estatística é um desastre. Não sabemos realmente quantas pessoas habitam na área de Luanda, por exemplo.
JR – Agora mudando de assunto, como fundador da ADRA, gostaria que explicasse a sua génese…
FP – Antes gostaria de voltar ao desenvolvimento sustentável: em termos de agricultura estamos a cometer erros graves, já que estamos a aplicar o modelo brasileiro do agronegócio que consiste na criação de grandes fazendas sem termos condições para tal. Para além dos efeitos ambientalmente terríveis, há o problema da própria capacidade para o fazer. Angola não tem agrónomos e técnicos para fazer isto. Mas existe a ilusão de que é possível, em vez de se apoiar agricultura familiar. Isto criará problemas sociais terríveis. Em primeiro lugar, o problema da terra e dos conflitos com os proprietários: não sendo possível aos angolanos gerirem este tipo de empreendimentos, vão cair nas mãos de estrangeiros, com todas as consequências económicas, sociais e políticas que constituem o projecto insustentável do ponto de vista do desenvolvimento.
JR – Mas voltando então á questão anterior: qual génese da ADRA e como se caracteriza o seu funcionamento na perspectiva da relação com o estado e sociedade civil, e as dificuldades encontradas.
FP – A ADRA foi criada no momento em que pensávamos que Angola se encontrava no caminho da Paz. Estavam a decorrer as negociações com a UNITA, em 1990, e tínhamos fortes indicadores de que o país ia entrar no bem caminho. A ADRA foi assim criada na ilusão de ajudar Angola a desenvolver-se de acordo com as ideias, que já expressei, de desenvolvimento sustentável. Desenvolver Angola, de uma perspectiva política diferente da do tempo colonial e, mais recentemente, da do partido único, que era muito dependente do petróleo. A ideia era contribuir para uma sociedade mais justa, mais participativa, o que chamávamos de desenvolvimento democraticamente sustentável. A perspectiva era essa mas, entretanto, recomeça a guerra.
Na altura não havia ONG’S em Angola. A ideia dos três iniciadores (o Lopo do Nascimento, o Matias Neto e eu) foi criar uma organização voltada para o futuro, com ideias novas e soluções que se aplicassem de forma correcta. Nunca esperámos milagres, mas a ADRA ajudou a criar centenas de outras organizações sociais e cívicas espalhadas por Angola. Não só pelo nosso exemplo, mas pela ajuda concreta que dêmos.
Tentámos contribuir para um reforço das instituições do Estado e da própria sociedade civil, aproximando-as através do diálogo, algo que ainda hoje tem impacto em Angola, fortalecendo o processo democrático que Angola está hoje a viver.
A ADRA pretende contribuir desta forma para o processo democrático e para o exercício da cidadania, visando a constante melhoria das condições de vida das populações e a sua transformação numa organização mais sustentável. Estes objectivos pretendem ser desenvolvidos, sobretudo a partir do nosso Programa de Desenvolvimento Rural, prestando-se uma particular atenção às dimensões económica, organizacional e institucional e política.
A ADRA desenvolveu muitos dos seus objectivos a partir do trabalho e projectos comunitários. Temos hoje exemplos em Angola vários projectos em andamento com a aplicação do micro-crédito. Hoje existem várias organizações comunitárias que trabalham em rede e que, à sua escala, têm a possibilidade de dialogar com a administração e influenciar as suas políticas. Estamos assim a contribuir para o processo de descentralização que não existia no tempo do partido único. Hoje o estado angolano está a descentralizar-se embora com passos ainda lentos. Os trabalhos que hoje fazemos, ao nível do Município, são fundamentais porque é a este nível que se dá o encontro entre as redes comunitárias e administração central.
JR – É então um contributo da base para o topo e não o contrário?
FP – Exactamente. É a este nível que se encontram estes dois processos com a realização de acções interessantes de diálogo entre as sociedades tradicionais e o Estado, criando-se opções novas de intervenção, no fundo, cria-se um novo conceito de cidadania. Estamos a viver uma metamorfose na sociedade angolana e estamos a contribuir, fundamentalmente, para o que caracteriza o projecto ADRA: a cidadania. Falo em cidadania e não em democracia porque não acredito em democracias impostas do exterior ou pelas elites. A democracia é um processo que tem de ser construído pelos cidadãos.
JR – O micro-crédito teve então um papel fundamental na realização dos projectos comunitários?
FP – Inicialmente, as tentativas foram eliminar os problemas da fome que afectava as populações. Posteriormente, era preciso consolidar o trabalho. O micro-crédito funcionou como alavanca para tal. Acabar com o assistencialismo do Estado e dar meios para as populações se auto-definirem. Um exemplo disto é o projecto de crédito Greater Plutónio nas Províncias do Huambo e Benguela, criado na perspectiva de um processo de apoio ao desenvolvimento das comunidades, particularmente as do meio rural, visando a sua autonomia. Prevê, em decorrência do reforço da capacidade de gestão, que as comunidades, através das suas organizações e instituições possam gradualmente ir se relacionando de forma directa com o Banco, tendo acesso ao fundo de crédito, e assim contribuir para o combate à pobreza e exclusão social, influenciando processos democráticos e de mudança, rumo ao desenvolvimento sustentável.
JR – Quais os objectivos futuros da ADRA?
FP – Em primeiro lugar, apostar na investigação e na informação. É necessária uma maior divulgação das nossas experiências. É preciso passar todos estes anos de trabalho para o papel e divulgar o que se está a fazer em concreto. Faltam-nos ainda os meios financeiros para sermos uma associação sólida, com visibilidade nacional e internacional.
II
A.D.R.A - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente*
“A ADRA é um projecto de intervenção social, com objectivos, estratégias e princípios de funcionamento que se traduzem no respeito pela diversidade e pelo pluralismo de ideias, na recuperação dos valores culturais, na valorização dos recursos naturais, na partilha do conhecimento e das vivências, na defesa dos direitos humanos em sentido lato, na construção de uma cultura democrática e de paz, na concretização da reconciliação entre os angolanos. Em resumo a ADRA é uma organização comprometida com a construção de um desenvolvimento democrático e sustentável, social e ambientalmente justo. Esse compromisso realiza-se fortalecendo a capacidade dos excluídos e das organizações da sociedade civil para que se tornem actores desse processo e sejam capazes de influenciar as políticas públicas sem descurar a sua responsabilidade como actor do mais amplo processo de mudança. Desse modo o projecto ADRA, no seu todo, pode ser entendido como um processo de educação para a cidadania.
Objectivos institucionais
A ADRA pretende contribuir de forma mais efectiva para o processo democrático e para o exercício da cidadania; o aperfeiçoamento da qualidade de intervenção visando a constante melhoria das condições de vida das populações e a sua transformação numa organização mais sustentável. Esses objectivos estratégicos pretendem ser desenvolvidos a partir de um Programa de Desenvolvimento Rural que é o foco da intervenção – prestando-se uma particular atenção às dimensões económica (segurança alimentar); organizacional e institucional (poder local) e política (educação para a cidadania) – aliado a um outro de Educação Formal que visa a formação da criança e o potenciamento das novas gerações, ambos assegurados por um Programa de Desenvolvimento Organizacional.
Historial
Em 1990 a então longa guerra civil parecia aproximar-se do fim, o regime político dava sinais de abertura, questionavam-se os caminhos então seguidos, enfim, o momento era favorável à interrogação e à transformação e encorajava a realização de novos projectos.
Influenciado por esse contexto, um pequeno grupo de pessoas decidiu criar uma organização não governamental, que tivesse por missão genérica e imediata a ajuda as populações afectadas pela guerra a reconstruir as suas vidas num ambiente de paz. Porém, desde logo ficou claro que o propósito da ADRA não seria apenas a intervenção comunitária, mas uma outra, mais ampla, que pressupunha uma contribuição à criação de uma sociedade civil dinâmica e activa, capaz de influenciar os processos políticos que se desenhavam.
Os fundadores da ADRA foram
1. 1. Fernando Pacheco – nascido no Kwanza-Sul em 1949, agrónomo. É desde o início o principal responsável da ADRA, sendo actualmente o seu Presidente.
2. 2. Félix Matias Neto – Nascido em Luanda, em 1950, economista, dissidente do MPLA em 1977. Mais tarde foi Director do Departamento de Novas e Renováveis Fontes de Energia e Director Nacional de Águas. Está desligado desde 1994 e teve sempre pouco protagonismo.
3. 3. Lopo do Nascimento – Nascido em Luanda, com 61 anos de idade, dirigente do MPLA ente 1974 e 1998. Foi Primeiro Ministro de Angola de 1975 a 1978, Ministro do Planeamento, do Comércio e da Administração do Território. Foi também Governador da Província da Huíla e foi nessa altura que abraçou o projecto ADRA. Desde 1993, embora não se tenha desligado, tem tido pouco protagonismo.
4. 4. Filomena Pestana – Natural da Ganda, Benguela, com 45 anos de idade, licenciada em Ciências Sociais (Psicologia). Trabalhou como educadora de infância durante muitos anos.
5. 5. José Amaro Tati – Nascido em Cabinda de 42 anos de idade, agrónomo. Foi professor de Agricultura na Faculdade de Ciências Agrárias. Já depois de fundar a ADRA e ter feito parte do staff, foi Vice-Ministro da Agricultura e Governador de Cabinda. È actualmente Governador do Bié.
6. 6. Filomena Andrade – Nascida no Kwanza Sul, 44 anos de idade, gestora, com frequência do curso de economia e longos anos de trabalho na área de informação. Fez estudos na área de sociologia e desenvolvimento organizacional com um trabalho publicado. Foi Directora Executiva da ADRA de 1991 a 1997 e Directora de Estudos e Formação (1997-2000). Foi também Secretária Geral do Conselho Directivo ADRA (1993-2003).
Em fins de 1992 recomeçou a guerra civil e a ADRA foi obrigada a adaptar-se à mudança de contexto. Assim, em várias regiões a ADRA iniciou projectos de emergência procurando ajudar esses novos “beneficiários” a recuperar um certo equilíbrio sócio-psicológico e emocional (através da garantia de condições mínimas de alimentação, vestuário e assistência de saúde) e, paralelamente, na procura de meios que permitissem uma auto-sustentatibilidade progressiva através da promoção da actividade agrícola e da promoção de actividades de auto-emprego e geração de rendimentos familiares, e, ainda, da reconstrução de escolas que permitissem ás crianças possibilidade de estudar.
Após novo acordo de paz, em fins 1994, a ADRA iniciou a transformação paulatina da maior parte desses projectos de emergência estabelecendo uma linha de trabalho que visava o regresso das populações às suas áreas de origem e a reconstrução das antigas comunidades, tanto do ponto de vista material (residências, infra-estruturas, produção agrícola) como não-material (lideranças, instituições comunitárias, escolas). Nessas áreas de intervenção a actividade de educação e ensino ganhou nova dimensão através do Programa Onjila.
O crescimento e as necessidades decorrentes da sua gestão conduziram (a partir de 1995) à reflexão e concepção de um modelo estratégico de desenvolvimento da Organização e da evolução do seu relacionamento institucional – os Programas de Desenvolvimento Institucional descentralizados que contemplavam, para além dos aspectos inerentes à intervenção, outros relacionados com a sua organização interna e com a profissionalização dos seus quadros. Assim a ADRA iniciou em 1997 um processo de descentralização com transferência negociada de poderes da Sede, em Luanda, para as províncias (Antenas), tendo em vista uma maior autonomia destas, a maior participação dos actores envolvidos e o aperfeiçoamento da democracia, o que implica a partilha da gestão de recursos e pressupõe a existência de vontade, capacidade e responsabilidade de todas as partes.
No ano de 2003, na sequência do processo pensamento estratégico, que teve início em 2001, a Assembleia Geral Extraordinária definiu que os próximos cinco anos deveriam ser dedicados principalmente ao fortalecimento da integração institucional mantendo, entretanto, as estruturas locais (Antenas) como entidades autónomas, tendo como objectivo a conclusão do processo de descentralização através da consolidação de um equilíbrio entre a garantia de unidade institucional, por um lado, e um grau considerável de autonomia das Antenas, por outro. Esta opção expressa o valor de uma organização única e politicamente unificada e integrada do ponto de vista organizacional e da gestão. Com base nessa opção e na recomendação da Assembleia Extraordinária, foi elaborado em 2004 o Plano Estratégico para um período de cinco anos. Todo este processo foi muito rico e absorvente, tendo permitido uma ampla participação dos trabalhadores e a apropriação da ideia da organização, sua visão e missão, valores e história, e um melhor e mais geral entendimento das fraquezas e das dificuldades e, sobretudo, da complexidade da organização.”
*(Texto oficial da ADRA)

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Relatório para a Sustentabilidade Ecológica da PUC - Rio de

Janeiro - Novembro de 2008



Durante a semana que estivemos no Rio de Janeiro e fizemos palestras e um work-shop com os alunos da PUC, analisei o terreno e os edifícios da Universidade. Foi uma rápida observação qualitativa. Haveria que ter dados imprescindíveis para uma abordagem monográfica do “sítio”: topografia (temperaturas sazonais, poluição do rio, exposição solar do lugar durante o ano, força motriz do vento, diurna e nocturna, ao longo do ano, etc.) para um trabalho mais detalhado. Haveria ainda que conhecer as árvores, o tipo de plantas (depurativas e outras, para sistemas de lagunagem e depuração das águas, variedades piscícolas susceptíveis de viverem na água do rio, etc. Para a criação de cenários com maior rigor e não apenas hipóteses possíveis como estas que aqui proponho, haveria que fazer um levantamento da “pegada ecológica” efectuada pela população (professores, alunos, funcionários e visitantes) no território da P.U.C. (gastos energéticos, água potável, águas residuais, materiais tóxicos e não recicláveis, etc.). Um estudo dos fluxos do metabolismo territorial poderá dar informações mais precisas para a criação de alternativas, metodologias ou visualizações à “Dieter Magnus”, mobilizando e estimulando a criatividade. 




Contudo, mesmo sem esses dados imprescindíveis para um melhor reconhecimento da área geo-fito-morfológica, apontarei uma estratégia básica que melhoraria a sustentabilidade do Campus Universitário da PUC do Rio de Janeiro. Um sistema de energias renováveis que permitisse auto-suficiência eléctrica e eventualmente fazer dos edifícios da PUC uma base logística de energia positiva, isto é, a possibilidade de ter um sistema fotovoltaico distribuído ao longo dos vários telhados e terraços das construções edificadas que permitisse a obtenção de energia solar capaz de responder aos gastos internos da Universidade e permitir ainda vender à rede eléctrica da cidade, tirando daí benefícios. Um sistema eólico básico, provavelmente Sovonius horizontais, de pequeno porte, que permitissem conjugar a produção eléctrica das fotovoltaicas. Essas eólicas de pequeno porte poderiam beneficiar de corredores de vento criados pelos próprios painéis que valorizariam o impacto eólico. Alguns painéis termo-solares poderiam permitir água quente básica para as necessidades internas, chuveiros, actividades culinárias, lavagens de roupa e louça, etc. Armazenamento de águas pluviais e bioclimatização. 

 

Aproveitamento dos tectos e paredes para uma cobertura vegetal (tectos e paredes verdes) que melhor permitissem bioclimatizar os edifícios propiciando ainda a recepção de águas pluviais e sua biodepuração, armazenando em cisternas essa água que poderia ser utilizada no uso diário dos edifícios e ainda aumentar o caudal do rio em água limpa. Esse armazenamento permitiria tiradas de água para geotermizar os edifícios.




Arvoredo útil e agradável . Uma ocupação de flora e fauna apropriadas para criar condições térmicas melhores, graças ao sombreamento, à obtenção de corredores de vento, à frescura da vegetação, aos espelhos de água, às cascatas, aos taludes que canalizam ventos, etc. Todos esses requisitos da eco-jardinagem permitiria uma articulação de meios de “engenharia natural” para melhorar solos, propiciar árvores de fruta, plantas aromáticas e medicinais, bem assim como ecosistemas de biodepuração das águas do rio. Valorização do rio. A revitalização das margens do rio, o aumento do caudal das águas através do encaminhamento das águas pluviais e aprofundamento eventual do leito do rio são aspectos que poderiam ser realizados. Este problema é complexo pois a intervenção a meio do caudal, sem trabalhar todo o rio da nascente a juzante, é obra quase sempre votada ao fracasso. Só um esforço municipal poderia coadjuvar com eficiência esta operação tão decisiva que melhoraria climática e paisagisticamente a importância do
rio...

 
No entanto se não se criarem condições para um tratamento global e se o rio não for poluído pelos efluentes industriais, é sempre possível conseguir uma travagem das águas num sistema de lagunagem, através de processos biodepurativos, utilizando mesmo estufas de aceleração do metabolismo vegetativo (jacintos de água, fragmitas comunis, por exemplo). O rio proporciona além do sistema biodepurativo, um meio propício a vários elementos para um eco-sistema nutricional: peixes, patos, algas são alguns dos elementos que poderão servir de base alimentar à cantina. Esta fonte alimentar estaria ligada a todas as actividades agro-ecológicas do paisagismo geral de que já falamos. Toda a produção de frutas, legumes, peixes, galinhas, patos, etc., poderiam fornecer o restaurante e um possível ponto de vendas de produtos biológicos. Parques de estacionamento O tráfico deve ficar vedado aos espaços internos da PUC. O local onde actualmente se faz o estacionamento principal deveria dar lugar a uma ligeira e efémera estrutura para encontro e festas de convívio e cultura. Eventualmente poderia construir-se um parque subterrâneo. 

 

7. Os edifícios da PUC estão inseridos num espaço fragmentado. Deveriam ser criados trajectos, nomeadamente passarelas, que facilitassem o contacto entre os vários espaços. Veja-se, por exemplo, as rupturas entre os edifícios do Pilotis e o pequeno bairro onde se encontra a associação de estudantes. Os equipamentos oficinais parecem-me da maior importância. Deveriam estar ligados entre si articulando espaços oficinais fechados com campos abertos para as experiências e a realização de demonstrações: . laboratório de protótipos de energias renováveis; . centro de investigação em biomimetismo e biónica. . oficinas de ecoconstrução (bambú, etc.) Conclusão: Para a realização dum trabalho definitivo importa organizar um dossier com os dados essenciais que referi: . monografia; . pegada ecológica; . potencialidade ecológica; . logística disponível e recursos; Este texto constituiria um elemento para a formação da equipa. Seria ainda necessário disponibilizar informações ecotecnológicas e ecoconstrutivas para que os membros da equipa possam participar no enriquecimento dos diversos cenários. 



Jacinto Rodrigues

Desenhos do Arquitecto Samuel Gros Rodrigues

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Encontro com Pierre Rabhi - 2008 PDF






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UM PÓLO UNIVERSITÁRIO MELHOR É POSSÍVEL - 2007



Tornar Visível o Invisível
A cadeira de Ecologia Urbana do 5º ano, da Licenciatura em Arquitectura, orientou-se, como nos anos anteriores, numa perspectiva estratégica sobre o desenvolvimento ecologicamente sustentável usando-se uma metodologia de investigação, viagens de estudo, conferências e workshops que permitiram a realização dum dossier e de um blogue da referida cadeira (http://ecologiaurbana.blogspot.com/). O painel exposto é apenas uma parcelar “imagem-desejo” realizada pelos alunos, que testemunha um projecto sensível, susceptível de vir a ser concretizado no futuro. Esta estratégia pedagógica pretende dar visibilidade ao invisível, permitindo potenciar “o princípio da esperança” (Ernest Bloch) de maneira a que o elemento utópico ganhe uma dimensão do possível concreto. Este texto-manifesto, escrito pelo professor da cadeira, constituiu um propósito pedagógico que deu corpo à reflexão e investigação feita durante o ano lectivo e que alargou o objecto de estudo do ano anterior, circunscrito apenas ao edifício da FAUP, para um território mais vasto – Pólo Universitário. Assim a estratégia foi transformar um campus abandonado e triste num Eco-Pólo.
 Tema: Concurso de Ideias Proposto pelo Conselho de Ministros do Governo de Transição do Ano I da Era Ecológica 1. Pressupostos Os desafios que a humanidade terá de enfrentar nesta nova era ecológica são: O esgotamento energético, as poluições globais e em especial as mudanças climáticas; A emergência duma urbanização crescente (desertificação do interior, centralismo das megapólis e aparecimento das metapólis); A comunicação global na era da informática (indústria cultural e redes de Internet); O aparecimento de novas dinâmicas sociais (novas relações sociais e familiares, movimentos migratórios inter e transculturais); Os condicionalismos sócio-económicos (novas formas de trabalho e formação bem assim como desemprego e mobilidade social alargando cada vez mais o grupo de seniores com capacidade de intervenção cívica e social mas que deixaram o mundo habitual do trabalho e também o aumento da exclusão social); Na arte, a cultura e o ensino têm uma crise instalada que mostra a encruzilhada em que vivemos mas pré anuncia também uma viragem necessária. E essa hora da mudança chegou. É necessária uma revolução cultural e eco-tecnológica. E a Universidade está no centro das grandes transformações. 2. Linhas de Força O fosso que tem existido entre as instituições universitárias e o público em geral, é fruto da crise instalada na própria sociedade. Hoje, exigem-se quadros dinâmicos capazes de uma aprendizagem concreta. É preciso produzir uma cultura futurante, cada vez mais ligada a uma vida que se vai transformando diante dos novos desafios. O ensino ligado à Vida é essencial para a emergência deste novo paradigma ecológico!
3. Tarefas O empenhamento pessoal e a participação cívica são valores imprescindíveis para a democracia social. Também a formação contínua ajudará a ultrapassar as injustiças dos acessos ao saber e permitirá a emergência duma sociedade de cooperação face à sociedade de exclusão social. A formação cultural junto da imigração é cada vez mais importante, criando-se uma dinâmica mais rica para a cultura e para a sociedade, graças à multi, inter e transculturalidade. A delinquência e a xenofobia têm que dar lugar ao diálogo de civilizações e ao enriquecimento mútuo das culturas, graças às diferenças. Os seniores constituem um factor importante. Cada vez é maior a massa de cidadãos disponíveis para uma vida social, criativa e cívica se lhes for facultada uma adequação sócio-pedagógica da vida pós-laboral em prol da comunidade e do interesse público.  4. Os meios práticos As Universidades deverão ser dotadas de oficinas criativas. A sensibilização ecológica aos materiais, às energias e aos valores do desenvolvimento ecologicamente sustentável, devem ser vivenciados e apreendidos em todos os espaços adequados e adaptados a uma formação transdisciplinar. As salas bioclimatizadas, os utensílios e mobiliário pedagógico e até mesmo o jardim agro-ecológico, constituem a eco-logística para todos os sectores da Universidade. Na zona central do Campus Universitário situa-se a mediateca com oficinas. A produção de documentação mediática (livros, fichas pedagógicas, revistas, discos compactos, dvd, etc.), realiza-se na oficina de multimédia articulando um espírito crítico com vocação sócio-pedagógica para implementar o pensamento reflexivo (filosofia). A cantina, a piscina biológica e o ginásio, constituem várias estruturas espaciais disponíveis para estudantes e para a comunidade envolvente. Também outras estruturas pedagógicas, em horários diferentes, estão disponíveis para a população em geral e constituem o apoio à formação contínua: as oficinas do imaginário, o teatro e o cineclube, os vários ateliers de escultura, pintura, cerâmica e desenho, clubes de leitura e de escrita criativa. Outras oficinas irão constituir uma ligação à arquitectura, paisagismo e urbanismo: . Eco-construção; . Eco-urbanismo; . Energias renováveis; Diversas manifestações culturais: ciclos de cinema e teatro, exposições, festivais, conferências e work-shops, serão organizados para toda a cidade, retirando à universidade o carácter de “gueto” em que funcionava no passado. 5. Sócio-Pedagogia / Métodos Dumazedier, Ivan Illich e Edgar Morin são exemplos defensores de democraticidade e participação das populações no processo cultural. É preciso cultivar um olhar macroscópico, articulando o global com o local e a singularidade com a universalidade, de modo a aprofundarmos a cidadania participada e consciente na estratégia e gestão da futura eco-pólis. Para isso, é preciso também alargar a intervenção sócio-pedagógica a outras regiões, participando na descentralização cultural do País.
 6. Programa Logístico O núcleo essencial do espaço do Campus Universitário assenta numa estrutura cultural (mediateca, biblioteca, arquivo, audiovisual, cinemateca, teatro) e numa estrutura ligada à saúde e bem-estar. Várias áreas de educação física e a piscina biológica ligam-se à zona de jardins onde se encontram também o jardim de Infância, o ATL e o Jardim de Aventuras para crianças. Sistemicamente ligado a essas estruturas aparecem as actividades agro-ecológicas constituídas por hortas, pomares e pequeno bosque que servem de investigação-acção no ensino e fornecem a base alimentar para a cantina. A este sector agroecológico ligam-se também jardins filtrantes para a reciclagem da água. A reserva de água ligada à piscina biológica é alimentada pelo aproveitamento das águas, nomeadamente pluviais, recolhidas nos telhados dos vários edifícios. O sistema climático desses edifícios integra vários processos passivos de bioclimatização (estufas, telhado verde, poço canadiano e poço provençal, geotermia, etc.) utilizando também o apoio das energias renováveis como a energia solar, eólica e biomassa. Todos estes edifícios foram estruturados em termos bioconstrutivos tornando-se sustentáveis ao nível das energias renováveis, sendo mesmo capazes de produzirem energia renovável excedente para uso da comunidade. Os protótipos de energias renováveis (eólicas, acumuladores termosolares, painéis de fotopilhas, etc) constituem uma mini-central do Campus que permite disponibilizar toda a energia renovável para a cidade. As várias Faculdades e Departamentos do Campus Universitário cuidarão dos vários sectores que referimos e que serão campos de trabalho para a própria eco-aprendizagem. 7. Organização das Etapas Organizar um plano onde se refira a transição das várias etapas construtivas e do funcionamento das futuras actividades. Mostrar nesse plano a metamorfose orgânica do território nas várias etapas temporais.

Porto, Julho de 2007
Jacinto Rodrigues

Nota: As imagens foram organizadas pelos alunos Ana Simões, Ana Carolina Coelho, Nuno Duarte, Sara Ribeiro, Daniela Marques e Vítor Segarra com o apoio da restante turma.


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Pierre Rabhi, Sophie Rabhi e Michel Valentin
Visita de Jacinto Rodrigues a Terre et Humanisme
 Hameau des Buis e 
Les Amanins
                                                  2007

Pierre Rabhi nasceu na Argélia, num pequeno oásis do sul.
Muito novo moveu-se entre duas culturas. Preservando as suas raízes duma família sufi, argelina, foi educado por um casal de professoress franceses após a morte de sua mãe.
Em 1958, tendo vindo muito novo para França com os pais adoptivos, conheceu a vida operária numa fábrica de Paris mas acabou por vir a instalar-se numa província do interior, Ardèche, com a sua família, tornando-se agricultor. Orientando a sua actividade rural durante 25 anos para a agro-ecologia, tornou-se num “expert”. Veio a ser consultor de organizações internacionais e divulgou os seus conhecimentos em agro-ecologia em diversos países africanos. Ao longo da sua actividade como consultor, forneceu utensílios teóricos e práticos para a autonomia alimentar das populações, procurando reconciliar a actividade humana com a natureza.
Em 2002 lançou o “apelo para uma insurreição da consciência” e foi candidato alternativo às eleições presidenciais francesas. Tal como em 1974, Renné Dumont, célebre engenheiro agrónomo e pioneiro da ecologia, teve grande impacto sobre a vida política convencional. A problemática agro-ecológica tornou-se, a partir de então, objecto de debate alargado aos cidadãos.
A importância de Pierre Rabhi, cuja obra científica e literária[1] é já reconhecida no mundo, está no facto de se engajar numa prática de vida, num ensino da frugalidade feliz que o tornaram numa figura emblemática: um novo Gandhi dos nossos dias.
As ideias-base de Pierre Rabhi podem resumir-se à:
- Não violência;
- Pertença inter e transcultural como atitude nova dum universalismo concreto, alimentado pelas experiências singulares vividas;
- Recusa do dogma do crescimento e defesa de um decrescimento na área das tecnologias contaminantes e de esgotamento;
- Recusa de uma modernidade em que se “vive para trabalhar em vez de trabalhar para se viver” e duma “civilização de combustão triunfante” da termodinâmica dissipativa que enjeita a realização criativa do trabalho manual e intelectual.
Rabhi desenvolveu uma acção em várias frentes. Da problemática altermundialista à intervenção local, abrangendo experiências em locais diversos como França, Marrocos, Burkina Fasso, etc. Pensar e agir criando alternativas participadas.
A palavra de ordem do movimento “Terre et Humanisme”, de que é Presidente de honra, consiste em promover experiências exemplares de agro-ecologia por todo o território - criar “um oásis em cada lugar”.
O movimento “Terre et Humanisme” tem apoiado inúmeras iniciativas em África e na Europa. Tem desenvolvido acções de formação, particularmente em agro-ecologia e na pedagogia social. Tem-se oposto à introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) levando a cabo acções comuns, com várias organizações, contra as multinacionais responsáveis pela introdução dos OGM. Pierre Rabhi tem trabalhado em cooperação com a Universidade “Terre du Ciel” e tem sido uma voz activa na política favorável à consciência ecológica. Veja-se, o livro que escreveu, recentemente, com Nicolas Hullot[2] . Trata-se de uma importante contribuição na ecosofia.
Por outro lado, encarando uma actividade prática, Pierre Rabhi realiza projectos-piloto em Marrocos, Burkina-Fasso, Mali, etc.
Actualmente, em cooperação com Michel Valentin, participa no projecto “Les Amanins”, escola de vida, quinta experimental educativa, cujo objectivo central é formar agentes de eco-desenvolvimento, dotados de intrumentos teórico-práticos para a mudança do paradigma.
No dia 22 de Agosto de 2007, depois de atravessarmos a pequena vila de Lablachère, seguimos para a casa de Pierre Rabhi, situada no lugar de Montchamp. É nesse lugar que se situa a quinta de Pierre com uma casa de construção vernacular onde encontramos a Michele Rabhi. O Pierre ainda não chegara duma reunião em Mas de Beaulieu.
   
A Michele mostrou-nos a pequena escola Montessori, construção pré-fabricada de madeira, que desde há 5 anos tem sido o local de trabalho de Sophie Rabhi, filha do casal. A quinta permite um contexto de apoio à formação educativa da escola. Assim, o pomar, a horta agro-ecológica, o galinheiro e as cabras constituem um complemento essencial à escolinha “Jardin d’enfants”. As crianças têm um contacto directo com o mundo rural e os produtos da quinta ajudam a complementar a alimentação das crianças.
Entretanto começamos a conversar com uma das educadoras. Ela explicou-nos: “A metodologia de ensino Montessori é amplamente articulada com inovações que surgem no contexto da quinta agro-ecológica praticada por Pierre Rabhi e também pelo olhar de novas experiências pedagógicas”.
Fomos ver a construção de uma “yurta” em lona que viera articular-se, com a sua forma redonda, à construção funcional e rectangular dos 2 pavilhões pré-fabricados em madeira.
  
Por outro lado, a sanita seca mostra a integração da escola no mundo rural, permitindo, no processo agrícola, a compostagem de dejectos humanos e outros nutrientes orgânicos como fertilizantes da terra. Revela-se assim o conceito de Lavoisier: na natureza nada se perde, tudo se transforma.
O “cabanon de la colère” é uma pequena cabana, um pouco isolada em que as crianças, quando estão muito excitadas, são convidadas a extravasar as suas energias e pequenas raivas. Uma espécie de catarse voluntária para acalmar os mais excitados e facilitar o ritmo da aula.
 
Entretanto chega o Pierre Rabhi. Recordamos a viagem a Marrocos, o estágio em agroecologia na aldeia de Kermet Ben Salem. E enquanto caminhávamos pela quinta, o Pierre relatava os programas internacionais do trabalho da Associação “Terre et Humanisme” em Marrocos, no Mali, no Senegal e Burkina Fasso.
Pode-se resumir assim a sua estratégia:
1) A mudança a partir da situação concreta em que se vive;
2) Ter consciência clara de que a felicidade terá de ser conquistada por nós mesmos;
3) Haver uma mudança essencial sobre a visão do mundo. A agro-ecologia poderá tornar-se no factor de harmonização do homem com a natureza, graças a uma ecotecnologia e a uma ecosofia.
Pierre Rabhi desenvolveu algumas ideias sobre a necessidade de se internacionalizar este conceito de criar “oásis em todos os lugares”.
Em seguida voltamos a revisitar o trabalho de Pierre Rabhi em França.
Relatou-nos a actividade desenvolvida já ao longo de anos na sede do movimento “Terre et Humanisme” em Mas de Beaulieu, onde os estágios de formação em agro-ecologia constituem a estrutura principal do trabalho.
Em 2008 irão fazer-se estágios de 6 dias:
- 14 a 19 de Abril
- 12 a 17 de Maio
- 30 a 5 de Julho
- 15 a 20 de Setembro
- 6 a 11 de Outubro
Nestes estágios dá-se uma formação abrangente de agro-ecologia:
- História da agricultura do neolítico até à actualidade;
- Noções de permacultura e biodinâmica;
E procede-se a uma prática de agro-ecologia:
- Trabalho de fertilização optimizada de solos, irrigação, compostagem, etc.
Tínhamos visitado o Mas de Beaulieu há já alguns anos. Mas, durante o ano de 2007 deu-se um salto qualitativo. Passaram pelo trabalho agro-ecológico da sede do movimento “Terre et Humanisme” mais de 200 estagiários e 160 cooperantes voluntários.
Neste período construiu-se um poço canadiano, um armazém agrícola, refizeram-se muros e plantaram-se novas árvores de fruto.
Importa referir ainda a cooperação de Pierre Rabhi no projecto intergeracional do Hameau des Buis, loteamento ecológico em torno de uma quinta agroecológica educativa. Este projecto nasceu da filha de Pierre, Sophie Rabhi e do seu marido Laurent.
  
A experiência de Les Amanins é uma outra iniciativa de cooperação conjunta entre Pierre Rabhi e Michel Valentin. Estes dois homens descobriram uma complementaridade que os consolidou em torno de um mesmo projecto - um centro agro-ecológico.
Num terreno de 55 hectares vai realizar-se uma experiência bio-económica onde a prática agro-ecológica se articula com uma actividade pedagógica em torno de uma escola com crianças e também à volta de ateliers de formação para adultos.
O coração do projecto é a quinta agro-ecológica . Mas também a escola do colibri, dirigida por Isabelle Peloux.
   
Este centro vai tornar-se uma experiência exemplar, formativa, demonstrativa e criativa para a necessária mudança de paradigma.
Será uma eco-escola em França, ao serviço de uma visão internacional do ecodesenvolvimento e da paz.
A visita que fizemos levou-nos às várias estruturas já construídas. Um centro de recepção, a futura padaria e cantina e os vários ateliers ligados à actividade agro-ecológica e à escola.
A bioconstrução integra-se num vasto plano de logística para ateliers, alojamento e protótipos de energias renováveis.
Entretanto, o Boletim de “Terre et Humanisme” tem-se expandido cada vez mais relatando além das actividades do Mas de Beaulieu os trabalhos realizados no domínio internacional.
Assim, dando provas de uma abertura intercultural e transcultural, Pierre Rabhi desenvolve a sua actividade numa perspectiva internacional e local.
São vários os países africanos onde existem, desde alguns anos, experiências exemplares orientadas segundo o trabalho de Pierre Rabhi.
A experiência no Burkina Fasso, em Goron Goron, com a implantação de um centro agroecológico, baseou-se nos recursos endógenos e na participação das populações. Tornou-se um exemplo internacional para um outro modelo de ecosustentabilidade para África.
O livro “Offrande du Crepuscule”[3] descreve, em detalhe, esta experiência notável.
A actividade do movimento “Terre et Humanisme” alastrou-se ainda a outros países. Assim, tivemos o privilégio de vivenciar a experiência da aldeia de Karmet-Bensalem, em Marrocos onde se explicita esta prática agroecológica e de participação social criando locais demonstrativos de formação e reprodução de ecotécnicas ao nível da irrigação, compostagem e das hortas experimentais. Criam-se vários sistemas agro-ecológicos que vão desde celeiros, taludes, valados de irrigação anti-erosão, mini-crédito, etc.
    
No Mali, na aldeia de Tacharan, criou-se também um centro agro-ecológico, articulando várias actividades culturais como alfabetização, formação do associativismo nas mulheres e actividades de bioconstrução.
Actualmente, no Senegal, mais de 20 hortas associadas e articuladas ao Centro agro-ecológico experimental, permitiram já a formação de mais de 800 pessoas em ecodesenvolvimento. Realizaram-se 5Km de diques de irrigação anti-erosão e desenvolveram-se actividades pedagógicas com crianças e adultos.


Jacinto Rodrigues


[1] in Rabhi, Pierre “Du Sahara aux Cevennes”, Ed. Albin Michel, 1983, “Offrandre au crépuscule”, Ed. Harmattan, 1989, Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Graines de possibles”, Ed. Calman-Levy, 2005
[2] in Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Les graines du possible”, Ed. Calman-Levy, 2005
[3] Rabhi, Pierre “Ofrande du Crepuscule”, Ed. L’Harmattan, Paris



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Entrevista realizada por Ricardo Jorge Costa a Jacinto Rodrigues e publicada no Jornal a Página da Educação" , ano 16, nº 165, Março 2007, p. 14.  

Pensar a ecologia em África não é uma utopia
I Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável

Formar as populações para actuarem numa perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentável no continente africano, assolado por gravíssimas carências em todos os domínios, pode parecer uma utopia. Mas não é assim que pensa um grupo de docentes universitários que está a lançar as bases para um projecto de intervenção social e ambiental junto das populações locais. A ideia foi lançada há pouco tempo na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, e está neste momento em marcha. Um dos seus principais dinamizadores é Jacinto Rodrigues, professor catedrático da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, que explicou à PÁGINA as ideias chave deste projecto. 
Esteira do Ambiente 
A ideia nasceu no último Congresso Luso-Afro-Brasileiro – um espaço de debate dinamizado por um conjunto de académicos oriundos de diversas universidades do espaço lusófono -, realizado no final de Novembro de 2006 na Universidade Agostinho Neto, em Luanda. Objectivo: formar localmente agentes de eco-desenvolvimento e dinamizar comunidades agro-ecológicas sustentáveis, apoiadas em tecnologias apropriáveis e energias renováveis, tanto em contexto urbano como rural, em países africanos de língua portuguesa. 
A meta, tal como reconhece Jacinto Rodrigues, um dos responsáveis pela "Esteira do Ambiente" - nome pelo qual este grupo se quer dar a conhecer -, é "ambiciosa". Mas não impossível. O trabalho desenvolvido por uma outra organização não governamental com a qual têm colaborado e que trabalha na área da formação médico-sanitária, a alemã Anamed, mostra que isso é possível. 
Esta ONG realiza regularmente seminários sobre medicina natural em vários países africanos, nomeadamente em Angola, através dos quais os formandos - médicos, enfermeiros, técnicos de saúde básica e mesmo curandeiros tradicionais - são orientados para a prática da medicina convencional recorrendo aos recursos naturais disponíveis. 
O principal objectivo da Anamed é proporcionar ajuda directa às comunidades situadas em áreas desfavorecidas no tratamento e prevenção de doenças como a malária e a sida, recorrendo para isso sobretudo à flora local, procurando, deste modo, que as populações locais se tornem menos dependentes dos fármacos importados de países ocidentais. 
À semelhança desta ONG, um dos objectivos da Esteira do Ambiente é divulgar junto das comunidades locais as propriedades terapêuticas e alimentares de determinadas árvores e plantas, que, de uma forma barata e amiga do ambiente, podem contribuir significativamente para diminuir a subnutrição e debelar doenças comuns nestas zonas. 
Jacinto Rodrigues cita os casos da Moringa Oleífera e a Artemísia Annua, ambas com propriedades terapêuticas e alimentares muito significativas, susceptíveis de proporcionar não só uma base alimentar (no caso da Moringa as folhas são comestíveis e garantem uma alimentação rica em vitaminas, oligoelementos e cálcio) como o fabrico de medicamentos. "Costuma até dizer-se que quem planta uma moringa no quintal tem uma farmácia ao lado de casa", diz Rodrigues, referindo igualmente a importância da Neem, uma planta infestante que funciona como bio-repelente natural, afugentando mosquitos e outros insectos transmissores de doenças em climas tropicais. 
A valorização da flora local, porém, é apenas uma das facetas de uma estratégia mais vasta que a Esteira do Ambiente pretende ver implementada no sentido de fomentar processos capazes de contribuir para a melhoria de vida das populações através de meios ecológicos e sustentáveis. Jacinto Rodrigues refere como exemplo a possibilidade de construção de habitações mais sólidas e bioclimatizadas construídas a partir de tijolos fabricados com a própria terra. 
Mas não são apenas os aspectos de ordem prática que a Esteira do Ambiente quer ver implementados. O que se pretende, diz Rodrigues, é uma "revolução mental, política e cívica" que "ajude as populações a tomar em mãos o seu próprio destino". Para concretizar este objectivo, diz, o grupo quer dinamizar a formação técnica e pedagógica de agentes de eco-desenvolvimento nos próprios locais de intervenção, capazes de tirar partido dos recursos naturais e saberem aplicá-los na área da medicina natural, da auto-construção e das energias renováveis, num processo de aprendizagem que se quer adquirido de forma prática e numa base recíproca. 
Para isso, garante Rodrigues, "não é preciso construir 'elefantes brancos', traduzidos em universidades e pólos", mas tão só que se estabeleça uma rede de académicos com experiência no domínio do desenvolvimento ecologicamente sustentável, em parceria com as universidades e os agentes locais, que possa circular nos diversos territórios de actuação e dar formação numa "perspectiva de transformação da realidade social". 
Com vista a preparar as bases desta futura plataforma internacional, a Esteira do Ambiente irá organizar o I Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável, agendado para 2 e 3 de Maio na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, onde, para além de aprofundar este debate, se procurará reunir responsáveis universitários dispostos a viabilizar este projecto e estabelecer protocolos com instituições congéneres nos países africanos. 
Mais informação pode ser encontrada no blog "Esteira do Ambiente", espaço de comunicação na Internet em torno do desenvolvimento ecologicamente sustentável, que pode ser visitado em http://ecologiaambiente.blogspot.com.

Artigo de Ricardo Jorge Costa; 



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A Água na Paisagem do Séc. XXI - 2007














Jardins Filtrantes e Produção Agro-Ecológica


São terríveis as imagens de Luanda sob as chuvas torrenciais que vimos nas notícias da semana passada.
Parecia que um dilúvio fizera submergir o bairro do Cazengo. Gente desesperada tentava salvar os magros recursos das sanzalas.
A trovoada e as grandes bátegas de água, encharcavam a pobre gente dos musseques, arrastando tudo numa impressionante voragem. E durante mais de uma semana as chuvas inundaram casas e as terras ficaram alagadas.
Agora, os charcos pairam por todo o território e os detritos vindos dos esgotos desfeitos tornaram as águas pestilentas. Os mosquitos não tardaram quando o sol voltou, por isso está aí o perigo da malária e das desinterias. É a morte que espreita sobre a cidade.
Que medidas se podem adoptar para que, de um modo simples, se possam prevenir futuras catástrofes deste tipo?
Vamos explicitar, neste texto, algumas reflexões que apontam para processos capazes de contribuir para a melhoria de vida das populações, através de meios ecológicos e sustentáveis.
A paisagem humanizada é um ecosistema natural que se interliga aos sistemas artificiais construídos pelo homem. Urbe e natureza constituem assim uma relação simbiótica originando o actual processo civilizacional em que vivemos. A sociosfera gerou um antagonismo com a biosfera devido ao aparecimento duma tecnosfera que esgota e contamina a natureza. Actualmente a biosfera tem um ritmo de regeneração inferior ao esgotamento e poluição gerados pela tecnosfera, baseada na energia fóssil e materiais não recicláveis.
O metabolismo circular, específico dos processos ecosistémicos e bioregenerativos, foi assim perturbado pelo metabolismo linear desta civilização esbanjadora e contaminante.
Para retomar o metabolismo circular bioregenerativo dos ecosistemas naturais, será necessária uma mudança radical. Teremos de substituir as energias fósseis por energias renováveis e substituir a actual tecnosfera por uma ecotecnosfera reciclável e reutilizável.
Assim, o metabolismo circular no paradigma ecológico deixará de ter lixos para ter nutrientes. Nutrientes orgânicos recicláveis no metabolismo regenerativo da biosfera e nutrientes técnicos, reutilizáveis na nova ecotécnica civilizacional baseada em materiais biodegradáveis e energias renováveis.
É neste contexto global que teremos de encarar o ciclo da água.
A produção agro-ecológica e os jardins filtrantes devem inserir-se numa nova visão da complexidade sistémica.
Assim, as águas residuais que contêm fluxos de nutrientes, devem ficar sujeitas a processos de lagunagem para a reciclagem orgânica desses nutrientes, permitindo a obtenção de águas reutilizáveis. Essas águas reutilizáveis podem mesmo vir a tornarem-se águas potáveis.
Vamos descrever, duma forma sintética, o funcionamento dos processos de biofiltragem acoplados à produção agro-ecológica.
É importante organizar bacias para este processo de biodepuração.
Essas lagunagens, (funcionando de uma forma biodepurativa) podem permitir, graças a uma inclinação do terreno, um movimento da água por gravidade.
Podem-se usar micrófitas (algas) para a filtragem da água.
É sempre importante organizar 3 bacias, pois à decantação da primeira bacia, seguem-se outras formas mais eficazes de depuração.
As macrófitas são usadas com eficácia para a filtragem da água (caniços, junquilhos, íris, etc.)
Nestes casos procede-se a uma colheita dos vegetais, de tempos a tempos, para não haver uma infestação (a biomassa recolhida permite fertilizar a terra após feita uma compostagem).











As lagunagens podem ser compósitas: micrófitas e macrófitas, podendo também povoar-se com peixes e patos, constituindo-se um ecosistema mais complexo, mais eficaz e também mais aprazível.
Assim procede-se à integração da produção agro-ecológica com os jardins filtrantes, criando-se uma nova paisagem útil e agradável.
Estes jardins filtrantes, quando utilizados para filtrar águas pluviais e domésticas, são locais de produção agro-ecológica e permitem ainda a existência de um parque de recreio e lazer.
Para uma melhor depuração das águas o solo desempenha um papel fundamental como factor de filtragem. O sistema depurador do solo pode organizar-se a nascente do processo biodepurativo da lagunagem.
As águas usadas domésticas poderão, previamente, sofrer uma filtragem inicial através duma camada natural de argila. Essa camada natural de argila pode estar subterrada por um talude de terra na qual se plantaram choupos ou álamos. As raízes destas árvores são um sorvedouro dos nitratos que possam existir nas águas que escorrem ao longo do leito de argila, em declive, por onde a água vai sendo filtrada primeiro pelo solo de argila e depois pela fitodepuração e biodepuração.
Podem também juntar-se aos choupos os salgueiros que, embora dotados de uma forte capacidade de evapotranspiração (consumindo bastante água), têm contudo uma grande capacidade de absorverem e consumirem azoto e fósforo que, eventualmente, possam estar nas águas residuais e que são prejudiciais à saúde dos homens e dos animais.
A estas macrófitas podem-se juntar muitas outras plantas úteis para a alimentação de animais assim como peixes, conforme o uso das lagunagens e o grau de depuração conseguido nas bacias anteriores.
Essas plantas úteis, para além das fragmitas comunis e dos jacintos de água, podem ser utilizadas na alimentação humana, como por exemplo ervilhas de água, agriões e alfaces de água, logo que se assegure uma boa filtragem tendo em vista a potabilização da água.
É importante estabelecer zonas nítidas de separação entre o processo agro-ecológico, em que podem coabitar animais, peixes e plantas e o processo em que se pretende tornar a água potável.
Barreiras e cascatas, constituídas por pedras, argilas e plantas diversas, nomeadamente rizomas, são divisórias porosas do processo de lagunagem que permitem os meios eficazes para a obtenção de água cada vez mais potável.
No percurso deste fluxo hídrico a água é assim filtrada e agitada de modo a ser cada vez mais oxigenada. Podem usar-se cascatas naturais entre os vários declives mas podem também ser usadas “flowforms” que, graças a um design especial, fazem circular a água. Essa água saltita sobre o relevo e os contornos artísticos dessas formas, especialmente concebidas para o efeito revitalizador da água.

Bibliografia essencial
"Le lagunage ecologique", Yves Pietrasanta e Daniel Bondon, Ed. Economica, Paris, 1994;
"L'eau à la maison", Sandrine Cabrit Leclerc, Ed. Terre Vivante, Mens, 2005;
"A la recherche du mystère de l'eau", Hans Kronberger e Siegbert Lattacher, Edt.Uranus,1999;
Refiro também a importância dos contactos tidos com Michel Rossell, no sul de França e de Herbert Dreiseitl, na Alemanha, que trabalhou no projecto IBA do Emscher Park e dirige o Atelier Dreiseitl em Uberlingen.


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ÁFRICA - QUE DESENVOLVIMENTO?
(in Revista Africana Studia, nº 10, 2007)


A Mudança de Problemática em Relação às Mudanças de Paradigma
O paradigma epistemológico dominante é hoje caracterizado pela cosmovisão newtoniana do pensamento ocidental, que introduziu um olhar mecânico sobre a natureza e sobre a ciência em geral.
Um outro processo “tecno-civilizacional”, como referiu Mumford (1), traduziu o uso de novas energias e novas tecnologias (tecnosfera), expressou uma organização social com novas formas de poder (sociosfera) e revelou novas concepções do mundo (noosfera).
O mundo da técnica tornou-se cada vez mais elaborado, sendo a sua apropriação cada vez mais restrita aos especialistas.
As energias naturais (a água, o vento, a tracção animal) deram lugar às energias fósseis. E a maquinaria, cada vez mais complexa, passou dos utensílios mecânicos iniciais ao motor a vapor e do motor a vapor aos motores de explosão.
Uma nova organização social gerou mudanças que vieram a inculcar a noção de progresso. E daqui se extrapolou a ideia de uma relação entre progresso técnico e progresso social.
Assim, ao longo do processo histórico, surgiram comparações e avaliações entre os vários modos de produção ou, como outros preferem, entre diferentes paradigmas. A avaliação comparativa desses modelos tem sido polémica. Ora se tem oscilado na incapacidade dum juízo de valor sobre a constatação das diferenças entre os referidos modelos civilizacionais, ora se tem ajuizado sobre a hierarquização progressiva das etapas ao longo da história.
A epistemologia das ciências oscila entre um relativismo total de juízos de valor e uma afirmação dogmática de raíz iluminista.
O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend(2) , numa atitude “contra o método”, nega qualquer tentativa de comparabilidade entre paradigmas. Feyerabend recusa “lógicas óbvias” explicitando que todos os saltos rupturais na ciência, se devem à violação das normas seguidas. Exemplifica essas rupturas sucessivas pós-newtonianas com a teoria da relatividade e a teoria quântica.
A posição de Karl Popper(3), ao contrário de Feyerabend, pretende, com maior flexibilidade, defender a tradição iluminista duma “verdade” e duma “razão” hipostasiadas. Existe, para Popper, um critério de progresso. Trata-se de uma hipótese da humanidade poder chegar a teorias cada vez mais “verdadeiras”.
A posição de Thomas Kuhn(4) pode considerar-se intermédia, revelando uma dialógica entre uma “ciência normal”, cujos referentes estruturais se convencionam a partir de valores instituídos por dentro (aceitação, durante um certo tempo, de problemas e soluções) mas cujos fundamentos têm relações com a conjuntura temporal e com as contradições dum processo sempre em mudança.
A questão que resumi desta forma esquemática, consiste em saber se é possível ou não, partir para a noção de progresso (processo valorativo) isto é, para uma espécie de telefinalismo apriorístico, onde se descortinam no desenrolar da história, formas sempre “superiores” de ciência, cultura e civilização.
Porém, o que queremos aqui demonstrar é que a questão epistemológica essencial não é esta polémica levantado pelo moderno ou pós-moderno, da grande ou da pequena narrativa em relação à maior ou menor possibilidade da “verdade”. O que queremos trazer a esta reflexão é a mudança de problemática epistemológica: olhar não tanto para a questão duma teoria do conhecimento totalizante, com discursos explicativos e uma lógica monística global, mas revelar fenomenologicamente, níveis diferentes na complexidade da biosfera, da técnica e da sociedade, com lógicas e funcionamentos metodológicos diversificados, ainda que com interacções entre o uno e o múltiplo, o universal e o singular.
A tecnosfera, a sociosfera e a noosfera, agindo interactivamente, revelaram um novo pensamento ecologizado – uma ecosofia. Esta sabedoria permite-nos ter consciência das nossas acções. E é sempre melhor agir dum modo consciente, pilotando construtiva e pragmaticamente, do que soçobrar nos preconceitos apriorísticos do optimismo ou do pessimismo, do relativismo ou do dogmatismo pré-estabelecidos.


A Constatação do Estado Actual do Planeta
Através da intervenção histórica do homem numa perspectiva tecnocêntrica, o crescimento económico dominante foi construindo uma tecnosfera de tal maneira energetívora, na sua voracidade, que já não permite hoje, um ritmo regenerador da biosfera. A biosfera, delapidada das suas florestas biodiversivas, poluída pela toxidade das águas e dos solos, fragilizada pela construção excessiva de edificações consumistas e não recicláveis, esgotada pela tecnociência fóssil e contaminadora, está incapaz de reproduzir um processo de regeneração superior à delapidação do modelo actual. Os cientistas constataram esta situação há já alguns anos: a tecnosfera, esgotante e contaminadora, tem um peso destruidor maior do que a capacidade regeneradora da biosfera, enfraquecida!
Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (W.W.F.N.) e o PNUE, em 2004 a humanidade consumiu 20% mais de bens naturais do que o que a terra pôde produzir. Por isso, estes organismos internacionais utilizam, a partir de agora, o conceito de dívida ecológica.
Podemos explicitar esta afirmação, servindo-nos da demonstração, já amplamente divulgada, do conceito de “pegada ecológica” de William Rees(5) .
“Dividindo a área total de terrenos produtivos da Terra pela população mundial obtemos o valor de 2,3 ha per capita (inclui o uso dos oceanos).
Nem todo este espaço deve estar disponível para os humanos, visto que partilhamos o planeta com qualquer coisa como 30 milhões de espécies. Reservando 12% para este efeito, (...) sobram cerca de 2 ha per capita.
Porém, embora 2 ha por pessoa possa parecer muito (qualquer coisa como 4 relvados de futebol), a Pegada Ecológica média é de 2,8 ha – o que, mesmo assim, representa uma subestimativa”(6).
Segundo o Relatório “Planete Vivante”, a desigualdade entre as diferentes regiões do mundo é gritante. “Os gastos provocados por um habitante da América do Norte ou da Europa são entre 5 a 10 vezes superiores aos de um africano.”(7)
Portanto, este modelo social tecnosférico, gerou um tipo de sociedade que acelera e reproduz formas de consumo material e energético que, além de delapidarem o capital natural, geram desigualdades, exclusões e injustiças sociais.
Temos hoje um agravamento cada vez maior do fosso entre os que possuem cada vez mais meios materiais, alimentares e energéticos e os que não os possuem.
16% da população beneficia de 84% dos bens disponíveis.
84% da população sobrevive apenas com 16% dos bens disponíveis.
Assim, a apropriação e o funcionamento dessa tecnosfera, provocou o esgotamento e a contaminação da biosfera, sendo ao mesmo tempo responsável pela forma social de exploração e pela dominação de grupos cada vez mais pequenos mas mais vorazes e predadores na sociosfera.
Reciprocamente, o tipo de organização social e a forma de poder, geraram uma tecnociência dominante que, ideologizada por interesses lucrativos, serviu e serve a manutenção e dominação duma larga maioria da população.
Deste modo, para além do ecocídio da natureza, é cada vez maior o fosso entre dominadores e dominados. Sentem-se cada vez mais as desigualdades entre as pessoas, regiões, países e continentes.
A sociedade e a tecnociência do paradigma dominante, gerou um modelo baseado numa cultura consumista. Trata-se de uma cultura do supérfluo, do consumo de bens que não são resposta às necessidades essenciais, mas que resultam de uma produção gerada por um marketing em função do lucro. Este modelo hegemónico, baseado na aparente felicidade produzida pela posse de objectos e em falsas necessidades geradoras de esbanjamento, é impossível de se alargar a todos os povos. Se, por hipótese, se alargasse esse mesmo modelo de consumo, seriam necessários 2 a 3 planetas(8).
Assim, a pegada ecológica dos países de economia dominante é tal que só uma mudança total de paradigma civilizacional, pode pôr fim ao actual modelo ideológico e tecnocientífico autofágico, em que vivemos.
Essa mudança poderá surgir de diversas maneiras:
a) Após graves distúrbios na biosfera, como se prevê no filme “A verdade inconveniente”(9) de Al Gore, onde as mudanças climáticas e as poluições globais são o prelúdio das catástrofes que se avizinham ou ainda as conclusões dramática previstas por Jammes Lovellock no seu livro “A Vingança da GAIA”(10) .
b) Essas mudanças podem ser provenientes de acções internacionais, nacionais ou regionais. Podem ser grandes acções colectivas ou prosseguidas pela acção individual de ecocidadania.
c) É provável também o cenário misto em que cataclismos exijam mudanças e do mesmo modo a intervenção preventiva resulte da consciência cada vez maior dos perigos em que a sociedade se meteu.
São várias e diversas as frentes para a sobrevivência da espécie humana e para a construção duma sabedoria ecológica num outro mundo que ainda é possível, se abandonarmos o imaginário social colonizado em que rico e felicidade são sinónimo de posse do supérfluo e esbanjamento dos bens naturais.


As Contradições dos Paradigmas
O paradigma newtoniano, com uma coerência interna de valores culturais e uma recomposição ideológica de interesses sociais, explicitou mudanças, antagonismos e descontinuidades. Assim se consolidou um outro processo técnico-energético, com diferentes relações sociais de produção e a reorganização do poder, revelando cosmovisões diferenciadas do anterior paradigma.
Porém, esta ruptura com o mundo pré-moderno, não foi homogénea nem pacífica. E a própria modernidade não produziu sempre uma via única: Nicolau de Cusa, Jakob Boheme e Goethe afastaram-se do mecanicismo dominante e constituem hoje elos dialógicos dum pensamento emergente pós-newtoniano.
A atitude moderna convencional foi reducionista ao acusar de obscurantismo uma outra modernidade anti-mecanicista.
A continuidade entre sujeito e objecto, entre homem e natureza, são afinal constatações cada vez mais evidentes na ciência contemporânea, como revela “A Nova Aliança” de Prigorgine(11).
Também uma racionalidade pragmática prosseguiu sem ter necessariamente que enfileirar no racionalismo ideológico e irredutível. A própria razão deve estar sujeita, na crítica epistemológica, à crítica da própria razão, como diz Bachelard(12) .
Assim, conflitos e contradições acompanharam este processo da modernidade ou de modernidades. O movimento hegemónico, dito “moderno”, nunca dominou inteiramente a cena filosófica da modernidade.
Não foi apenas a cosmologia newtoniana que viu opôr-se à mecanicidade do cosmos, uma “gaia” viva. Esta “gaia” viva, surge hoje duma forma teórica mais elaborada, com cientistas contemporâneos.
O movimento romântico introduzira a metáfora orgânica à ciência da vida e às ciências sociais. E o séc. XIX, mau grado a dominação do fisicismo e do positivismo, teve momentos diferenciados de sabedorias diversas, algumas das quais provinham mesmo de paradigmas mais antigos.
A cultura dita ameríndia, sensibilizou poetas e pensadores norte-americanos. A célebre carta do Chefe Índio Seattle ao Presidente dos E.U.A. mostra uma cultura ecológica profunda dos índios norte-americanos em relação ao produtivismo prometaico dos exploradores do novo mundo:
“Para o meu povo, cada pedaço desta terra é sagrado. Cada ramo de árvore que cintila, cada punhado de areia das pradarias, cada penumbra na floresta densa, cada clareira e cada insecto a zumbir são sagrados na memória do meu povo.
A seiva que percorre o corpo das árvores, carrega consigo as lembranças do Pele- Vermelha. Os mortos do homem branco esquecem a sua terra de origem quando se vão por entre as estrelas. Os nossos mortos jamais esquecem a terra pois ela é a mãe do Pele-Vermelha. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs. O veado, o cavalo e a grande águia são nossos irmãos. Os picos rochosos e os sulcos húmidos nas campinas, o calor do corpo do cavalo e o homem pertencem à mesma família. Portanto, quando o grande chefe, em Washington, manda dizer que quer comprar a nossa terra, ele pede muito de nós. O grande chefe de Washington diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Diz que será o nosso pai e que nós seremos seus filhos. Vamos pois considerar essa proposta de compra da nossa terra mas não será fácil”(13).
Thoreau, Emmerson e Morris opuseram-se ao modelo industrialista/produtivista e avançaram propostas descentralizadas ao urbanismo. Surgiram sensibilidades diferentes em relação ao binómio homem/natureza.
A crítica ao colonialismo e, em particular, à colonização africana foi assumida também em Portugal.
Ladislau Batalha no livro “O Continente Negro” faz uma crítica à colonização numa linguagem arrevezada de autodidacta estrangeirado: “Consideradas as conquistas em relação aos povos das terrras conquistadas, é problemático se os europeus, levando aquelas regiões a civilização e o progresso, também foram portadores da felicidade. É esta puramente relativa e pode-se bem asseverar que a imensa família de proletários da Europa, seria mil vezes mais feliz se, em vez de possuir os arrobos de ventura simbolizada apenas na contemplação de maravilhas e assombros de arte e luxo, pudesse trocar o seu desassocego de espírito e excesso de privações, pela serenidade e abundância dos povos virgens do continente negro, os quais se dão por satisfeitos com possuírem algumas companheiras, uma espingarda, pólvora, tabaco, palmares e peixe seco.
São ricos na sua miséria porque nada mais precisam além do que possuem, e esta ventura é-lhes arrancada pelas offertas da civilização, prompta sempre a despertar-lhes os sentidos com as promessas de luxo e de gozo.(...) O maior empenho foi sempre apoderarmo-nos em África das terras e bens alheios, tudo saquear, exercendo os maiores despotismos. (...) Na febre de legislar, pondo, dispondo, fazendo e desfazendo, intervindo em tudo, e contradizendo-se a cada instante, D. Manuel que fazia ostentação das suas grandezas, envou ao Rei do Congo, além de letrados em teologia, professores de ler, escrever e outras várias futilidades, entre elas mestres de canto-chão, de música e canto de orgão, cathecismos, fatos de brocado e seda (extrangeiros), cruzes, cáçices, thuribulos, etc. Com estes mimos lhe enviou também uma colecção das suas ordenações para que por elas se regesse. O que se segue é curioso, e atesta o que deixamos dito sobre a felicidade hipothética levada ao indígena africano.
O potentado mandou que as ordenações lhe fossem lidas por um intérprete, e, notando as minudências segundo refere Mariz, perguntou a um português que se achava presente que pena davam em Portugal a quem punha os pés no chão.”(14)
Gandhi(15) previu muitos dos erros que hoje podemos constatar, como por exemplo o processo tecnocrata do produtivismo em série que desvaloriza a realização antropológica do homem pelo trabalho manual e criativo. Gandhi abriu ainda, graças à noção de Swadeshi, a valorização do uso das forças endógenas, dos saberes vernaculares e ainda a importância essencial de uma economia de vizinhança ou seja, a virtude de contar com as próprias forças e o uso dos bens naturais existentes no biótopo em que se vive.
No entanto, o movimento tecno-científico tornou-se um saber convencional, cuja ideia essencial foi considerar a natureza como máquina e explicar a complexidade do universo e dos vários níveis da realidade, apenas através do causalismo determinístico.
Este causalismo implicava também a já referida ideia de progresso linear, proporcionado agora por uma intervenção dessa lógica mecanicista, perversamente, em nome duma crença, visando a felicidade universal.
Todo este fundamento epistemológico está ainda implantado na ideologia da maior parte dos centros culturais da contemporaneidade, nomeadamente nos “media”.
A economia tornou-se num corpo doutrinal, numa disciplina analítica cuja lógica interna expressa uma ausência da problemática da complexidade e da relação sistémica entre o homem e a natureza.
Essa economia, enquanto disciplina fechada em si própria, transformou-se numa visão “monetarista”, numa “engenharia financeira”, num processo de “gestão
contabilística”, sem pôr em causa, reflexivamente, o sistema geral do modo de produção em que se insere, tornando-se uma ideologia justificativa do sistema.


Críticas ao Modelo Reducionista e Mecanicista
As críticas de Ivan Illich(16) ao modelo urbano-industrial, iniciaram as diatribes contra as políticas ocidentais de “ajuda” aos países do terceiro mundo, nos anos 60 do séc. XX.
Illich faz a crítica ao conceito de “desenvolvimento”, mostrando que “o marketing dos produtos estrangeiros traduz-se em subdesenvolvimento acrescido”(17) .
Illich defendeu assim a revolução nas instituições, nos países de economia dominada. Considerou que a situação pós-colonial não mudou substantivamente a situação social. “Um grupo de homens novos, com as suas próprias justificações ideológicas, tomou conta do poder. Mas continuou a assegurar o funcionamento das instituições escolares, medicais e económicas. Foi só a clientela que eventualmente mudou(...).
A única resposta possível ao subdesenvolvimento é a satisfação das necessidades fundamentais encaradas como objectivo, a longo prazo, nas regiões onde as possibilidades em matéria de financiamento serão sempre limitadas.”(18)
Ivan Illich, sem pretender discursar sobre grandes utopias, dava exemplos passíveis de imediata intervenção: substituir viaturas privadas por transportes colectivos e, em vez de transportes sofisticados e dispendiosos, veículos simples mas de todo o terreno. Fornecer água potável é mais importante do que construir serviços cirúrgicos muito caros. A ajuda médica preventiva é preferível a médicos e enfermeiros especializados em remediar. É mais desejável o uso de câmaras frigoríficas colectivas do que frigoríficos individuais.
Illich defendia ainda propostas simples que preparassem a sociedade civil através dum ano de serviço cívico para a construção do habitat e de um urbanismo sustentável.
Estas acções de mobilização, formação e solidariedade iam mais longe do que as “escolas-academias”, com sistemas de graduação e selecção.
Muitos dos trabalhos de Ivan Illich, em particular depois da publicação do livro “Uma sociedade sem escola” editada pela primeira vez em 1971(19) , formaram uma crítica mais global com preocupações de fundo como o próprio sentido de desenvolvimento dos serviços de saúde e da educação.
Como ele próprio disse, o paradigma dominante “tentou safar” os mitos e as ilusões perversas da nossa sociedade de consumo e do modelo capitalista em que “a sede é sinónimo de coca-cola e bem significa mais.”(20)
Também René Dumont fez, nessa altura, críticas ao tipo de crescimento agro-industrial.
A crítica pertinente, do agro-industrialismo monodiversivo, realizada na África colonial e neo-colonial, forneceu dados alarmantes sobre a destruição ecológica do continente africano.
O livro “L´Áfrique Noire est mal partie”(21) denunciou, à evidência, a destruição que o modelo ocidental provocava em África.
E Lewis Mumford, na linha de Morris, Patrick Geddes e dos desurbanistas da União Soviética dos anos 20(22) , condenou o “modelo” urbano-industrial das megapólis dissipadoras, avançando alternativas para ecopolis descentralizadas em que a ecotécnica substituiria a tecnociência positivista. Surgem, em vários países, experiências construtivas que procuram os aspectos positivos das técnicas tradicionais e a noção de eco-território aprofunda a noção de agro-ecologia, em relação à agro-indústria.
Algumas destas experiências foram tentadas em África, como por exemplo o “socialismo de aldeia”, de Julius Nyerere, que pretendeu imprimir, à estrutura agrícola, uma orientação próxima do desenvolvimento auto-centrado africano. Porém, estas experiências foram abortadas por contextos militares complexos, nomeadamente pela invasão militar ugandesa do Presidente Idi Amin.
Não temos ainda um balanço suficientemente fundamentado para tirarmos conclusões sobre estas experiências.


Crescimento e Desenvolvimento
Não seria possível hoje ultrapassar criticamente a noção de crescimento sem referirmos também os nomes de Jacques Ellul, Samir Amin, Majid Rahnema e Pierre Rabhi.
Como temos vindo a assinalar, é imprescindível a crítica à tecnociência para passarmos a uma perspectiva de ecodesenvolvimento.
a) Jacques Ellul foi um pensador contra-corrente. A abrangência dos problemas que debateu em mais de 60 livros publicados, praticando a transdisciplinaridade no quadro das suas reflexões, revelam sempre um critério ético na denúncia das questões sociais.
Contudo, a sua principal reflexão foi sobre o enfeudamento ideológico do positivismo e do cientismo tecnocrático. Foi um autor impossível de classificar em gavetas político-partidárias e que gerou constantes “arrelias” pela “provocatória” desmistificação das falsas verdades convenientes.
Considerou, nas suas principais obras(23), que a tecnociência se tornou um poderio técnico tal como o nazismo. Essa tecnociência transformou-se no meio mais eficaz da modernidade dominante. O sistema da “sociedade tecnicista” é uma ideologia, uma “fetichização”, que tudo justifica. Ellul desmonta a dimensão alienante da informação tornada propaganda que se deixa manipular pela eficácia operativa, como critério de legitimação.
Para Jacques Ellul, a combinatória estado moderno e ideologia tecnocrática tornou-se o maior perigo da nossa sociedade.
Podemos não estar sempre totalmente de acordo com as conclusões de Ellul mas foi ele que forneceu os dados epistemológicos essenciais para a demonstração da pseudo-neutralidade tecnocrática, como uma ideologia de desumanismo e alienação.
b) Samir Amin é um pensador criativo. A sua formação marxista de base não se cristalizou como aconteceu com muitas ideologias ortodoxas que se colaram comodamente às teses ideológicas e não procuraram a teoria crítica, ou seja, o essencial da obra de Karl Marx.
Samir Amin, no eurocentrismo-crítica duma ideologia (24), fornece-nos os elementos essenciais para a crítica da construção ideológica do capitalismo. Amin mostra-nos como a cultura ideologizada do capitalismo se consolida durante o Renascimento com a sua dimensão universalizante, anulando simultaneamente a achega ao projecto universalista de todos os povos. Revelou, duma forma clara, que a pretensa superioridade do ocidente resultava do desenvolvimento desigual que colocou o modelo eurocêntrico como dominante e esse desenvolvimento desigual entre centro e periferia, norte e sul, se devia essencialmente, à acumulação feita no ocidente, na base do esclavagismo, do saque e da exploração da riqueza dos outros povos.
Mais recentemente Samir Amin descreve-nos a entrada numa nova fase do imperialismo. Trata-se do imperialismo colectivo dos Estados Unidos da América, da Europa e do Japão.
Samir Amin refere o processo de auto-destruição do sistema actual, através daquilo a que ele chamou os quatro aspectos da senilidade:
1. Uma “revolução tecnológica” apoiada fundamentalmente na informática e na genética, que levou ao aumento da crise de super-produção descontrolada e aumento do desemprego;
2. O centro imperialista convencional, E.U.A., passou da exportação de capitais para maior exploração, para uma situação parasitária e de esbanjamento (vive acima das suas capacidades) e importa cada vez mais capitais. Os outros parceiros (Europa e Japão) pagam a manutenção do cadáver adiado que é o império em crise.
3. A ideologia dominante tornou-se lixo cultural.
4. O sistema imperialista necessita cada vez mais da guerra para se manter e manter a máquina económica militar, alavanca essencial da sua economia (25).
Esta análise de Samir Amin é corroborada pelo movimento dos Chiapas no México. O subcomandante Marcos escreveu, em 25 de Março de 2007 e retomando um tema que vinha desde há vários anos a referir, sobre a 4ª Guerra Mundial:
“A etapa actual do capitalismo é, em sentido estrito, uma nova guerra de conquista(...). É a mais mundial das guerras(...). A água, o ar, a terra, os bens contidos no subsolo, os códigos genéticos e todas essas “coisas” que antes eram desconhecidas ou careciam de valor de uso e de troca, converteram-se, durante os últimos anos, numa mercadoria. (...) O sonho capitalista de um mundo sem trabalhadores, só com robots e máquinas que não exigem os seus direitos nem se sindicalizam, nem fazem greves, é uma quimera!” (26)
c) Majid Rahnema (27) mostra-nos que as noções de “pobreza” e “riqueza” são construções sociais que instilam as ideologias subjacentes.
É preciso responder, antes de mais, à questão: Pobreza de quê?
Com efeito a pobreza, como diz Majid, pode significar “ausência de dinheiro, privação de relações humanas, falta de inteligência, ausência de vacas, de crianças, de tempo, de amor, de saúde, etc.” (28)
Por isso, Majid Rahnema considera que houve uma adulteração do conceito de pobreza, uma perversão epistemológica! Antigamente todo o indivíduo era pobre ou rico em alguma coisa... em saúde, amor, dinheiro, terras, etc.
Assim, considera que é essencial definir o que geralmente separava a pobreza da miséria.
“A pobreza representava a falta de supérfluo enquanto que a miséria significava a falta de tudo o que é necessário” (29)
Nesta reflexão epistemológica Majid fala-nos duma pobreza convivial que irrompe essencialmente nas sociedade vernaculares. Aí, na aparência dum mundo dito “primitivo”, existe uma sabedoria. É um saber fazer proveniente de múltiplas gerações que permite ajuda mútua, organização para o afastamento da miséria.
Assim, as relações sociais e culturais da comunidade asseguram protecção porque as actividades económicas servem essencialmente para a satisfação das necessidades do grupo.
Com a revolução industrial houve uma produção sistemática de necessidades novas. Esta condição, como nos diz Majid, está ligada a um sistema tecno-económico que pretenderia conduzir-nos à abundância mas que na realidade está estruturalmente implicado na “produção de raridade e nas misérias modernizadas”, num sistema que “colonizao imaginário da maior parte das vítimas” e fabrica uma “raridade induzida bem diferente da raridade natural. (...) O sistema conseguiu, graças aos poderosos dispositivos de ajudas e promoções, convencer a maior parte das suas vítimas que também elas podiam obter o paraíso terrestre que estava anteriormente reservado apenas ao ricos.”(30)
Majid, no seu livro “Quand la misère chasse la pauvreté”, revela-nos as razões profundas da pauperização como sendo, na realidade, a introdução da miséria. Miséria como incapacidade das populações, estilhaçadas, pulverizadas e desprovidas de convivialidade e solidariedade, em conseguir dar resposta às necessidades básicas da sua sobrevivência.
Por isso é que Majid assume uma postura similar a Serge Latouche, Pierre Rabhi, Jacquard e René Passet que, procurando a simplicidade voluntária, buscam um modo de vida baseado na simplicidade e solidariedade.
d) Pierre Rabhi nasceu na Argélia, num pequeno oásis do sul. Muito novo moveu-se entre duas culturas. Preservando as suas raízes duma família sufi foi educado por um casal de professoress franceses pós a morte de sua mãe.
Em 1958, tendo vindo muito novo para França, com os pais adoptivos, conheceu a vida operária numa fábrica de Paris mas acabou por vir a instalar-se numa província do interior, Ardèche, com a sua família, tornando-se agricultor. Orientando a sua actividade rural durante 25 anos para a agro-ecologia, tornou-se num “expert”. Veio a ser consultor dum organismo internacional e divulgou os seus conhecimentos em agro-ecologia em diversos países africanos. Ao longo da sua actividade, forneceu utensílios para a autonomia alimentar das populações, procurando reconciliar a actividade humana com a natureza.
Em 2002 lançou o “apelo para uma insurreição da consciência” e foi candidato alternativo às eleições presidenciais francesas, tal como em 1974 fizera Renné Dumont, no primeiro grande impacto ecológico sobre vida política convencional.
A importância de Pierre Rabhi, cuja obra científica e literária(31) é já reconhecida no mundo, está no facto de se engajar numa prática de vida, num ensino da frugalidade feliz que o tornaram numa figura emblemática dum novo Gandhi dos nossos dias.
As ideias-base de Pierre Rabhi podem resumir-se à:
- Não violência;
- Pertença inter e transcultural como atitude nova dum universalismo concreto, alimentado pelas experiências singulares vividas;
- Recusa do dogma do crescimento e defesa de um decrescimento na área das tecnologias contaminantes e de esgotamento;
- Recusa de uma modernidade em que se “vive para trabalhar em vez de trabalhar para se viver” e duma “civilização de combustão triunfante” da termodinâmica dissipativa que enjeita a realização criativa do trabalho manual e intelectual.
Rabhi desenvolveu uma acção em várias frentes. Da problemática altermundialista à intervenção local, abrangendo experiência em locais diversos como França, Marrocos, Burkina Fasso, etc. Pensar e agir criando alternativas participadas.
A palavra de ordem do movimento “Terre et Humanisme” de que é Presidente de honra consiste em criar “um oásis em cada lugar”.
O movimento “Terre et Humanisme” tem apoiado inúmeras iniciativas em África e na Europa. Tem desenvolvido acções de formação, particularmente em agro-ecologia e na pedagogia social. Tem-se oposto à introdução de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) levando a cabo acções comuns, com várias organizações, contra as multinacionais responsáveis pela introdução dos OGM. Pierre Rabhi tem trabalhado em cooperação com a Universidade “Terre du Ciel” e tem sido uma voz activa na política favorável à consciência ecológica. Veja-se, o livro que escreveu, recentemente, com Nicolas Hullot (32). Trata-se de uma importante contribuição na ecosofia.
Por outro lado, encarando uma actividade prática, Pierre Rabhi realiza projectos-piloto em Marrocos, Burkina-Fasso, Mali, etc.
Actualmente, em cooperação com Michel Valentin, participa no projecto “Les Amanins”, escola de vida, quinta experimental educativa, cujo objectivo central é formar agentes de eco-desenvolvimento, dotados de intrumentos teórico-práticos para a mudança do paradigma.
Na tradição africana temos inúmeras críticas ao conceito de “crescimento” e que apontam para uma voluntária frugalidade como forma de vida.
Amadou Hampaté Ba divulgou, através dos seus escritos e nos contos iniciáticos, uma forte cosmovisão panteísta onde o homem e o planeta são interdependentes e o homem com consciência pode ser a garantia do equilíbro harmónico da criação.
Thomas Sankara, em Burkina Fasso pagou com a vida, há precisamente 20 anos, a ousadia de imaginar um outro tipo de sociedade. Ele defendeu o valor de muitas práticas tradicionais em oposição aos modelos importados que veiculavam exploração e dominação.
Sankara apoiava-se na cultura dos povos Dagara, de Burkina Fasso, articulando o saber tradicional com a agroecologia.
Esta atitude de fraternidade do homem com a terra, leva o Dangara camponês a “pedir desculpa à mãe natureza por ferir o solo do campo para obter alimentos.” (33) As árvores santuário, os rituais e os ritos de passagem constituem uma tradição viva dum “parentesco cósmico” como refere também Bimwenyi Kweshi (34) sobre a tradição similar do homem com a natureza, no Zaire e noutros povos africanos.
Esta imagem arquetipal da natureza corresponde de uma forma geral a toda a África tradicional.
A partir da crítica da colonização, nomeadamente da agro-indústria, denunciada por Renné Dumont, Thomas Sankara soube antever um outro “modelo”, um modelo de “ecodesenvolvimento” e do saber experimental da agro-ecologia. A campanha pela plantação de milhares de árvores, o desenvolvimento de pequenos centros-piloto de agro-ecologia e o projecto de milhares de reservas de água abastecendo pequenas quintas familiares de agricultura de subsistência, assim como os eco-loteamentos, com novas habitações de auto-construção feitas com materiais locais e pagas em troca de plantações de árvores frutícolas de interesse público, são exemplos desse modelo de ecodesenvolvimento posto em marcha.
Podemos também encontrar em Wangari Muta a continuadora desta preocupação de Sankara. Wangari Muta, com uma formação científica em ecologia, tornou-se uma voz não apenas para o Kenia onde nasceu, mas para África e para todo o mundo.
Ela denunciou a destruição da floresta. Revelou o processo devastador do abate de árvores autóctones e o repovoamento com espécies exógenas comercializáveis, que destruíam a biodiversidade.
Por isso Wangari Muta criou, em 1977, o “Green Belt” e iniciou campanhas sucessivas de plantações de árvores.
Este processo mobilizador e transformador do território é simultaneamente uma acção de formação cívica junto dos agricultores e da população rural.
Por isso essa mulher africana, Prémio Nobel da Paz disse:
“Plantar uma árvore encerra uma grande mensagem: com este simples gesto tu podes melhorar o teu habitat. Dá-se assim uma tomada de consciência imediata da população que lhe permite influenciar o próprio contexto em que vive. E isto é o primeiro passo para uma maior participação na vida em sociedade. Toda a gente pode ver as árvores que plantamos. São as embaixadoras do nosso movimento”(35).
Mas é também em África que a colonização e o neo-colonialismo das independências formais, perpetraram mais desastres ecológicos. Talvez a cultura hegemónica do ocidente, com a sensibilidade judaico-cristã em relação à natureza, tenha predisposto o homem ocidental a acreditar que foi criado para dominar e explorar a natureza.
E por isso é fácil extrapolar esse domínio sobre a natureza à vontade de submeter outros povos. Trata-se afinal de prosseguir no mesmo sentido. Não será essa a causa. Mas esse condicionalismo mitológico prometaico ajudou ao auto-convencimento e à “boa consciência” de muitos.
Por isso, é importante analisar a crítica ao crescimento económico e os subterfúgios com que a economia dominante se reveste. Para explicar os traços profundos de miséria e o fosso crescente entre países de economia dominante e países de economia dominada.
Para isso é necessário desmontar a concepção reducionista da economia clássica, tal como esta disciplina tem sido configurada: sem teoria crítica sobre a ciência social. Este tipo de disciplina analítica é incapaz de perceber as interacções sistémicas entre a sociosfera, tecnosfera e biosfera porque a actual visão de economia vive em “circuito fechado e desligada do ambiente ecológico” como refere Joel de Rosnay (36), pois as leis do mercado não permitem regular os efeitos das tecnologias sobre os ecosistemas.
As terminologias usadas pela disciplina da “economia clássica” não escapam ao aprisionamento ideológico, pervertendo o significado polissémico dos conceitos aplicados ao desenvolvimento social.
Assim, o crescimento capitalista pode revestir-se de renovada linguagem. E, por detrás duma mesma ideologia surgem agora verbiagens novas que pretendem confundir. A expressão “desenvolvimento sustentável” (já não se diz desenvolvimento ecologicamente sustentavel) é um exemplo disso. O “desenvolvimento sustentável” está cheio de boas intenções mas igualmente cheio de ambiguidades. John Pessey do Banco Mundial recenseou 37 definições diferentes de sustentabilidade. Por isso é possível encontrar 50 empresários de grandes multinacionais a subscreverem a sustentabilidade no Business Council for Soustainable Devellopment.
Como diz Serge Latouche (37) “é possível fazer sobreviver ao mesmo tempo a camada de ozono e a indústria pesada americana” na óptica dessas multinacionais.


A Emergência do Pensamento Ecológico
Porém, o conceito de ecosistema desenvolvido por Tansley, entre os anos 40 e 50, permitiu uma economia política mais abrangente colocando a biosfera no centro das preocupação da gestão humana e agora num terreno em que já não poderia ser acusada de idealismo romântico.
Georgescu Roegen (38) abriu, a partir dos anos 70, uma crítica energética ao sistema capitalista.
Renné Passet, no livro “Ilusão neoliberal”, diz-nos que é a partir donde pára o olhar de Georgescu Roegen que começa uma reflexão sobre a bioeconomia.
Para Renné Passet(39) o desenvolvimento ecologicamente sustentado só é possível se se respeitarem os mecanismos reguladores da biosfera.
“Num mundo imperfeito, em que a imperfeição é um dos motores da história, a questão que se coloca não é a da realização de um óptimo estatístico e definitivo, mas sim a da pilotagem de uma evolução permanente, consubstancial à própria existência do universo e da vida” (40)
Assim, a problemática desenvolvida pela ecologia veio revelar um outro paradigma emergente da ciência: os ecologistas sociais partem de uma nova fundamentação para a bioeconomia. Níveis diversos da realidade mostram complexidades que a ciência mecânica clássica não entreviu.
A “máquina” como “alma mater” explicativa do industrialismo mecanicista só conhecia o factor entrópico. Com o “ecosistema” no centro do metabolismo circular das relações bio-sociais, introduziram-se perspectivas neguentrópicas; a retroacção, resiliência e a auto-organização na biosfera são irredutíveis à explicação causal determinística do universo máquina.
A realidade exige uma distinção entre ciências tecno-operativas, estético-expressivas e ético-normativas, com lógicas diversificadas mas também com interacções que só a complexidade e a sistémica podem compreender. Isto não implica recusar a análise. Implica sim ligar pensamento analítico com pensamento sistémico, nas ciências da complexidade.
Assim, a auto-regulação e a dinâmica interactiva da biosfera com a sociosfera e a tecnosfera, abrem novos horizontes que pôem em causa o progresso linear e a visão do crescimento e a lógica mecanicista. A teoria geral dos sistemas e o conceito de complexidade irrompem hoje na abordagem das ciências.
A física quântica de Max Planck e as múltiplas lógicas dos vários níveis da realidade de Lupasco, das metodologias sistémicas de Bateson, Rosnay e Morin até às novas concepções neurológicas de Daniel Goleman e Karl Pribam, fazem a desconstrução do paradigma mecânico que desautorizou a concepção linear do progresso e impôs um olhar epistémico e crítico ao normativismo universalista e dogmático. A abordagem social e a questão do desenvolvimento sofreram também inúmeras críticas desde há vários anos.


O que é o Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável?
O desenvolvimento ecologicamente sustentado (41) procura integrar a problemática económica na biosfera. Por essa razão, a estratégia de um decrescimento sustentado pode e deve existir quando existe uma incapacidade de regeneração da biosfera. E só com uma mudança total na substituição das energias fósseis por energias renováveis, na diminuição da poluição pela reciclagem de materiais eliminando os elementos tóxicos apenas tolerando nutrientes biodegradáveis, poderemos fazer face ao actual estado do planeta em que as mudanças climáticas surgem como os primeiros grandes riscos globais.
Serge Latouche, Majid Rahnema e Pierre Rabhi desenvolveram esta questão do decrescimento sustentável que, no fundo, assenta na crítica da colonização do imaginário social que o modelo produtivista e consumista tentou impôr aos povos sujeitos à sua economia dominante.
Vários autores mostraram como o tecnocentrismo e o modelo ocidentalocrático se foi impondo, nas atitudes e comportamentos de quase toda a humanidade, com valores aparentemente universais e geradores dum progresso linear em que o ocidente expressaria o sucesso da espécie humana e o prenúncio do futuro de todas as outras sociedades.
O impacto da actividade tecno-científica do homem na biosfera, é tal que a biosfera já não consegue regenerar-se em relação a esse esgotamento e contaminação. A humanidade está a viver à custa dum capital natural que se vai esvaindo como se se delapidasse um tesouro, cada vez mais sem provimento.
A estratégia de desenvolvimento durável tal como a definiu Gro Harlem Bundtland já não é possível hoje. O estado em que a biosfera se encontra não permite levar a cabo o que se pretendeu na conferência do Rio, em 1992.
Naquela altura a primeira-ministra norueguesa defendia “o desenvolvimento durável como um modo de desenvolvimento que responde às necessidades das gerações presentes sem comprometer as capacidades das gerações futuras de responderem também às suas necessidades.” Mas neste momento, se não mudarmos de paradigma e decrescermos os gastos energéticos e o esbanjamento dos bens naturais... é uma miragem longínqua! É este o sentido preventivo do decrescimento durável.


Da Tecno-Ciência à Eco-Técnica
Vivemos num momento da história em que a tecnologia baseada essencialmente nas energias fósseis gerou um falso convencimento de que a tecnociência poderá resolver todos os problemas da humanidade.
De facto, conseguem-se hoje poderosas manipulações sobre a natureza. O paradigma actual da tecnociência ocupou o lugar da mentalidade sagrada do passado. Há uma espécie de “superstição” generalizada como se fosse a técnica a solução final para tudo.
Nunca o poder de agir sobre a natureza foi tão grande. Mas a lógica tecnocientífica valoriza apenas uma eficácia determinada por parâmetros que convencionamos serem “melhores”. No entanto, esses parâmetros de eficácia que sustentam o poder e a acção dos homens, carecem de fundamento ético. O poder operativo e o dever da consciência decorrem de níveis diversos do conhecimento humano.
Por isso, a tecnociência sem ética e sem discernimento epistemológico levará ao ecocídio e ao genocídio.
Este é o perigo da tecnociência cada vez mais difundida, assentando nessa superstição de que a técnica tudo resolve e que, pretensamente neutra, surge ilusoriamente como salvadora, deixando os movimentos sociais e as decisões da pólis na mão de minorias que manipulam essas tecno-ciências demenciais.
Jacques Ellul apontou nos seus livros a necessária mudança da actual tecno-ciência para uma ecotécnica, tal como já referimos anteriormente. Porém, Jacques Ellul não definiu claramente a possibilidade de se criar uma eco-técnica. Essa eco-técnica não é necessariamente a tecnologia do passado, tecnologia tradicional da economia de subsistência.
As sociedades vernaculares vivem social e tecnicamente integradas no ecosistema natural. Têm capacidades endógenas que permitem uma maior harmonia entre o homem e a natureza. Mas é uma “harmonia” atávica. É apenas veiculada pelo factor da tradição que tende a cristalizar e a recusar a criatividade.
A organização socio-cultural da comunidade vive muitas vezes num maior grau de solidariedade entre as pessoas e a protecção solidária é muitas vezes superior à competitividade e ao darwinismo social das sociedades capitalistas urbano-industriais. Foram feitos trabalhos notáveis que referem qualidades excepcionais dos povos a que o modelo dominante tratou pejorativamente de “primitivos” ou não civilizados.
A crítica antropológica sobre a pretensa superioridade do ocidente foi objecto de inúmeros estudos.
Marcel Mauss no seu “Ensaio sobre a dádiva” (42) revela uma sociologia do valor simbólico nas relações sociais que Levy Strauss posteriormente confirmou. Pode inferir-se, na obra de Mauss e de Strauss que o lucro egoísta inviabiliza os processos civilizacionais estáveis, que necessitam de solidariedade e cooperação para não soçobrarem na predacção e na guerra.
A sociabilidade criada pela dádiva das sociedades vernaculares é abertura para um sistema de valores e portanto a vida social não se reduz à mercantilização lucrativa tal como o capitalismo o impôs. A troca é para Mauss um facto social total, útil e simbólico, formalizando assim um princípio de reciprocidade ou de solidariedade. Por isso, na mesma linha de Mauss, Pierre Clastres (43) mostrou como o despotismo e as manipulações estão muito mais presentes no Estado capitalista do que no chefe tribal que assenta o poder no prestígio. O Estado torna-se mecanismo reprodutor totalitário do sistema de exploração, bem assim como repressor dos aparelhos periféricos.
Também Karl Polanyi (44)demonstrou como a economia está ligada ao social e à natureza nas sociedades vernaculares. A autonomização da “economia” como disciplina ideologicamente apropriável pelo poder é característica do Estado moderno. A mercantilização e o lucro prevalecem sobre a sobrevivência humana porque, sem reflexão epistemológica, qualquer técnica operativa soçobra num servilismo ao poder dominante.
Se desejamos verdadeiramente uma cultura biodiversiva e construída com a participação de todos os povos, é necessário romper com o pensamento único e o auto-convencimento da superioridade ocidentalocrática.
Só agora é que alguns investigadores começam a referenciar a sabedoria e a sensibilidade dos povos vernaculares como factores muito mais importantes para a Humanidade. É que a felicidade, a ética e a cultura não são resultado de elaboração tecnológica.
O trabalho de Eric Julien (45) mostra-nos que um pequeno povo das montanhas da Colômbia, os Koji, possuem qualidades excepcionais de leitura gestual, de prodigiosa ligação com a natureza, fazendo deles um paradigma excepcional de cultura, para aprendermos novas formas de simbiose com o planeta, de terapia e inter-relações pacíficas entre os homens e as sociedades. De tal maneira foi profunda esta experiência de contacto com esses povos na Colômbia que se está a organizar uma pequena escola, em França, onde o “chamanismo” Koji ajuda a aprofundar conhecimentos na área da saúde e da educação.
Ruy Duarte de Carvalho (46) encontrou também nos Cuanhamas, além das formas de solidariedade, de amizade e hospitalidade, a mesma matriz mágica da harmonia dos pastores com a terra e os animais. A África está cheia destes exemplos.
Porém, sem rejeitar uma enorme contribuição dessas virtudes endógenas, dos povos ditos primitivos, mais assentes na cultura do ser, numa ecotecnologia sem consequências nefastas para a biosfera, é contudo evidente que as sociedades vernaculares não podem viver fechadas numa forma protectora sobre a sua singularidade. Isto dificulta a abertura universal a saberes múltiplos. Para que a tradição não se cristalize na ausência de inovação, gerando isolamento, é necessário o diálogo intercultural e transcultural. Mas essa abertura ao universal necessita de condições de reciprocidade.
No entanto, o que acontece é que um desigual impacto de influência das sociedades vernaculares torna-as vulneráveis aos modelos dominantes. Só uma consciência antropológica biodiversiva e promotora da acção comunicativa entre as culturas, poderá gerar solidariedade, igualdade de oportunidades e liberdade criativa para com todas as culturas.
É necessário fazer ressaltar as características positivas da cultura vernacular como a conviabilidade, a solidariedade e a cultura do ser. Mas é possível também lutar por uma viragem no paradigma dominante, para a emergência duma ecosofia. E assim, uma ecotecnologia, uma ecotecnosfera irão proporcionar uma maior planetarização das culturas e civilizações, um encontro mais enriquecedor das singularidades culturais para um processo de universalidade permanente, sem anular as diferenças essenciais à criatividade humana. Essa universalidade é tão necesária como preservar as singularidades. Só existe verdadeira universalidade enquanto existir direito à singularidade. E a singularidade só pode ser apreciada e defendida se houver uma correcta universalidade.
O olhar sobre a civilização tecnológica, exige contudo um olhar sem simplificações dogmáticas. Existe na tecnologia actual um perigo real, tal como refere o filósofo alemão Ulrich Bech, (47) quando refere o período actual como “civilização de risco”.
Com efeito, existem cada vez mais arsenais militares, centrais nucleares, mega-estruturas industriais e habitacionais sujeitas a acidentes e aos desastres provocados por cataclismos naturais. Na era da velocidade dos transportes, juntam-se os perigos que todos conhecemos. E há ainda a acrescentar as guerras, e a criminalidade resultantes da predacção social criada pelo modelo de exploração e dominação.
O crescimento, tendo como matriz conceptual a máquina ou o motor de explosão e o consumo de energias fósseis, esgota o capital natural e contamina ao mesmo tempo a biosfera com lixos tóxicos. A este binómio esgotamento/contaminação junta-se o corolário da exclusão social. E é este o grande risco civilizacional que
todos os povos terão de enfrentar. É um risco planetário agravado pelos mecanismos neo-liberais.
Porém, estamos ainda no balbuciar epistemológico destas abordagens que têm sido feitas por filósofos e cientistas. Vejam-se os trabalhos de Erwin Lazlo, Nicolescu Bensarab e Edgar Morin.
A problemática da sistémica, a transdisciplinariedade e a multidisciplinariedade, o uno e o múltiplo, o singular e o universal, o local e o global, são hoje objecto de uma focagem dialógica.
Joel Rosnay, com o conceito de macroscópico, acrescentou à teoria sistémica instrumentos de modelização informática sobre a evolução de sistemas dinâmicos. Essas simulações são hoje aplicáveis aos sistemas naturais e aos sistemas das ciências sociais, favorecendo uma prospectiva cautelosa mas mais segura que a futurologia linear e mecânica.
Importa, no panorama crítico que fazem à tecnologia, saber descortinar também as inovações técnicas positivas que o pensamento dualista é incapaz de estabelecer. O que caracteriza o pensamento mecanicista dualista é a impossibilidade de reconverter as situações, isto é, a transmutação do “pior” em “melhor”.
A realidade é sempre susceptível de surpreender e a criatividade humana tem hipóteses de subverter ou converter realidades negativas em positivas.
Assim é possível, com esta focagem, avaliar instrumentais que controlados de modo diverso e com objectivos diferentes, podem tornar-se libertadores mesmo quando pareciam estar ao serviço da dominação.
A informática é um instrumento desta natureza. Para Pierre Lévy (48) deveria tornar-se o principal instrumento para a criação duma consciência planetária onde a inteligência colectiva permita formas novas de participação e democracia. Mas em que condições é que o computador poderá tornar-se o “fogo do futuro”, como Lévy escreve?
Um cenário optimista é seguramente uma extrapolação futurológica linear. Uma prospectiva sistémica exigirá precaução sem necessariamente tombar num imediato pessimismo. A internet ao serviço da desalienação, da solidariedade e convivialidade será possível? Muitos novos processos de apropriação da sociedade civil serão necessários para se conseguir realizar essa eventual utopia! Há tentativas com as experiências em torno da inteligência colectiva, da ciber-democracia e das biotecnologias susceptíveis de encarar o futuro do “ecosistema informacional” e a biologia sistémica. Mas esse futuro estará sempre sujeito a promessas e simultaneamente a ameaças. (49)
A construção dum mundo melhor faz-se num terreno de contradições e antagonismos. Tem que se inventar um futuro incerto em que a informação não seja intoxicação e manipulação. Tem que se preferir uma sabedoria (cabeça bem feita) à bolimia duma informação desconexa e poluente.
No entanto, esta nova “linguagem” ou instrumento da comunicabilidade pode ajudar a reflectir sobre essa ecosofia emergente. Por exemplo, é já possível encarar com positividade as novas ecotecnologias e os novos protótipos de energias renováveis. Vejam-se os eco-motores baseados nas experiências de Sterlling e Tesla e as múltiplas máquinas solares, eólicas, etc.
A sociedade civil terá que estar atenta à sua eventual sofisticação e inacessibilidade, com a consequente apropriação elitista, para que tal não aconteça.
Ao longo deste texto quisemos salientar o facto de que existem níveis de realidade diferentes e que muitas vezes, as metodologias são inadequadas aos diferentes planos em que são aplicadas.
A análise, a investigação indutiva e o determinismo causal, são aplicáveis quando funcionamos com máquinas. Mas o pensamento sistémico, a interacção, a auto-organização e a neguentropia são imprescindíveis na abordagem da vida. Por isso, a reflexão epistemológica que procuramos é adequar as abordagens aos diferentes níveis, físico, biofísico, social, expressivo e mental.
Não se pretende um monismo totalitário explicativo através duma metodologia única. Bachelard e Habermas mostraram-nos também a necessidade de aplicarmos processos diferentes às ciências tecno-operativas, estético-expressivas e ético-normativas. O pensamento ecologizado pretende articular estes diferentes níveis.
A biosfera tem elementos abióticos e biocenoses com vida. É preciso distinguir a realidade física da realidade orgânica ao mesmo tempo que se percebe a necessidade de compreender a simbiose biofísica com essa outra realidade biosférica, como a socio-esfera e a noosfera.
As questões sociais compreendem-se de modo diferente e não se explicam ou analisam como as realidades mecânicas do universo.
Para que a vida se oponha à morte, para que a neguentropia não acelere a destruição da biosfera, é necessário a intervenção consciente do homem. Através da auto-organização, será possível preparar a regeneração neguentrópica do planeta. Até agora, com a “máquina” no posto de comando do paradigma quotidiano, a neguentropia entrou num processo acelerado de morte.
Com a introdução de eco-sistema como “alma-mater” do paradigma ecológico, é possível inverter o metabolismo linear, que esgotava e contaminava, em metabolismo circular, que reintroduz os chamados lixos do sistema, em nutrientes devolvidos ao processo retroactivo e dinâmico do ciclo da reciclagem e renovação.
Este processo, descrito por Wolman e largamente aplicado, nomeadamente por MacDonought e Braumgarten(50), constitui o elemento essencial da ecologia.


A Ecosofia
A ecosofia, tal como refere Bateson(51) , Felix Guattari(52) e Morin(53), é uma ecologia ético-política que articula com uma epistemologia da complexidade, as três ecologias (ecologia do ambiente – biofísica; ecologia social – antrópica; e ecologia mental).
É uma reflexão epistemológica que se abre para uma “ciência com consciência”, como refere Edgar Morin.
O fundo comum, a “alma mater” desta ecologização geral é transformar a maquinização dominante a que o pensamento se foi formatando ao longo do paradigma newtoniano, num pensamento ecosistémico, aos vários planos da realidade, sendo agora capaz de adoptar simultaneamente uma articulação holística com níveis de singularidade de saberes mais específicos.
O esgotamento do modelo civilizacional urbano-industrial dominante, tem vindo a produzir uma consciência ecológica em todo o planeta. Assistimos hoje ao aparecimento de novas alternativas sociais, fundamento do novo paradigma ecocientífico.
Em todo o caso é necessário o decrescimento sustentável do modelo ocidental, para podermos construir um desenvolvimento ecologicamente sustentável que ponha fim ao paradigma civilizacional dominante. Mas, paradoxalmente, o decrescimento ecologicamente sustentável tem que fazer crescer os meios para a criatividade, a solidariedade, a justiça social, o aprender a aprender, a ecocidadania e uma nova forma de felicidade. Fazer crescer toda uma cultura ligada ao “ser”.
O decrescimento sustentável passa pela diminuição drástica das energias fósseis, pela eliminação das contaminações globais. Passa por abandonar os padrões de consumo das populações opulentas que conduzem à fome e à delapidação das populações na miséria.
É necessário fazer emergir um outro paradigma: o paradigma da solidariedade entre os povos, o paradigma duma cultura criativa e um paradigma duma ecotecnosfera centrada sobre os ecosistemas. Um diálogo dialógico de culturas diferentes que necessitam umas das outras para um paradigma emergente.
Não há um paradigma para África e outro para o resto do mundo. O paradigma a construir resultará das diferentes contribuições e expressará a polifónica multiplicidade das singularidades. Não existem soluções únicas. Existe ma sabedoria ecológica que poderá resumir-se nestes seguintes pontos:
1. Desenvolver as energias renováveis;
2. Praticar a poupança energética e o consumo mínimo dos bens naturais;
3. Substituir lixo por nutrientres reciclando o “lixo” orgânico, águas residuais e reutilizando materiais que deverão ser cada vez mais ecotecnológicos;
4. Promover a ecocidadania;
5. Optar por uma frugalidade voluntária;
6. Criar solidariedade e cooperação humanitária entre os povos;
7. Defender uma cultura de enriquecimento do ser – criatividade, convivialidade, felicidade qualitativa.


Conclusão
Quisemos revelar os preconceitos e as epistemes produzidas pelo paradigma dominante em que ainda mergulhamos. Reconhecemos os sinais de mudança resultantes duma exigência crescente imposta pelos movimentos sociais, pela crítica interna dos sistemas de referência tecno-científicos que se têm aberto cada vez mais à importância de uma ecotecnologia.
A consciência social reconhece cada vez mais que a continuidade antrópica numa biosfera já esgotada e mutilada, exausta e sem capacidade regenerativa, exige uma medicina planetária e uma nova adequação social mais justa.
A tripartição que temos vindo a assinalar, corresponde a grandes necessidades trifuncionais da humanidade:
1) a função da subsistência e reprodução, isto é, as necessidades materiais da vida humana que se traduzem na aspiração da fraternidade para a sua solução;
2) a função reguladora das oportunidades para todos, que corresponde à aspiração da igualdade na justiça;
3) a função cultural, produção do sentido da vida, que corresponde à aspiração da liberdade;
Esta trimembração, uma vez que a trifuncionalidade interage de uma forma orgânica, tem a ver com os três ideais da revolução francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, mas que ao longo do processo histórico, não conseguiram encontrar a correcta adequação entre as necessidades e as aspirações.
Assim, a igualdade de oportunidades veio a sofrer uma preversidade com os sistemas referidos (capitalismo, capitalismo de estado e “socialismo” de estado tecnoburocrático), gerando exclusão e tratamento desigual na esfera jurídica.
Só a ecosofia poderá permitir articular experiências e conhecimentos novos para o paradigma ecológico que tarda em surgir.
O tecido social dos países foi completamente modificado pela globalização neo-liberal dos últimos anos.
Mas esta internacionalização agressiva, das multinacionais, originou também uma resposta solidária, do mundo do trabalho e dos excluídos, que vai nascendo em toda a parte.
Alguns movimentos, como os foruns sociais mundiais e outros encontros internacionais e regionais, são a expressão inicial de uma vontade de articular acções e lutas pela mudança de paradigma.
Trata-se de uma nova etapa nas relações de forças ideológicas mundiais: se o imperialismo se vai expressando através dum novo sistema a vários níveis, também o “altermundialismo” se vai assumindo como uma larga plataforma de vontades.
O conceito de “altermundialismo” aqui referido não pode ser confinado a qualquer movimento assim denominado. É antes de mais um movimento sem fronteiras, que se vai assumindo no processo de transformação social, sem se deixar apropriar por qualquer núcleo centralista. Neste sentido é um movimento plural e descentralizado.
A novidade deste movimento consiste em que o aparecimento dessa plataforma se organiza num processo de múltiplas frentes sem ter um discurso ideológico único. Os pontos de vista diferentes permitem uma dinâmica necessária para alargar a frente de combate ao mesmo tempo que ajudam no olhar multíplo, fazendo nascer uma estratégia ampla para a emergência do novo paradigma.
Assim, a unidade conseguida não é unicidade ideológica, é antes uma linha feita a partir duma ética, expressa na concordância essencial dum novo tipo de liderança. Essa liderança assenta em várias dezenas de personalidades, figuras reconhecidamente sábias que, pela sua estatura moral, vão pautando as referências essenciais reconhecidas por todos. Trata-se de uma “direcção” não imposta mas reconhecida pela base. Algumas destas personalidades foram aqui referenciadas como expressão desta mudança paradigmática em curso.
Assim, a heterogeneidade de formas de luta é a sua riqueza. As lutas culturais, as reivindicações sociais, os processos inovadores na transformação concreta na vida quotidiana das pessoas, são exemplos múltiplos deste combate contra o pensamento único e o “american way of live” imposto pela ideologia dominante.
Utilizando, mais uma vez ao longo deste texto, o arquétipo trifuncional de Georges Dumézil(54) em que, duma forma triádica, podemos estruturar a realidade cultural e política, vamos explicitar os três eixos essenciais que revelam as grandes aspirações da humanidade (liberdade, igualdade e fraternidade).
A concretização dessas aspirações são hoje visíveis no movimento anti-imperialista:
- Liberdade na descoberta de convicções e aspirações no domínio das ideias que dão corpo ao movimento de contestação e mudança;
- Igualdade na tentativa de se gerarem iguais oportunidades para todos, no direito de contribuírem nessa plataforma de iniciativas concretas pela mudança de paradigma;
- Fraternidade na articulação solidária, respeitando a diversidade daqueles que compõem o movimento para que várias experiências se possam ampliar (quintas agroecológicas, eco-aldeias, loteamentos urbanos ecológicos, alargamento do uso de energias renováveis, caixas económicas de mútuo apoio e microcrédito, universidades de formação alternativa, escolas livres de ensino alternativo e sobretudo lutas comuns contra o desemprego, a poluição e as lutas urbanas na defesa dos bens públicos).
A ecosofia pertence ao legado da Humanidade e não se pode confundir, como vimos ao longo desta reflexão epistemológica, com uma ideologia.


Bibliografia
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5 in Rees, William e Wackemagel, Mathis “Our ecological footprint”, Ed. The New Cathalyst, 1996
6 http://www.esb.ucp.pt
7 in Rapport Planète Vivante 2004, W.W.F.N.
8 in Lazlo, Ervin“Tu puedes cambiar el mundo”, Forum Barcelona, 2004, Club de Budapest
9 ver filme “An Inconvenient Truth”
10 in Lovellock, James “A Vingança da GAIA”, Col. Ciência Aberta, Ed. Gradiva, 2007
11 in Prigorgine, Ilya e Stengers, Isabelle “La Nouvelle Alliance”, Ed. Folio Essais, 1986
12 in Bacherlard, Gaston “La Formation de l’Esprit Scientifique”, Ed. Vrin, Paris, 1937
13 Divulgada pela ONU em 1976 - Declaração Chefe Índio Seattle ao Presidente EU.A. em 1854
14 in “Batalha, Ladislau “O Continente Negro”, Ed. Biblioteca do Povo, nº198, pág.57 e 58, Lisboa, 1907 Ver também sobre Ladislau Batalha, Rodrigues, Jacinto “A Especificidade do Imaginário Colonial nos Romances de Aventuras de Ladislau Batalha” in Revista Africana Studia, nº7, Ed. F.L.U.P., 2004 e “A Visão Antropológica do Colonialismo Português e o Olhar Singular de Ladislau Batalha” in Trabalho Forçado Africano, Col. Estudos Africanos, Ed. Campo das Letras, Porto, 2006
15 in Gandhi, Mohandas K. “A Minha Vida”, Ed. Bizâncio, Lisboa, 2006
16 in Illich, Ivan “Nemesis Médica”, México, 1986; “Alternativas”, Ed. Planeta, México, 1988
17 in Revista “The Ecologist”, pág. 26, Inverno de 2001, vol.II, nº4
18 idem
19 in Illich, Ivan “A Sociedade Sem Escolas”, Ed. Vozes, Petropólis, 1977
20 in Revista “The Ecologist”, pág. 26, Inverno de 2001, vol.II, nº4
21 in Dumont, René “L’Afrique Noire est mal partie” Ed. du Seuil, Paris, 1962
22 in Rodrigues, Jacinto “Urbanisme et Revolution”, Ed. Universitaires, 1973
23 in Ellul, Jacques “La Technique oú l’enjeu du siècle”, Ed. Armand Colin, 1954 e “Le Systeme Technicien”, Ed. Calman Levy, 1977
24 in Amin, Samir “Eurocentrismo-Crítica de uma Ideologia”, Ed. Dinossauro, Lisboa, 1999
25 in Revista Princípios, entrevista a Samir Amin em Fevº 2002, durante o 2º Fórum Social em Porto Alegre. 
26 http://resistir.info/ A guerra de conquista.
27 in L’Enciclopedie de l’Agora” http://agora.qoc.ca Rahnema, Majid - Conferência no Coloque Philia, 18 Outubro 2003
28 in Rahnema, Majid “Quand la misère chasse la pauvreté”, Ed. Babel, 2000
29 idem
30 in L’Enciclopedie de l’Agora” http://agora.qoc.ca Rahnema, Majid - Conferência no Coloque Philia, 18 Outubro 2003
31 in Rabhi, Pierre “Du Sahara aux Cevennes”, Ed. Albin Michel, 1983, “Offrandre au crépuscule”, Ed. Harmattan, 1989, Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Graines de possibles”, Ed. Calman-Levy, 2005
32 in Rabhi, Pierre e Hullot, Nicolas “Les graines du possible”, Ed. Calman-Levy, 2005
33 in Dabiré, Gbaané “Les Sentiments de la Nature”, Ed. Decouverte, 1993
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35 in http://www.democracynow.org
36 in Rosnay, Joel “2020 “Les Scénarios du futur”, Ed. V.A. Des Idées & des Hommes, Paris, 2007
37 in Revista “The Ecologist”, Inverno de 2001, vol.II, nº4
38 in Roegen, Georgescu “The Energy and economics myths”, Pergamon Press, N.Y., 1976
39 in Passet, Renné “Ilusão Neoliberal”, Ed. Terramar, Lisboa, 2001
40 idem, pág. 48
41 in Rodrigues, Jacinto “Sociedade e Território-Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado”, Profedições, Março 2006
42 in Mauss, Marcel “Ensaio sobre a dádiva” Ed. Edusp, S. Paulo, 1974
43 in Clastres, Pierre “Societé contre l’état”, 1974
44 in Polanyi, Karl “A Grande Transformação”, Ed. Campos, Rio de Janeiro, 1980
45 in Julien, Eric “Le Chemin des Neuf Mondes”, Ed. Albin Michel, Paris, 2001
46 in Carvalho, Ruy Duarte “Vou lá visitar pastores”, Livros Cotovia, 1999, Lisboa
47 in Ulrich Bech, Samuel “Ecological Politics in an Age of Risk”, 1995
48 in Lévy, Pierre “Filosofia World – inteligência colectiva e tecnologia dos inteligentes”, Ed. Piaget
49 in Rosnay, Joel de “2020 Les scenarios du futur”, Ed. Des idees et des hommes, Paris, 2007
50 in Rodrigues, Jacinto “Sociedade e Território”, Profedições, Março de 2006
51 in Bateson, Gregory “Steps to an Ecology of Mind”, University of Chicago Press, 1972
52 in Guattari, Felix “Les trois ecologies”, Ed. Galilée, 1989
53 in Morin, Edgar “Ciência com Consciência”, Ed. Europa-América, Lisboa
54 in Dumézil, Georges “L’Ideologie tripartie des indo-européen”, Ed. Latomus, Bruxelas, 1958 e “Esquisses de mythologie”, Ed. Galimard, Paris, 2003
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PROJECTOS PARA PRÁTICAS DE ECODESENVOLVIMENTO
(in Revista Africana Studia, nº10, 2007)

Aldeias de Formação
Escolas de Vida e Projectos de ecodesenvolvimento
As escolas para o desenvolvimento social, na perspectiva de agentes de ecodesenvolvimento, têm muito a ver com as escolas de vida que eram veiculadas pelas “mucandas” vernaculares, em Angola. A aldeia socializa as crianças e os jovens de modo a que todos os cidadãos sejam úteis na iniciação para a vida. Portanto, a recolha de plantas, a caça, a pesca, a actividade agro-pastoril, a organização do habitat, a dança, a música, o canto, a aprendizagem através de contos, provérbios e filosofia, são os factores da cultura endógena úteis para a formação. Contudo, também uma abordagem intercivilizacional alarga a consciência e permite uma abrangência de saberes mais vastos. Não esqueçamos que a fitoterapia, utilizando a Moringa e a Artemísia por exemplo, provém de conhecimentos ancestrais, nomeadamente da cultura indiana e chinesa mas susceptiveis de trazerem rsposta a interesses universais.
Uma escola de vida com uma acção pedagógica e social na construção de experiências exemplares, seria uma ecoaldeia, comunidade agro-ecológica sustentável e apoiada em tecnologias apropriáveis e energias renováveis.
É essencial que essa aldeia esteja estruturada dentro dum ciclo - metabolismo circular – para que a sua matriz seja um ecosistema integrado. A função produtora (pomar, horta, jardim, agro-ecologia, etc.), a função de reciclagem (reintrodução no ciclo metabólico dos “lixos” transformados em nutrientes), a reutilização ecotecnológica (aproveitamento de materiais, etc.) e ainda a renovabilidade energética (o uso de energia solar, eólica, hidráulica, etc.) constituem a alma mater do ecodesenvolvimento.
Interessa, antes da criação ou transformação duma aldeia deste tipo, investigar experiências já realizadas que possam contribuir para melhorar a qualidade dos projectos: processos de bioclimatização (solar, solar frio, poço canadiano, sistema tromb, poço provençal, etc.), métodos construtivos (adobe, btc, sacos, palha, etc.), energias renováveis (solar, eólica, hidráulica, geotérmica,etc.),
Exemplo: estudar comparativamente, com balanços rigorosos e levando em conta as realidades concretas, experiências como o Centro Songhai no Benim, Terre Vivante em França, Gorom-Gorom em Burkina Fasso, Les Amanins em França, New Alchimist nos E.U.A. ...


Projectos em agro-ecologia
A primeira mobilização a conseguir nas populações é plantar árvores. Plantar árvores no sentido biodiversivo e com o intuito de demonstrar civicamente que podemos intervir mudando a nossa vida e regenerando o planeta. Essa acção na biosfera é determinante para permitir uma fonte nutritiva para as populações, um equilíbrio ecoclimático e uma reciclagem regenerativa para o planeta.
Plantar árvores, neste sentido, é também criar uma nova produção agrícola agroecológica mais sadia e disponibilizar materiais construtivos inteiramente recicláveis. Plantar árvores é também criar jardins medicinais, plantas aromáticas e integrar o homem na harmonia da natureza.
Os problemas da saúde, alimentação e educação estão intimamente ligados. Inserem-se também numa perspectiva agroecológica sem a qual não poderemos resolver nenhum dos problemas que estão interligados – a água e a pecuária.
É portanto necessário promover uma acção simultânea em todos estes níveis.
Assim, o problema da fome pode encontrar, rapidamente, a solução imediata desenvolvendo uma agricultura de fácil apropriação pelas populações carenciadas.
África tem condições para plantações muito ricas em nutrientes (proteínas, vitaminas, sais minerais, etc.).
O exemplo da Moringa Oleífera, que sendo uma planta de origem indiana está provado poder reproduzir-se em solo angolano, mostra-nos que é possível utilizá-la em soluções múltiplas, úteis a toda a população.
Há vários tipos de Moringa mas todos eles podem ser semeados ou plantados em forma de estaca. Sobrevivem em solos pobres e mesmo com pouca água, resistem. Florescem normalmente depois de terem sido plantados em estaca 8 meses depois. Os ramos destas árvores, que podem atingir alguns metros de altura, transformam-se em estacas para novas plantações de árvores Moringas.
A Moringa Oleífera é a Moringa pterygosperma.
As folhas de Moringa podem contribuir para acabar com a fome no mundo. Com efeito, as suas folhas são comestíveis e têm propriedades nutricionais fabulosas:
a) 7 vezes mais vitamina C do que as laranjas;
b) 4 vezes mais vitamina A do que as cenouras;
c) 4 vezes mais cálcio do que o leite;
d) 3 vezes mais potássio do que as bananas;
e) 2 vezes mais proteínas do que o iogurte.
Assim, semear uma Moringa é ter uma imensa fonte polivitaminíca e proteíca para toda a família. Basta fazer uma salada de folhas de Moringa!
As vagens são suculentas e constituem um elemento notável para o gado.
As sementes, que se encontram dentro das vagens, produzem um óleo alimentar excepcionalmente rico. Também se pode utilizar esse óleo como biodiesel para motores.
A semente, depois de triturada, dá origem a uma farinha que pode ser utilizada no tratamento da água. No Malawi, em colaboração com a Universidade de Lycester (Reino Unido) obtiveram-se resultados melhores e a preços mais baixos do que os habituais tratamentos com produtos químicos. Um relatório da referida Universidade explicita que a farinha da semente de Moringa, funciona como um polielectrólito catiónico natural, no tratamento da água(1).
No Malawi procede-se actualmente ao tratamento da água em larga escala, com a Moringa, na povoação de Thyolo.
Além da qualidade de coagulante natural que permite o tratamento da água, a Moringa tem propriedades terapêuticas: Na Índia, a medicina ayurvédica utiliza produtos extraídos da Moringa como antibióticos naturais e a antiga tradição indiana refere 300 doenças curáveis pela Moringa. Os cientistas contemporâneos confirmam esta espectacular capacidade profiláctica e curativa.
Em Oman, o óleo de Moringa é aplicado contra as dores de estômago e no Haiti as folhas e flores são preparadas como chás utilizados na cura das gripes. No Malawi usam-se as folhas secas para curar diarreias.
Podem-se plantar cercas verdes, muros vegetais, junto de todas as escolas, igrejas, hospitais e outros eventuais centros públicos. Esses taludes ecológicos teriam Moringas de metro em metro, conjugando-se com amoras, figos da Índia, cenouras, alhos e outras plantas úteis, para alimentar o povo.
A plantação da Moringa pode resultar dum acto de militância ecológica individual mas pode, para maior eficácia, inserir-se num projecto mais global.
Qualquer dessas atitudes é louvável e permite, desde já, o início duma acção consciente, a bem da causa comum.
Seria importante conhecer a organização e o impacto das plantações de Moringa de modo a ter um balanço capaz de evitar erros.
A ideia de um projecto colectivo para uma maior eficácia e acção participativa, tem sido realizada em vários países. Lembro aqui a experiência feita no Brasil, através da Fundação Deusmar Queirós com o apoio de várias universidades e organizações ligadas à igreja. Este projecto no Brasil foi levado a cabo na zona do Nordeste, no Estado do Ceará. A preparação dessa acção foi longa e contou com vários organismos (universidade, igreja, correios, rádio, etc.). O início da operação fez-se em 10 de Abril de 2000 com a distribuição de 30.000 kits que continham instruções para semear e 4 sementes de Moringa oleifera. Em 2001 obtiveram-se resultados muito positivos pois 65% das sementes germinaram.
A Unesco reconheceu esta actividade como uma forma de tecnologia social que contribui para a prevenção de doenças.
Em 2003, 160.000 sementes foram distribuídas em 84 localidades do Estado do Ceará, tornando-se esta campanha num verdadeiro sucesso que teve a parceria de várias universidades brasileiras.
Várias associações têm vindo a obter sucessos, inclusivamente na luta contra a SIDA, desenvolvendo uma actuação articulada entre a Artemisía Annua, a Moringa Oleífera e a Aloé Vera.
Têm também vindo a utilizar a planta Neem como repelente biológico contra o mosquito da malária e a mosca tzé-tzé.
É também de assinalar a existência de vários grupos, nomeadamente missionários ligados à Igreja católica, que cultivam a espirulina, uma alga fortemente nutritiva, que foi muito utilizada pela civilização Inca na América Latina.
É essencial a montagem de projectos relacionados com energias renováveis e dispositivos de produção energética. Pequenas indústrias de painéis solares, eólicas, fornos solares, secadores solares, motores Stirlling e outros, deveriam produzir, in locco, ecotecnologias apropriáveis que pudessem resolver as necessidades energéticas locais.
É importante a produção de redes de sistemas hidráulicos com a criação de reservas de água e sistemas de irrigação. Procurar-se-á, simultaneamente, criar sistemas de lagunagem biodepurativa, com o intuito de reciclar e potabilizar as águas residuais.
Um projecto pedagógico interessante seria o de constituir caravanas ambulantes que funcionassem de um modo ecosustentável.
Os quiosques ecológicos itinerantes, realizados pelo arquitecto Michel Rossel, tinham como objectivo mostrar biodepuradoras e simultaneamente protótipos de energias renováveis. No interior das carruagens, articuladas e puxadas por um tractor, movido por um motor solar ou por outro tipo de energias renováveis, estão organizados, em prateleiras, pequenos jardins filtrantes que reciclam a água residual e servem de pequenas hortas para alimentação e obtenção de plantas medicinais.
Outro projecto importante é a organização de muros verdes ou seja, taludes ecológicos evolutivos, pensados e realizados por Emmanuel Rolland, que constituem divisórias naturais do território, gerando ecotopos particularmente ricos para a biodiversidade.


(1) - Relatório Sutherland/Folkard e Grant (http://www.treesforlife.org/)
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ENTREVISTA A JACINTO RODRIGUES PUBLICADA NA REVISTA CABINDA UNIVERSITÁRIA DE JUNHO DE 2007 
(Em Junho de 2007 a Revista Cabinda Universitária, do Centro Universitário de Cabinda - Universidade Agostinho Neto, dirigida pelo Professor Doutor Kiamvu Tamo, publicou o seu primeiro número. Nesta Revista publica-se a entrevista feita a Jacinto Rodrigues.)



1. Qual o balanço que faz ao modelo urbano-industrial tal como foi concebido no ocidente? O modelo urbano-industrial baseado no crescimento económico e tecnocientífico dominante, a partir do séc. XVII no ocidente, tem vindo a revelar-se esgotado. Está cada vez mais incapaz de resolver os problemas ecológicos e sociais que a humanidade enfrenta hoje. Esse modelo, tendo como matriz conceptual a máquina, ou o motor de explosão, funciona a partir do consumo de energias fósseis, esgotando assim o capital natural e contaminando ao mesmo tempo a biosfera com lixos tóxicos. Através da intervenção histórica do homem numa perspectiva tecnocêntrica, o crescimento económico dominante foi construindo uma tecnosfera de tal maneira energetívora na sua voracidade, que não permite hoje um ritmo regenerador da biosfera. A biosfera, delapidada das suas florestas biodiversivas, poluída pela toxidade das águas e dos solos, fragilizada pela construção excessiva de edificações consumistas e não recicláveis, esgotada pela tecnociência fóssil e contaminadora, está a ser destruída. Assim, a tecnosfera, esgotante e contaminadora, tem um peso destruidor maior do que a capacidade regeneradora da biosfera, que está enfraquecida. Por outro lado este modelo tecnosférico gerou um tipo de sociedade que acelera e reproduz formas de consumo que além de delapidarem o capital natural, geram desigualdades, exclusões e injustiças. O funcionamento dessa tecnosfera provocou o esgotamento e a contaminação da biosfera, sendo ao mesmo tempo responsável pela dominação e exploração na sociosfera. Assim, para além do ecocídio da natureza, é cada vez maior o fosso entre pobres e ricos, entre pessoas, regiões, países e continentes. Temos hoje o seguinte quadro que tem vindo a mostrar o agravamento do fosso entre os que possuem cada vez mais riqueza e os que são cada vez mais pobres: 16% da população é rica e beneficia de 84% dos bens disponíveis; 84% da população é pobre e sobrevive apenas com 16% dos bens disponíveis. Deste modo, a sociedade dominante gerou um modelo baseado numa cultura consumista do ter. Esse modelo hegemónico nos países ricos é tal que, baseando a sua aparente felicidade em falsas necessidades esbanjadoras, se por hipótese se quisesse alargar esse mesmo modelo aos restantes povos, seriam necessários 2 a 3 planetas. A pegada ecológica dos países de economia dominante é tal que só uma mudança total de paradigma civilizacional pode pôr fim ao actual modelo ideológico e tecnocientífico autofágico em que vivemos. 2. Quais são então os critérios que nos permitem diferenciar a tecnociência da ecotécnica, ou seja, a ruptura epistemológica entre a tecnosfera fóssil e contaminante do modelo urbano-industrial e a ecotecnosfera duma civilização baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentável? Esta é uma grande interrogação. Vivemos num momento da história em que o poder da tecnologia baseada nas energias fósseis é cada vez maior. A Humanidade consegue hoje poderosas manipulações sobre a natureza. O paradigma actual da tecnociência ocupou o lugar da mentalidade sagrada do passado. Nunca o poder de agir sobre a natureza foi tão grande. Mas a lógica tecnocientífica valoriza apenas uma eficácia determinada por parâmetros que convencionamos serem melhores. No entanto, esses parâmetros de eficácia que justificam o poder e a acção dos homens, carecem de fundamento ético. O poder operativo e o dever da consciência decorrem de níveis diversos do conhecimento humano. A tecnociência sem ética pode levar ao ecocídio e ao genocídio. Existem vários níveis de realidade. As ciências tecno-operativas não vivem sobre valores ético-normativos. A dimensão moral e estética da vida e os valores qualitativos da felicidade humana constituem um objecto permanente de reflexão filosófica. Esta reflexão filosófica é mais assente na sabedoria e na experiência de vida do que no saber erudito e mecânico da tecnologia. Assim, no desenvolvimento ecologicamente sustentável, a ecotecnologia e a eco-tecnosfera resultarão de uma acção comunicativa e participada entre seres livres na procura duma consciência alargada, feita graças ao convívio solidário das comunidades humanas. Porém, não nos poderemos contentar com certezas inabaláveis e definitivas. A reflexão consciente terá que acompanhar constantemente o processo da construção social. Isto torna precária a orgulhosa concepção de verdade única mas permite restituir à filosofia e à consciência a responsabilidade na marcha da humanidade e eleger, mesmo que duma forma relativa e precária, opções de vida mais justas e fraternas. 3. Que alternativa pode existir entre esse modelo tecnocientífico baseado no modelo capitalista tecnocientífico e o modelo das sociedades vernaculares, que existem por exemplo, em África? As sociedades vernaculares vivem social e tecnicamente integradas no ecosistema natural. Têm capacidades endógenas que permitem uma maior harmonia entre o homem e a natureza. A organização socio-cultural da comunidade vive muitas vezes num maior grau de solidariedade entre as pessoas e a protecção releva sobre a competitividade e o darwinismo social das sociedades capitalistas urbano-industriais. Sem rejeitar uma enorme contribuição dessas virtudes endógenas, mais assentes na cultura do ser e numa ecotecnologia sem consequências nefastas para a biosfera, é contudo evidente que as sociedades vernaculares se fecham duma forma protectora sobre a sua singularidade. Isto dificulta a abertura universal a saberes múltiplos, que são uma componente necessária para que a tradição não se cristalize em ausência de inovação, gerando isolamento. Um outro mundo é possível. Para isso é necessário fazer ressaltar as características positivas da cultura vernacular como a conviabilidade, a solidariedade e a cultura do ser. Mas é possível também imaginar uma outra ecotecnologia, uma outra ecotecnosfera que proporcione uma maior planetarização das culturas e civilizações, um encontro mais enriquecedor das singularidades culturais para um processo de universalidade permanente sem anular as diferenças essenciais à criatividade da humanidade. O esgotamento do modelo civilizacional urbano-industrial dominante tem vindo a produzir uma consciência ecológica nas populações de todo o planeta. Tem vindo a propiciar o aparecimento de novas alternativas sociais e paradigmas ecocientíficos para uma outra ecosfera. É através do decrescimento sustentável, do modelo ocidental, que poderemos vir a construir um desenvolvimento ecologicamente sustentável que ponha fim ao paradigma civilizacional dominante vindo a emergir um outro paradigma: o paradigma da solidariedade entre os povos, o paradigma duma cultura do ser e um paradigma duma ecotecnosfera centrada sobre os ecosistemas em harmonia com a biosfera.






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Tibá - arquitecto Johan van Lengen e professor Jacinto Rodrigues - 2007





O artigo do Prof. Doutor Jacinto Rodrigues sobre o TIBÁ tem a extensão de 28 páginas. Coloco aqui alguns excertos... no entanto, o texto completo encontra-se disponível para download, na página do e-learning.
"(...)O autocarro parou na praceta da cidadezinha de Bom Jardim. Três quilómetros separam ainda a cidade da fazenda onde se encontra o TIBÁ – Centro de Tecnologia Intuitiva e Bio-Arquitectura, fundado pelo arquitecto Johan van Lengen.
Tibá, na língua dos índios Tupi, quer dizer lugar onde muitas pessoas se encontram.
Johan van Lengen e o filho, Marc, estavam à minha espera. (...)

"Um centro onde fosse possível formar uma cultura ecológica orientada em especial para a arquitectura e urbanismo sustentável. Mas seria um centro aberto à multidisciplinaridade, concebendo o desenvolvimento social numa interligação simultânea com o autodesenvolvimento."
Desde longa data que Johan começara a desenvolver uma investigação sobre novas metodologias de educação tendo como base a razão e a intuição, a arte e ciência. Durante os últimos anos Van Lengen abordara essas questões da nova pedagogia tendo como base a articulação sistémica entre o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito.
O trabalho com psicólogos abrira-lhe novas perspectivas sobre o que denomina de inter-relação entre o estado Alfa e Beta, ou seja o aproveitamento das duas funções diferenciadas dos hemisférios cerebrais, através duma actuação que favoreça a integração das potencialidades globais do cérebro. Esta metodologia tem muito a ver com as mais recentes investigações da pedagogia e da neurociência, como as efectivadas, nomeadamente por Michel Fustier, Dominique Chalvin e António Damásio.
A vivência, e não apenas a erudição académica de Johan van Lengen, foram o ponto de partida para a criação dessa metodologia. É essa vivência, feita de aparentes contradições, de multiplicidade de culturas e línguas, que lhe forneceu a base dessa utensilagem pedagógica.
Nascido em Amesterdão em 1930, conheceu na infância e adolescência o drama da 2ª Guerra Mundial. A ocupação nazi e as dificuldades sociais da guerra preencheram as recordações do seu diário.
Os cadernos que conserva desses anos de meninice revelam já uma sensibilidade excepcional para o desenho.
Graças a um resistente anti-nazi aprendeu judo, desde a adolescência, tornando-se um especialista. Começou a dar aulas de artes marciais muito cedo. Essa formação no judo não foi uma mera aprendizagem técnica. Foi uma arte que lhe permitiu desenvolver um controlo corporal liberto de medos e angústias.
Procurando viver o presente, o agora, abriu-se à filosofia Zen com a leitura de Eugéne Herrigel e, tal como Trevor Leggett, conquistador de altas graduações no judo, aprendeu que “o pintor só saberá desenhar um corvo empoleirado num bambu, quando conseguir, à força de os observar e interiorizar, tornar-se ele próprio o corvo e o bambu agitado pelo vento, face ao vazio. Por isso, aprender a observar faz com que, com algumas pinceladas e num só movimento, a arte surja.”
É esta filosofia do estar presente no agora, que lhe permite o despertar.
A Holanda tornara-se um espaço exíguo para o seu imaginário aberto.
Nos princípios dos anos 50 foi para o Equador. Viveu atribuladas aventuras na floresta onde contraiu a icterícia. Restabelecido, graças a uma dieta de bananas, conseguiu um lugar no escritório do arquitecto Guillermo Cubillo, onde recebeu as primeiras noções de projecto. Interessa-se em especial pela construção, tendo acompanhado as actividades nos estaleiros, adquirindo uma sólida formação técnica. Naqueles anos, a orientação da arquitectura do pós-guerra pautava-se por uma estética moderna. Corbusier divulgava as novas regras da arquitectura.
Johan van Lengen parte para o Canadá para estudar na Universidade de Arquitectura de Toronto. Faz o curso com facilidade pois já tinha uma bagagem técnica apreciável, adquirida no trabalho que fez nos estaleiros e com o arquitecto Cubillo.
Do Canadá viaja para os Estados Unidos da América onde finaliza o diploma numa Universidade do Oregon, marcada pela escola da Bauhaus na versão americana de Gropius e Mies Van der Rohe.
Na arte era um apaixonado pela pintura abstracta de Mondrian. Ainda como aluno na universidade, traduzira do holandês uma obra desse pintor apresentando-a como um contributo para as provas do curso de arquitectura. Nesse período do início dos anos 60, as preocupações da arquitectura tecno-funcionalista dominam os seus projectos. Assim, em 1962 e 1963 trabalha na edificação de hospitais na Califórnia, preocupando-se especialmente com a ergonomia e a boa funcionalidade dos espaços. Isso reforça a sua formação racionalista que se consolidara com o interesse pelos trabalhos de Cristopher Alexander, que desde 1965, em Berkeley, desenvolvia as relações entre a matemática e as construções arquitectónicas. Os trabalhos de Cristopher Alexander prosseguiam as preocupações que Wittgenstein manifestara já nos anos 20. Johan van Lengen vai trabalhar em cooperação com o matemático na empresa de Arthur D. Little. Investiga também a utilização da informática na arquitectura e no urbanismo. Estabelece “matrizes” que permitem uma racionalização de vectores nas opções técnico-construtivas. Procura estabelecer diagramas de afinidades com o fim de projectar com maior funcionalidade.
Entretanto vai desenvolver na prática arquitectónica uma série de projectos e trabalhos que vão de supermercados ao planeamento de centros urbanos, universidades e conjuntos habitacionais nos E.U.A.
Um outra etapa está prestes a surgir. Em S. Francisco conhece artistas, psicólogos e homens de letras com perspectivas de inovação. Conhece Jacques Overhoff, também ele holandês residente nos E.U.A. e que faz experiências na escultura, mobilizando cidadãos para uma nova estética na cidade.
Em 1962 casa com Rose, uma pintora brasileira que conhecera no Rio de Janeiro. A pintura de Rose é uma pintura onírica e cujo lirismo reflecte muito a paisagem da América Latina e sobretudo a exuberância colorida do México, onde depois residem.
Nesses anos apaixona-se pela arquitectura brasileira, nomeadamente pelos trabalhos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, que espelham uma maior sensibilidade plástica mesmo se ainda posicionados no movimento moderno.
As relações com o Brasil estabelecem-se cada vez mais frequentemente com as múltiplas viagens que realiza com Rose. Os problemas da arte, da pintura, e do desenho tornam-se também uma motivação pessoal na sua própria actividade criativa. Johan faz inúmeros desenhos e esculturas.
Além dessas actividades artísticas interessa-se pelas questões antropológicas. Chegou mesmo a frequentar um mestrado de antropologia na Universidade de Campinas, no Brasil, numa das suas estadias, que vai fazer cada vez mais frequentemente, entre Califórnia, México e Brasil.
No Rio de Janeiro, trabalha no escritório do arquitecto de reconhecida qualidade, Sérgio Bernardes, nomeadamente no planeamento da Universidade Católica de Curitiba. Esta sensibilidade moderna, lúdica e criativa da arquitectura brasileira permite-lhe articular a anterior formação técnica e construtiva com a nova abertura estética, mais plástica, da arquitectura brasileira.
Johan recorda o lado “bon vivant” de Sergio Bernardes e a postura sensível com que olha e trabalha com a arquitectura. Explica como diante dos organigramas informativos, o arquitecto Sérgio Bernardes imprimia traços a lápis de cor sobre o papel manteiga com que sobrepunha a planta topográfica devidamente sinalizada com os dados objectivos. Os traços coloridos do desenho sobreposto eram propostas com vida. E assim a arquitectura de Sérgio Bernardes ganhava uma outra dimensão artística sem deixar de manter uma informação quantitativa.
Johan conta assim como colaborou e aprendeu com este arquitecto brasileiro.
Por outro lado, as questões sociais vão-se impondo constantemente. E assim, uma maior flexibilidade intervém nos seus próprios projectos.
A nova aprendizagem da arquitectura e a nova experiência social vão-se consolidar numa espécie de segunda vida profissional que se impõe progressivamente.
Em 1977, quando se torna conselheiro da ONU para as questões do habitat e do urbanismo, os problemas da forma na arquitectura vão sofrer uma reviravolta substancial. Essa sua actividade como conselheiro exerce-se primeiramente no México.
A primeira fase profissional que tinha sido marcada pelo tecno-funcionalismo e o racionalismo da arquitectura moderna, centrava-se essencialmente na informação quantitativa. Nesta segunda etapa, estas referências fornecem dados para uma maior implicação artística no projecto. Acentua-se assim a influência da expressão artística da sua mulher, a cultura popular mexicana e a dos índios da Amazónia, que constituem os novos referentes para a problemática da sua arquitectura, cada vez mais marcada pelas preocupações ecológicas.
Um novo paradigma histórico emergente vai produzir as metamorfoses nas ideias, na tecnologia e na cultura de Johan van Lengen.
Ao instalar-se em Tepoztlan, a alguns quilómetros de Cuernavaca onde vivia o filósofo Ivan Illich que conheceu pessoalmente e de quem admirava a sua obra, nova reformulação se produziu nas suas concepções sobre energia e sobre desenvolvimento social. Acentuam-se as suas críticas ao paradigma dominante, abandonando as posturas eurocentricas, põe em causa o progresso linear e vai assumindo valores da interculturalidade e transculturalidade, sem pretensões de superioridades exclusivas. O convívio com a diferença abre-lhe novos horizontes.
Entretanto, aprofunda também o Budismo Zen, no contacto com os monges budistas que visita em Honolulu. E, quando vive na Califórnia, desloca-se a Oregon para visitar a comunidade do célebre guru indiano Bhagwan Shree Rasneesh, e é convidado a projectar algumas construções para o “rancho” onde vivem os principais membros desse grupo.
Ao visitar esta utopia que desponta no deserto, recorda a qualidade de alguns terapeutas que aí trabalhavam. Porém, rapidamente se dá conta dos impasses e desvirtuações desse grupo. Ficará contudo marcado pelas práticas meditativas e terapêuticas da escola de Bhagwan.
Viaja várias vezes ao oriente colaborando em congressos de arquitectura sustentável. Participa, num congresso de Nova Deli sobre questões sísmicas. Expõe algumas soluções para prevenir os estragos provocados pelos tremores de terra. Propõe a montagem dum pórtico de betão armado que consolide os edifícios e estabeleça simultaneamente um refúgio sólido para recolhimento das pessoas durante os sismos, que deveriam ser previamente assinalados graças a um sistema sonoro, sensível às primeiras manifestações sísmicas.
Este pórtico-refúgio deveria, segundo Johan van Lengen, ser obrigatoriamente exigido nas construções públicas nos países susceptíveis de tremores de terra.
Como Johan nos contou, estas suas viagens ao Oriente constituíam não apenas uma colaboração profissional mas resultavam também duma profunda atracção pela cultura espiritual do Oriente, em particular pelo budismo. Em algumas dessas conversas sobre as suas viagens ao Oriente, Johan relatou-me, comovido, as suas impressões numa das visitas à Índia: o sorriso de paz duma mulher pedinte, queencontrou em Benares, naquele estranho dia em que perpassava uma atmosfera de comunhão espiritual entre as pessoas. Morrera Indira Gandhi. Após a tragédia dos primeiros momentos, a multidão enfurecida, agitou-se tumultuosamente, procurando vingança. Mas a mulher do sorriso misterioso, a pobre pedinte de Madurai, continuava presente no seu espírito como uma espécie de êxtase que o deixara na maior perplexidade. No meio da confusão, no quase motim que agora se avolumava, ofereceram-lhe um farrapo de pano preto com o qual pôde manifestar a solidariedade pelo luto da Índia. E assim, Johan o ocidental, perdido na turba pôde salvar-se da fúria da multidão perturbada por aquele trágico acontecimento no sul da Índia.
Essas viagens ao Oriente levaram-no a santuários onde visitou Ashrams e lugares santos.
De volta ao México, onde continuava a trabalhar como conselheiro dum programa do Governo da Holanda conheceu também um arquitecto e artista genial, o jesuíta Cláudio Favier Orendain. Era um arquitecto misterioso que estudara profundamente as antigas construções pré-colombianas e procurava ajudar as populações a prosseguirem com as tradicionais técnicas do adobe. Os rurais das aldeias de Tlayacalpan só ficaram verdadeiramente convencidos do valor das construções de adobe e da sua criação identitária quando viram que o europeu as adoptara. Cláudio Favier construíra a sua própria casa de adobe com formas próprias daquela região. Este facto foi, para Johan, uma verdadeira lição antropológica pois só o reconhecimento por estranhos à cultura autóctone e local, permite a auto-estima necessária pelo interesse desse património. Depois deste gesto assumido por um estrangeiro, a população autóctone percebeu o valor da sua própria cultura, que até ali desprezava por viver na ilusão de valores que se instalaram contra os seus próprios interesses. Johan van Lengen explicou-me porque é que também ele optara, na reconstrução do Tibá, pela reutilização das estruturas pertencentes ao engenho da rapadura de cana de açúcar. Empregara, nessa reconstrução, ecotecnologias simples que pudessem fazer do edifício uma experiência demonstrativa.
Assim, o Tibá não rejeita as tradições construtivas quando bem feitas e exprime, na sua própria edificação, as tecnologias que aí se pretendem ensinar.

(...)
Utilizando os “cascajes” Johan foi ampliando a ala poente para os ateliers de construção civil e os sanitários secos – os “basons”- que são propostos como tecnologia apropriada para as populações, constituem também as sanitas existentes no Tibá. Os tectos verdes que se ensinam a fazer são também generalizados na própria escola Tibá. E com os bambus que bamboleiam ao vento no interior da fazenda, construíram-se pontes e outras estruturas.
(...)
A horta biológica que alimenta a cantina, revela o tipo de agricultura biológica e aponta para uma alimentação saudável. O processo dessa agricultura é baseado nas experiências do professor brasileiro de agronomia, Víctor del Mazo, que estabeleceu uma metodologia (mazu-humus) que consiste na utilização de minhocas californianas (eisenia foctida) que, revolvendo o estrume colocado em pequenos reservatórios, vão produzindo um fertilizante natural muito eficaz.
Uma rápida visita pelo casario pôs-me em contacto com as várias estruturas da casa: a biblioteca, a sala de meditação, os ateliers e a cozinha com o alpendre caramachão onde se fazem as refeições.

(...)
É necessário referir ainda factores subtis que só agora a geobiologia parece estar interessada em estudar cientificamente. É o caso dos estudos da rede Hartmann e Curie que o Feng-Shui pressentia intuitivamente e que também os antigos construtores no Ocidente levavam em conta na arte da construção da arquitectura sagrada”.
(...)
Esta metodologia, que já referimos, tem a ver com o trabalho profissional que exerceu ao longo de vários anos mas a que acrescenta uma pesquisa iniciada por Cristopher Alexander e que ele próprio desenvolveu com a ajuda de um matemático. A esta parte do seu trabalho chama de experiência em Beta. Trata-se de uma actividade necessária à investigação informativa e permite a segurança imprescindível para a etapa Alfa. Para esta etapa é imprescindível o período anterior pois a lógica investigativa estabelece nexos e informações que sistematizam metodologias e técnicas imprescindíveis no design, na arquitectura e no urbanismo.
O trabalho de Johan van Lengen baseia-se assim nos estudos recentes da neurociência. Os dois hemisférios cerebrais estão conectados por um grosso cabo de inúmeras fibras nervosas. Este dispositivo mediador faz a conexão entre cada um dos dois hemisférios diferenciados pelas suas funções:
a) O hemisfério esquerdo contempla os aspectos analíticos, privilegia a linguagem lógico-digital e expressa-se dum modo quantitativo e verbal. As ondas Beta hegemonizam essa zona cerebral;
b) O hemisfério direito contempla os aspectos globais, privilegia a intuição e a linguagem analógica e expressa-se dum modo qualitativo e gestual. As ondas Alfa hegemonizam essa zona cerebral;
Os estímulos do hemisfério esquerdo trazem sobretudo informações do exterior. Os estímulos do hemisfério direito expressam sobretudo motivações interiores, como os desejos, imagens e sonhos.
O curso de Johan van Lengen, a que ele deu o nome de Beta-Alfa é a organização duma metodologia pedagógica minuciosamente estudada através dum conjunto de exercícios que fortalecem ambos os hemisférios permitindo, simultaneamente a interacção sistémica dos mesmos. Trata-se de “Alfa+Betizar” harmonicamente as funções quotidianas a que o nosso cérebro está sujeito.
(...)
Falou desse personagem excepcional do cinema francês, Jacques Tati, que realizou filmes inolvidáveis como “Mon Oncle” e “Les vacances de Mr. Hulot”. Conheceu Jacques Tati e deu-se conta do sentido da sua obra que era o de fazer “despertar” o homem adormecido que está em nós ou o homem máquina que constantemente pretende impor-se à criatividade .
(...)
Através de cartazes explicitam-se problemas construtivos e suas soluções ecotecnológicas.
A sua actividade nesta divulgação pedagógica leva-o a fazer uma proposta de realização de um filme para o ensino de tecnologias apropriáveis. O filme ainda não foi realizado mas a proposta ganhou um prémio. Este filme teria o nome de “Jour de Fête” em homenagem, mais uma vez, ao realizador Jacques Tati e representaria de uma forma humorística em 16 cenas os processos simples de auto-construção realizada por um grupo de jovens.
Todas estas actividades culminaram na edição de um livro ”Manual do Arquitecto Descalço” que já havia sido anteriormente editado, no México, em língua castelhana.
Prepara-se neste momento uma edição em inglês.
(...)
No livro “Manual do Arquitecto Descalço” tecem-se considerações, duma forma extremamente simples, sobre os princípios fundamentais dum projecto.




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O artigo que está aqui reproduzido, foi escrito para o congresso realizado em Angola, em 2006 e foi também publicado no blogue da Esteira do Ambiente.


"O colibri em cada sítio pode e deve apagar incêndios, como na história de Wangari Muto Maathay. Isso é prova de postura interventiva e de esperança.
Porém, o colibri em cada lugar tem muitas tarefas para além de apagar o fogo.
A principal acção preventiva é semear e plantar árvores.
Hoje, quero falar do Colibri Moringueiro
A Moringa é uma árvore originária da Índia. Tem sido plantada em vários países do planeta, nomeadamente no Brasil e na África.
Existe muita informação na net, bastar clicar num motor de busca, na palavra Moringa.
O importante, sobre esta árvore sagrada, pode resumir-se no seguinte:
1º Há vários tipos de Moringa mas todos eles podem ser semeados ou plantados em forma de estaca. Sobrevivem em solos pobres e mesmo com pouca água, resistem. Florescem normalmente depois de terem sido plantados em estaca 8 meses depois. os ramos destas árvores que podem atingir alguns metros de altura transformam-se em estacas para novas plantações de árvores Moringas.
2º As folhas de Moringa podem contribuir para acabar com a fome no mundo. Com efeito, as suas folhas são comestíveis e têm propriedades nutricionais fabulosas:
a) 7 vezes mais vitamina C do que as laranjas;
b) 4 vezes mais vitamina A do que as cenouras;
c) 4 vezes mais cálcio do que o leite;
d) 3 vezes mais potássio do que as bananas;
e) 2 vezes mais proteínas do que o iogurte.
Assim, semear uma Moringa é ter uma imensa fonte polivitaminíca e proteíca para toda a família.
Basta fazer uma salada de folhinhas de Moringa!
3º As vagens são sucarentas e constituem um elemento notável para o gado.
4ª As sementes que se encontram dentro das vagens produzem um óleo alimentar, excepcionalmente rico. Também se pode utilizar esse óleo como biodiesel para motores.
5ºA semente, depois de triturada, dá origem a uma farinha que pode ser utilizada no tratamento da água. No Malawi, em colaboração com a Universidade de Licester (Reino Unido), obtiveram-se resultados melhores e a preços mais baixos do que os habituais tratamentos com produtos químicos. Um relatório da referida Universidade explicita que a farinha da semente de Moringa, funciona como um polielectrólito catiónico natural, no tratamento da água. (ver Relatório Sutherland/Folkard e Grant - in http://www.treesforlife.org).
No Malawi procede-se actualmente ao tratamento da água em larga escala, com a Moringa, na povoação de Thyolo.
6º Além da qualidade de coagulante natural que permite o tratamento da água, a Moringa tem propriedades terapêuticas: Na Índia, a medicina ayurvédica utiliza produtos extraídos da Moringa como antibióticos naturais e a antiga tradição indiana refere 300 doenças curáveis pela Moringa. Os cientistas contemporâneos confirmam esta espectacular capacidade profiláctica e curativa.
Em Oman, o óleo de Moringa é aplicado contra as dores de estômago e no Haiti as folhas e flores são preparadas como chás utilizados na cura das gripes. No Malawi usam-se as folhas secas para curar diarreias.
Concluindo
Podem-se plantar cercas verdes, muros vegetais, junto de todas as escolas, igrejas, hospitais e outros eventuais centros públicos. Esses taludes ecológicos teriam Moringas de metro em metro, conjugando-se com amoras, figos da Índia, cenouras, alhos e outras plantas úteis, para alimentar o povo.
Como adquirir sementes de Moringa?
Existem vários sítios na Europa que disponibilizam essas sementes.
No Brasil podem-se comprar na esplar@esplar.org.br
Se não se encontrar em Angola, poderá ser possível obtê-la através do Malawi.
Sejemos Colibris Moringueiros continuando na nossa Esteira do Ambiente porque, mesmo longe uns dos outros estaremos juntos neste mesmo desejo de melhorar o planeta e os homens.
A árvore Moringa de que vos falo é a Moringa Oleífera - Moringa pterygosperma.
A plantação da Moringa pode resultar dum acto de militância ecológica individual mas pode, para maior eficácia, inserir-se num projecto mais global.
Qualquer dessas atitudes é louvável e permite, desde já, o início duma acção consciente, a bem da causa comum.
A ideia de um projecto colectivo para uma maior eficácia e acção participativa, tem sido realizada em vários países. Lembro aqui a experiência feita no Brasil, através da Fundação Deusmar Queirós com o apoio de várias universidades e organizações ligadas à igreja. Este projecto no Brasil foi levado a cabo na zona do Nordeste, no Estado do Ceará. A preparação dessa acção foi longa e contou com vários organismos (universidade, igreja, correios, rádio, etc.). O início da operação fez-se em 10 de Abril de 2000 com a distribuição de 30.000 kits que continham instruções para semear e 4 sementes de Moringa oleifera.
Em 2001 obtiveram-se resultados muito positivos pois 65% das sementes germinaram. A Unesco reconheceu esta actividade como uma forma de tecnologia social que contribui para a prevenção de doenças.
Em 2003, 160.000 sementes foram distribuídas em 84 localidades do Estado do Ceará, tornando-se esta campanha num verdadeiro sucesso que teve a parceria de várias universidades brasileiras.
No caso de Angola valerá a pena, em acção comunicativa, planearmos o modo como a Esteira do Ambiente poderá articular-se em parceria com a Universidade e com organizações sócio-culturais.
Aqui, em Portugal, iniciamos em 2005 uma plantação de um viveiro de Moringas oleiferas. É um viveiro pequeno e ainda não produziu sementes. Estamos a estudar a hipótese de alargar o viveiro. Daremos notícias posteriormente.
Para a organização desse viveiro seguimos uma tecnologia muito simples, utilizada por Emmanuel Roland e que consiste na reutilização de garrafas de plástico como mini-estufa para cada semente.
Descrevemos este processo que podem consultar na internet:
Ver arquivo Novº2005 - Emmanuel Rolland
Ver também Setº 2005 - Guerrilha verde nas cidades
Outº2005 - Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado
Maio 2006-Universidade Experimental do Meio Ambiente
Novº 2006-Josephe Beuys...
Todos estes artigos podem ser reproduzidos livremente assim como os artigos que publiquei no Jornal A Página da Educação, disponíveis no site:
http://www.apagina.pt (ver arquivo-autor-Jacinto Rodrigues)
Alguns destes artigos foram publicado no meu livro "Sociedade e Território - Desenvolvimento Ecologicamente Sustentado", Profedições, Porto, 2006.

Jacinto Rodrigues
Dezembro de 2006
Feliz Natal Moringueiro"


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Anuária 2005-2006 
Balanço da Cadeira de Ecologia Urbana – 5º ano

A cadeira de Ecologia Urbana articulou-se simultaneamente em 3 eixos pedagógicos.

1.      Formação
Aulas teóricas e projecção de vídeos sobre temas práticos de ecologia.
2.      Investigação através da reflexão de conceitos fundamentais de ecologia e estudo de arquitectos e urbanistas que se salientaram em obras de carácter ecológico .
Elaboração de monografias temáticas sobre experiências exemplares (ecoaldeias, ecobairros, ecopolis e ecoregiões, energias renováveis e protótipos de ecotecnologia e transportes ecológicos)
3.      Projecto de ideias
Aplicação dos conhecimentos num local preciso.

Ao longo dos vários anos esses projectos foram baseados nos seguintes critérios:
a)      escolha de um local público;
b)      terreno com proximidade à Faculdade de modo a propiciar uma economia de esforço por parte dos alunos;
c)      Projecto susceptível de vir a ser concretizado no futuro;

Assim, realizaram-se vários projectos de ideias como por exemplo: Porto, uma Ecopólis; Boavista uma praça pública ecológica; Um ecocampus universitário, etc.
Alguns destes trabalhos foram publicados no jornal A Página da Educação.
O ano lectivo de 2005-06 teve um objecto prático de realização que mobilizou os alunos: o projecto de uma ecofaculdade, ou seja de uma EcoFAUP.
A estratégia consistiu em revelar através duma visualização de imagens uma outra faculdade possível.
Sete princípios programáticos nortearam a montagem projectiva de 4 cenários apresentados com: mapas, desenhos, fotomontagens, esquissos e maquetas.
1.      Produção de energias renováveis no edifício da FAUP;
2.      Montagem de um sistema bioclimático aumentando o conforto através de energia solar passiva e materiais de construção adequados;
3.      Tratamento paisagístico e agroecológico do território envolvente ao edifício da FAUP que permitisse produzir alimentos biológicos para a cantina e criar espaços de apoio experimental e de lazer.
4.      Criação de um sistema biodepurativo através de jardins filtrantes que reutilizassem as águas residuais e a captação de águas pluviais.
5.      Uma rede de ecotransportes.
6.      Uma articulação que permita relações solidárias entre a Universidade e a comunidade urbana envolvente.
7.      Tratamento ecosistémico desse território urbano provocando uma resposta utilitária e de beleza estética.

Estes objectivos foram realizados em 4 cenários que corresponderam à sensibilidade dos diferentes grupos de trabalho. O modo de apresentar estes projectos de ideias mostrou atitudes diferenciadas:
a)      grupos com tendência a uma intervenção ecológica menos visível deixando intacta a imagem do edifício de Álvaro Siza.;
b)       grupos com maior intervenção visível, alterando mesmo a imagem formal do edifício existente.

O balanço desta experiência, mau grado a falta de preparação no domínio da ecologia que apresentam os alunos que chegam ao 5º ano desta Faculdade, foi positivo pois a problemática do ecodesenvolvimento e da ecologia-habitat é sentida como essencial no momento que vivemos. Por isso, é lamentável que a ecologia – problemática tão fundamental – seja relegada para uma cadeira opcional no 5º ano.
O aspecto positivo é que sendo um grupo pequeno, permite melhores condições para a realização de objectivos pedagógicos.                         

Doutor Jacinto Rodrigues
Professor Catedrático da FAUP
Julho 2006
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EXPERIÊNCIA AGRO-ECOLÓGICA EM MARROCOS COM PIERRE RABHI
2005


Cheguei a Marrocos, ao aeroporto de Casablanca, de manhã. O aeroporto é um “não lugar” igual a tantos outros aeroportos do mundo... Aguardei num bar a vinda do resto do grupo que chegaria de França. Durante o tempo de espera fui recapitulando as razões desta minha viagem. Estivera dias antes na Associação “Terre et Humanisme” fundada por Pierre Rabhi de quem já lera o belíssimo livro “L’Offrande au Crepuscule”[1]. Sabia da experiência de Pierrre Rabhi em agroecologia no Burkina Fasso, no período do presidente Sankara que tentou promover uma via de ecodesenvolvimento. Foi nesse período que Pierre Rabhi, como membro do CIEPAD (Carrefour International d’Echange et Pratique Apliqué au Developpement) e reconhecido especialista de agro-ecologia, propôs um desenvolvimento local participado que fosse á descoberta dum caminho próprio para aquela região de África, devastada pela agro-indústria e pela monocultura realizada durante a ocupação colonial. Conhecia alguns dados biográficos de Pierre Rabhi que trouxera comigo.
Nasceu em 1938 numa comunidade muçulmana, na aldeia de Kenadsa, perto de Bechar, às portas do Sahel na Argélia. Ficou órfão aos cinco anos e foi adoptado por um casal de franceses. Vem para Paris em 1958 com os pais adoptivos. Em 1960, com a sua mulher, Michele, estabelece-se na zona entre Cevennes e Ardeches. Consegue obter uma quinta onde pratica agro-ecologia . Forma aí cerca de 40 estagiários. Em 1978, é encarregado da formação em agro-ecologia pela Associação CEFRA (Centre d’Études et Formation Rurales Apliquées). A partir de 1981 participa, no Burkina Fasso, na formação dos “camponeses sem fronteira” a pedido desse governo africano e com o apoio do CRIAD (Centro de Relações Internacionais entre Agricultores para o Desenvolvimento). Em 1985 cria no Burkina Fasso o Centro de Formação de Agroecologia. Tem o apoio do presidente Sankara e trabalha em cooperação com a associação francesa “Le Point Mulhouse”. Em 1988 funda o CIEPAD (Carrefour International d’Echange et Pratique Apliqué au Développement). Em 1992 participa no lançamento do programa de reabilitação do óasis de Chenini-Gabés na Tunísia. Em 1994 apoia o movimento “Oasis em todos os lugares”[2] cujo manifesto foi editado e divulgado profusamente procurando criar uma articulação entre intervenção local e pensamento global. Em 1997-1998 intervém, a pedido da ONU, na elaboração duma convenção contra a desertificação, formulando propostas de ecodesenvolvimento agro-ecológico. De 1998 a 2001 promove acções de agroecologia no Niger. Em 2001 foi candidato alternativo à presidência da República em França. Também em 1998 promove a fundação do movimento “Terre et Humanisme” com uma base logística (um terreno e uma casa) como lugar de testemunho, investigação e contactos em Mas le Beaulieu, perto de Lablachère, na região de Ardeches, em França. Nessa quinta exemplar desenvolvem-se práticas de agroecologia, ecoarquitectura, fitodepuração, energias renováveis, plantação em estufa, procurando aí estabelecer uma formação global em agro-ecologia apoiada no jardim ecológico, no centro de conservação de sementes e em ligação com a Associação Kokopelli. Esta experiência exemplar pretende demonstrar que com um hectare de terra é possível uma unidade de produção familiar tendo como base os fundamentos da agroecologia. Tinha ido visitar o local com o objectivo de conhecer o trabalho de Pierre Rabhi mas naquele momento ele estava para fora. Falei com o Theo Angelou, responsável pelo trabalho e formação de jovens – jardineiro e animador social. Conheci ainda Maria Sanchez, secretária do movimento Terre et Humanisme e que se ocupa essencialmente da formação em permacultura. Foi a Maria Sanchez que me deu a informação do seminário que se iria realizar em Marrocos, em Maio de 2005. Disse-me, na sede da Associação Terre et Humanisme, que só num trabalho concreto realizado por Pierre Rabhi é que poderia compreender a metodologia dele. Não quis perder esta “chance” dum seminário “vivo” em que o ensino se desenrolava durante uma actividade prática como numa verdadeira escola de vida inserida na povoação, convivendo com ela numa acção-formação pelo interesse da própria comunidade e tendo como base uma iniciativa local. Foi-me fácil reconhecer Pierre Rabhi. Conhecia-o pelas fotografias dos seus livros e pelo cartaz de propaganda que ainda se conservava na parede da sede do movimento Terre et Humanisme, quando ele se candidatou a presidente da república, candidatura duma via alternativa ecológica e social em 2001. Abraçou-me prontamente. De Casablanca seguimos, de comboio, até Meknes. Quando aí chegamos esperava-nos um velho autocarro que a Junta de Freguesia cedera para nos levar até Kermet Ben Salem. A estrada era de terra batida e corria ao longo de colinas desarborizadas onde apenas algumas oliveiras despontavam pelas encostas. A noite caía. Trazia-me o mistério da civilização muçulmana. Pouco podíamos ver quando chegamos a Kermet. Pareceu-me, pelas luzes acesas, uma aldeia pequena perdida na imensidão deserta e silenciosa daquela região. Ficamos numa casa de três pisos .Fiquei com um grupo de homens no rés-do-chão. No andar de cima ficou o grupo das mulheres e no terraço ficou um pequeno grupo de homens que resolveram montar uma espécie de tenda com cobertores para se defenderem do vento frio da noite.
A casa era modesta. Porém, era a maior da aldeia. Tinha ao meio um átrio que fazia de chaminé de luz e ar nos 3 pisos. Na abertura superior via-se ainda o céu através do toldo montado sobre o terraço que coava a luz intensa e que impedia a eventual entrada das parcas gotas de chuva pelo tecto aberto.
Durante a noite, não sei que horas seriam, acordei com a voz do Muezzin fazendo a oração da torre da mesquita. Enxerguei, na ténue luminosidade do luar, o Abdou na postura de oração. Senti-me bem naquele convívio inter-religioso, nessa espécie de acampamento beduíno intercultural. De manhã, como habitualmente, acordei cedo. Dei-me conta da exiguidade do quarto de banho. Da torneira não corre ainda a água como nos avisaram. Por isso temos que gerir com o máximo de descrição a água. Há apenas um cântaro de barro e um púcaro com o qual se vai tirando a água que necessitamos. Aquele gesto matinal que fizera para retirar água do cântaro de barro na minúscula retrete turca fora o sinal de consciência ao local em que estava. Depois da higiene mínima saí pois o pequeno-almoço ainda tardava.
O nascer do sol permitiu-me ver a imensidão da paisagem e também a pobreza da aldeia. É uma aldeia perdida na solidão e nudez desértica da paisagem. Apenas a mesquita tinha um ar de edifício acabado.O resto do casario parecia pertencente a um mundo efémero de barracos construídos com o mínimo de meios.
Os homens e os rebanhos começavam a descer pela ladeira da aldeia alcandroada na colina. Fomos vendo os burricos e as cabras. A madrugada chamava ao trabalho difícil da região para as actividades agrícola e pecuária. A aldeia de Kermet Ben Salem pertence à periferia de Meknes e situa-se no Nordeste da província Meknés Esmenzehh e a cidade mais próxima é Moulay Idriss.A aldeia é muito antiga e esteve ligada à implantação de importantes sufis e lamas que organizaram a actividade social e económica da povoação, alguns séculos atrás, quando as colinas verdejavam e as águas dos ribeiros corriam docemente.
A população de Kermet Bem Salem tem hoje cerca de 1500 habitantes e a maioria é originária de Rif, norte de Marrocos. Vive essencialmente da agricultura tradicional que depende da chuva.
Depois do pequeno-almoço, feito especialmente para o nosso estágio, seguimos para a improvisada sala de seminário e que fora o local em que passaramos a noite. Iria aí desenrolar-se toda a actividade teórica e cultural.
Os sofás arrumados contra a parede eram agora as cadeiras para os estagiários. E ao longo da semana que vivemos em Kermet Ben Salem fizemos uma preparação agro-ecológica debatendo as questões do modelo de crescimento e as alternativas ecológicas. Reflectimos sobre o sistema fito-sanitário, a alimentação, as questões sociais, o diagnóstico das terras e a utilização do composto que fizemos nos terrenos da aldeia. É que ao programa teórico juntaram-se as actividades práticas de agricultura nos campos de cultivo. Os temas propostos por Pierre Rabhi foram alargados com a participação de Moustafa Abu Zaíd que fez alguns enquadramentos à história de Marrocos e ainda Asmaa Loukili que fez algumas considerações monográficas sobre a aldeia de Kermet Ben Salem e a sua origem sufi. Aichá falou-nos ainda da formação da Associação de Mulheres que permitiu a recepção do nosso grupo revelando um trabalho de anos na área de formação em artesanato e escolarização das crianças que víamos entrar todas as manhãs para uma pequena sala de aulas. Abib, Presidente da Junta de Freguesia, explicou as relações das associações locais com o poder. Abib é também o dinamizador da ADAF, associação local criada em 1996 e que integra outros grupos regionais.Tivemos ainda a visita de Fatuma, assistente social, que dirige um movimento de mulheres e dinamiza o trabalho de cooperativas relacionadas com a agricultura biológica que fornecem o mercado de Rabat.
Alguns populares, durante uma iniciação à cestaria tradicional que fizemos num atelier dinamizado por um velho camponês-artesão, formularam questões económicas e sociais mais prementes da aldeia: água, irrigação, esgotos, reciclagem dos lixos orgânicos, etc. Durante vários dias de estágio num campo das hortas que fica a poucos quilómetros de Kermet e onde passa um pequeno canal de irrigação, tivemos uma iniciação à prática da botânica de cultivo ecológico.
Fez-se uma reflexão sobre o problema dos OGM (organismos geneticamente modificados) e suas consequências. Foi assim que tomamos conhecimento da Associação Kokopelli que se tornou numa iniciativa social contra os interesses financeiros das multinacionais que têm açambarcado o património de sementes e que substituem há mais de 40 anos as sementes tradicionais por variedades híbridas estéreis ou degenerativas. A Associação Kokopelli intervém no sentido do tratado sobre a biodiversidade e a segurança alimentar na defesa de “sementes livres cultivadas no respeito do ambiente” opondo-se assim ao modelo esteriotipado e estéril que nos querem impor. Realizamos um composto agro-ecológico. O grupo reunira-se em torno do Didier que orientava os trabalhos.
Estávamos à sombra das laranjeiras. Íamos sobrepondo as camadas de palha, de estrume orgânico, de cinza. Depois, outra vez palha e assim sucessivamente até fazermos uma pilha com cerca de 1 metro de altura e 80 cm de largura. Como lera no livro “Parole de Terre – Une Initiation Africaine”[3] estava agora a vivenciar uma verdadeira “iniciação” na elaboração do composto e na agricultura biológica. As palavras de Didier eram quase as mesmas que Rabhi colocara na boca de Ousseini, o “iniciador iniciado” do referido livro e que explicava aos camponeses duma aldeia do Burkina Fasso como se produzia o húmus fertilizante que detinha no punho da sua mão depois de a retirar dum montículo de composto.Era uma terra maleável na consistência e que tinha um cheiro agradável a floresta. Os camponeses tocavam com as suas próprias mãos o húmus fertilizante.
- “Nas vossas mãos está o alimento para a terra. Toda a gente pode realizar este milagre. É preciso apenas dedicar muitos cuidados a esta acção que permite guardar a ligação sagrada da vitalidade da terra... Com os excrementos dos animais e com a massa vegetal ou palha, com a argila, a cinza da madeira, a água e a sombra, podemos realizar uma boa fermentação (...). A terra, a água, o vento e o calor permitirão que o pequeno montículo se torne numa marmita para cozer todos os ingredientes... que se tornam numa única matéria, unificada de tal maneira que cada ingrediente dá e recebe ao mesmo tempo numa digestão que é uma sagrada aliança: a terra alimenta as plantas, as plantas alimentam os animais, os animais alimentam os homens e os homens alimentam por sua vez a terra”.[4] Depois desta iniciação agro-ecológica quisemos procurar a nascente daquele fio de água que vinha até aos pomares verdejantes onde estávamos. Foi uma aventura que nos deu a consciência da importância da água na vida. Subimos durante uns 10 kms as ravinas dos inúmeros desfiladeiros. Do cimo dos desfiladeiros de fragas ciclópicas, escondia-se, como um tesouro precioso, a nascente. Corria a água viva e prodigiosa. Ali naquela região de infinita aridez e estranha e terrível beleza, aquela fonte era a esperança e a força da vida que permitia que aquele povo afrontasse o deserto. O povo de Kermet Ben Salem sabia agora que, para enfrentar a aridez imensa só pequenos gestos mágicos como os da agro-ecologia com os misteriosos processos complexos do eco-sistema dum oásis, podem estancar a seca mortífera. São como pequenos bálsamos, quase insignificantes que, multiplicando-se, vão tomando conta progressivamente das feridas profundas da terra, revitalizando-a lentamente até que o deserto se sustém na sua marcha mortífera. O deserto ronda por todos os lados. Tende a aumentar a desolação das populações mas depois da experiência da Argélia, em que se tentou criar artificial e rapidamente uma muralha verde contínua, o “sahel”, a desertificação cavalgou o muro verde, como explicou Pierre Rabhi durante o seminário.
Foi então que os especialistas perceberam que a natureza tem as suas regras ecológicas. Aprender com o “oásis” é aprender com a natureza dos ecosistemas e o modo flexível e sistémico dos processos de regeneração da vida, em que a morte e a vida estão sempre em íntima e complexa relação. Foi esta alquimia misteriosa que esteve sempre presente nos temas que abordamos ao longo do seminário de Kermet Ben Salem. Nas viagens que fizemos ao souk de Moulay Idris e à cidade imperial de Meknés, foi possível ter uma percepção do passado histórico e da realidade social presente, descortinar uma cultura milenar com os seus contrastes sociais. A experiência que vivenciamos foi uma abertura às culturas. Foi sentida por exemplo naquelas discussões com a população. Foi sentida durante as reflexões de pessoas provenientes de culturas e religiões diferentes. O diálogo na diferença era mais do que tolerância. Era uma fraternidade sentida naquele último dia de confraternização em que o jovem barbeiro da aldeia, Azidin, tocou no alaúde aquela música dolente e sensível que trouxe uma suavidade indelével na noite de lua cheia em Kermet Ben Salem. Estes encontros são essenciais para a troca de informação e formação que permitem o diagnóstico das situações concretas do lugar e ajudam a fazer projectos para encontrar soluções mais justas. Este é o trabalho essencial de Pierre Rabhi. A força da iniciativa local é visível na organização não governamental ADAF. Esta ONG desenvolve agora um projecto de criação de uma cooperativa de produtos naturais (couscous, azeite, mel, etc.) que se insere numa proposta de eco-aldeia em que se pretende um desenvolvimento agro-ecológico e uma gestão de água que evite a desertificação. Sensibilizar, trocar experiências, multiplicar contactos, estabelecer solidariedades é este o papel essencial de Pierre Rabhi.É esta a mensagem do itinerário dum homem ao serviço da terra-mãe. Uma mensagem planetária, universal.
Pierre Rabhi, originário do Sahara, tornou-se um camponês em França, na região das Cevennes, como nos conta no seu livro “Du Sahara aux Cevennes”[5]. O balanço desta experiência global do seminário de Maio de 2005 em Kermet Ben Salem é indisível. É uma experiência global de vida. Foram dias de convívio numa comunidade de pessoas diferentes mas empenhadas numa causa comum – salvar a terra. Um escola de vida em que todos aprendiam uns com os outros. Uma maneira nova de crescer e de se desenvolver com a comunidade e para a comunidade. Finalmente é a descoberta de que o problema de todos os povos é o mesmo hoje, embora em situações diferentes. Para além do norte e do sul é o futuro da humanidade que está em jogo. A ameaça das mudanças climáticas, a contaminação poluitiva global, o esgotamento das terras aráveis, o desgaste das energias fósseis e a exclusão social são os grandes flagelos da humanidade inteira. No manifesto coordenado por Pierre Rabhi[6] faz-se um apelo para que se realizem as acções locais pensadas de uma forma global. Esta é também a estratégia defendida pelo movimento altermondialista e, em particular, a alternativa social desenvolvida pelos grupos ATTAC. Uma recente iniciativa de Pierre Rabhi é o projecto da criação de um lugar ecológico de tipo novo. Graças à cooperação de Michel Valentin, que prontamente respondeu com fraternidade e amizade a Pierre Rabhi e à compreensão do profundo sentido deste projecto, está a ser possível a sua concretização através de um centro de agroecologia, de produção, de experimentação e pedagogia – Les Amanins. Num terreno de vários hectares na região de Drôme, em França, Gérard Arnaud coordena os trabalhos para que este projecto se torne uma realidade. O funcionamento de Les Amanins permitirá a realização de programas internacionais para a autonomia alimentar mostrando, através de experiências exemplares, a possibilidade de um desenvolvimento ecologicamente sustentável. Escolas-oficinas, estágios e conferências, permitirão o alargamento da estratégia agro-ecológica. Como na pequena história-ensino que Pierre Rabhi contou no seminário de Kermet Ben Salem, qualquer pequena acção exemplar, mesmo quando a luta é difícil, é sempre melhor e eficaz do que desistir de lutar. Contou a história do incêndio que deflagrara na floresta do Amazonas. E um passarinho – o beija-flor ou colibri – corria veloz trazendo tantas vezes quantas podia, pequenas gotas de água no bico, esforçando-se por lançá-las sobre as chamas para apagar o incêndio. O Tatu, sem esperança e tolhido de medo, dizia-lhe que não valia a pena e quedava como cadáver antecipado... Mas o beija-flor tinha a força e a consciência de que cada uma das acções justas de cada indivíduo, mesmo que sejam feitas de pequenos gestos, são a força exempar que poderá mudar o destino. Se todos quisermos, um outro mundo é possível.
[1] Rabhi, Pierre, Manifeste pour des Oasis en tous lieux, Ed. Terre et Humanisme, Lablachère, 1997
[2] Rabhi, Pierre L’Offrandre au Crépuscule, Ed. L’Harmattan, Paris, 2001
[3] Rabhi, Pierre, Parole de Terre, Ed. Albin Michel, Paris, 1996
[4] Rabhi, Pierre, Parole de Terre, Ed. Albin Michel, Paris, 1996, pág.198.
[5] Rabhi, Pierre, Du Sahara aux Cévennes, Ed. Albin Michel, Paris,1995
[6] Rabhi, Pierre, Manifeste pour des Oasis en tous lieux, Ed. Terre et Humanisme, Lablachère, 1997

Bibliografia essencial: Rabhi, Pierre, Du Sahara aux Cévennes, Ed. Albin Michel, Paris,1995 Rabhi, Pierre, L’Offrandre au Crépuscule, Ed. L’Harmattan, Paris, 2001 Rabhi, Pierre, Manifeste pour des Oasis en tous lieux, Ed. Terre et Humanisme, Lablachère, 1997 Rabhi, Pierre, Parole de Terre, Ed. Albin Michel, Paris, 1996, pág.198
Sites Internet: http://terrehumanisme.free.fr/ http://www.kokopelli.asso.fr/ http://www.lesamanins.com/


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(in Revista CODESRIA - Lusofonia em África - História, Democracia e Integração Africana, 2005)

Introdução
Esta comunicação procura entender o processo da humanidade numa inserção dinâmica e eco-sistémica de
paradigmas. Entre o paradigma “tradicional” e o paradigma “moderno” procura-se explicitar um paradigma
emergente possível. Este novo paradigma poderia superar os impasses do “progresso tecno-científico” e do modelo retrógado, estático e tradicionalista.
A emergência do novo paradigma que aqui defendemos aponta para dispositivos ecotecnológicos e ecoenergéticos assim como eco-sócio-culturais.
Estes novos dispositivos são simultaneamente uma alternativa ao modelo civilizacional eurocêntrico e ao modelo fechado, das sociedades tradicionais.
Rompe-se assim com o modelo civilizacional assente numa tecnosfera de energias fósseis e num metabolismo linear, próprio da máquina termodinâmica dissipadora, modelo esse que é gerador de esgotamento de bens naturais, contaminação poluitiva e de exclusão social. Esta alternativa,. que aqui defendemos, supera também o conservadorismo retrógado das sociedades fechadas que vivendo em autarcia rejeitam as interacções culturais e se opõem ao desenvolvimento e à criação.
Na nossa análise, entendemos os paradigmas como referências dinâmicas, polaridades cujas fronteiras são
mutáveis e sistémicas.
A interacção de todos esses paradigmas vai criando metamorfoses que se fazem no tempo, com saltos mutáveis e/ou evoluções contínuas.
Só por razões didácticas tivemos que caracterizar essas balizas. Contudo, o que caracteriza esta tentativa de
exposição é o carácter processual e a complexidade que subsiste a estas combinações sistémicas que são, na maior parte dos casos, sujeitas a turbulências imponderáveis, apenas aceitando uma racionalidade capaz de se flexibilizar diante do inesperado ou do inevitável.

1. Caracterização do paradigma dominante
A etapa actual do capitalismo tem vindo a impor adaptações ao sistema económico-social. Nos anos 70/80 novos mecanismos de regulação como o GATT, o FMI e o Banco Mundial, manifestavam já uma tendência para a reorganização geral das grandes empresas.
Esta tendência tornou-se mais marcante e visível na última década. Hoje, são já evidentes os resultados de uma sociedade informacional com sucessivas deslocações do capital financeiro, gerando uma maior internacionalização do processo produtivo.
As consequências dessa orientação do capital financeiro, aparecem claramente na gestão em rede das empresas, que veio substituir a antiga gestão “fordista”.
Actualmente, a flexibilidade e a multifuncionalidade são apanágio das novas empresas em que os accionistas
anónimos emprestam ao capital financeiro uma estratégia mundialista neo-liberal que desfaz as veleidades autonómicas das burguesias dos estados-nação.
Nesta nova etapa da mundialização económico-social há também uma necessária reorganização territorial que se expressa nas propostas de metropolização urbanística e nas morfologias supra-modernistas e tecnicistas da arquitectura como símbolo de poder.
A globalização neo-liberal, ou seja, a nova etapa da mundialização capitalista dirigida pela nova coordenação internacionalista dos grandes monopólios que subalternizam a política ao interesse mercantil, pretende uma igualização massificadora de modos de vida, de “cultura” global e outros consumismos materiais. Nas grandes superfícies comerciais e nas grandes produções mediáticas de “enterteinment” passam modelos homogeneizadores desses modos de vida que pressupõem um pensamento único manipulador.
Contudo, à homogeneização mundialista das grandes empresas cada vez mais concentradas na mão de minorias, contrapõe-se a fragmentação do mundo cada vez mais desigual. Esse mundo desigual existe tanto no interior dos países de economia dominante como nos países de economia dominada por interesses externos.
Enquanto se concentram as riquezas em fracções cada vez mais restritas da população, aumentam os
marginalizados na sociedade. E, enquanto zonas geopolíticas esbanjam e ostentam cada vez mais riqueza,
aumenta o fosso da pobreza e destruição noutras áreas do globo, ainda que em cada uma dessas zonas se observem os mesmos antagonismos resultantes do conflito de interesses entre oprimido e opressor.
Os antagonismos essenciais da natureza injusta do capitalismo mantêm-se e agravam-se até, muito embora os mecanismos de regulação aparentem “resolver” os sintomas da crise larvar e estrutural da sociedade baseada na exploração e no lucro. Desloca-se a intensidade das crises mas não se resolvem os problemas que geram as crises.
A globalização neo-liberal não corresponde pois a uma solução estrutural da sociedade.
Apresenta-se como uma reformulação na gestão desses antagonismos estruturais. E, se em certos locais essessintomas de crise parecem estabilizar-se é porque noutros domínios a brecha está a agravar-se.
Uma das rupturas que mais se manifesta hoje, é gerada pelo antagonismo entre este modelo produtivo do
capitalismo (civilização baseada na exploração de energias fósseis e numa tecno-ciência poluitiva e destruidora de bens naturais) e a biosfera cujos recursos são limitados e cuja capacidade de reciclagem não se coaduna com a velocidade e a forma destruidora desse modelo urbano-tecnológico. Isto quer dizer que a tecnosfera esbanjadora e poluitiva está a deteriorar e a destruir a biosfera.
Face a esta tecnosfera imposta pela globalização neo-liberal surgem também oposições sociais que procuram globalmente uma alternativa.
Chamaremos “planetarização” à consciência ecológica cada vez mais alargada das populações face ao ritmo
destruidor dos ecosistemas, produzido pelo modelo civilizacional actual.
Esta planetarização constitui uma força cada vez mais presente nas aspirações das populações e será um factor de mobilização crescente contra o processo da globalização neo-liberal, transportando as aspirações mais significativas de mudança civilizacional.
Interessa porém que a sociedade consiga gerar alternativas ecotécnicas e ecotópicas que, articuladas e inseridas nas lutas cívicas dos que são explorados e dominados, revelem a vontade de realizar novas alternativas no território, criando-se, pela positiva, projectos credíveis e que apontem para um mundo melhor.
Para isso, é preciso cada vez mais que as lutas cívicas se traduzam em dispositivos topológicos alternativos às morfologias carcerais e alienantes do território actual.
É preciso que as escolas de arquitectura e urbanismo ultrapassem o ensino de propostas de carácter formalista.
São necessários projectos urbanísticos e arquitectónicos que não sejam apenas a expressão duma oratória formal ao discurso do poder.
É necessário que os técnicos e cientistas estabeleçam rupturas na tecno-ciência revelando alternativas ecotécnicas: protótipos de produção de energias alternativas, motores de energias renováveis, biotecnologias de reciclagem de lixos, etc.
É cada vez mais necessário que experiências exemplares irrompam, não como “guetos” utópicos mas como
experiências dinâmicas que ganhem, cada vez mais, largos sectores da população e exprimam experiências
exemplares de um outro modelo ecológico e solidário.
As eco-polis, as eco-aldeias, as cidades educadoras, são propostas já existentes que contêm ideias, realizações e estímulos para um processo-estratégia, que dê expressão a novas aspirações e que acabe com a resignação reinante da submissão à globalização neo-liberal que anda por aí à solta.
É uma evidência constatar a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta etapa.
Porém, a questão essencial é saber se é possível mudar a natureza do sistema:
a) Será que é possível desaparecer a exploração, dominação e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
b) Encontrou este modelo um processo de superação dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
c) Qual é a capacidade de resposta dos grupos sociais explorados e dominados, em relação aos novos processos de economia transnacionalizada, na sua nova fase do capitalismo financeiro?
Resumindo, diremos que no estado actual, a etapa da globalização alargou a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa em relação ao equilíbrio da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos mundializados.
E a generalização da tecnologia produziu um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.
Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma tecnologia produtora de esgotamento energético e
matérias -primas, ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos
essenciais. Cresce o fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação, produção e alienação e o resto da sociedade que, por sua vez, se decompõe em grupos sociais, uns integrados e outros excluídos.
Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios naturais de subsistência.
Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os próprios detentores do capital porque a concentração e a concorrência inerente ao modelo acentua rivalidades em torno da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia de concentração e de darwinismo social.
O modelo tecnológico, concentrado e baseado em energias fósseis, aparece com uma lógica de produtivismo quantitativo. Essa tecno-ciência mecanicista/positivista, constitui a trama essencial da produção dominante. Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização cultural é substituída pela institucionalização escolar manipulatória. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva, criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura. “Epistemes” são produzidas e reproduzidas nesta “grelha de interpretação” (1) que interessam à manutenção social.
A organização territorial consolida a integração social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase de globalização tem gerado dispositivos topológicos (2) que constituem formas de integração e de dominação cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações, escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo de hábitos (3) de formas de vida e de consumo.

2. As sociedades tradicionais
Durante o processo da mundialização da economia capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista, social, tecnológico, territorial e educativo.
Essas sociedades tradicionais não têm actividades puramente económicas. A caça e a agricultura são actividadesfamiliares e comunitárias. Como refere Polanyi (4), os princípios dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços entre os membros da comunidade.
A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece às imposições do nicho ecológico em que a comunidade se insere
O processo colonial e neo-colonial instaurou-se pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São estes elementos fortes que facilitam a “pilhagem” e produzem a catástrofe das populações nativas.
O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.
A transmissão de doenças era menos fatal nas comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações degradadas das aglomerações urbanas.
As relações de economia de mercado vieram acelerar a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou a desertificação e intensificou processos de concorrência que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las como o paradigma alternativo ao modelo técnicocientífico do capitalismo.
As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo demonstrar a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia dominante. Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi e é o discurso ideológico dominante neo-colonial.
Quisemos caracterizar a situação das sociedades vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.
O que se pretende nesta comunicação é formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre essas
sociedades, que ultrapasse a mera análise “económica”. Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que se põe para a formulação dum paradigma futurante.

3. Um paradigma emergente
Entre destruição e sujeição existe a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um
modo activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens com os seres vivos e com o biótopo.
O alargamento da consciência planetária, o aparecimento de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas de organização territorial
ecologicamente sustentada, permitem apontar como possível, esta “utopia” social, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado. Mas só uma mudança estrutural e participada pode conduzir a uma alternativa substantiva.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os quadros da ciência positivista e das ideologias sociais.
Reencontramos proximidades entre a geocosmogonia mágica nativista e as revelações duma complexidade
holística da teoria ecológica. Mas há diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária e na
capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio entre a organização social e a biosfera.
Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação das águas, a partir da investigação ecotécnica é possível a produção de protótipos de energias renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.
A evolução do conhecimento nas ciências do território, permite a implantação de novos habitats integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, agro-ecologia, ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações de justiça social.
Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização solidária, uma eco-territorialização e uma ecotécnica imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.
Esta utopia não é um “modelo”. É um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo, é defender o eco-desenvolvimento (6) como alternativa para qualquer das sociedades. Trata-se duma opção tecnológica e territorial ecologicamente sustentável que possa auferir da experiência prática, teórica e científica da humanidade.

4. Génese e alargamento da consciência ecológica e das propostas de ecodesenvolvimento – impasses e esperanças
Dos anos 60 aos anos 90 abriram-se numerosas críticas ao modelo civilizacional pois surgiram numerosas lutas ecológicas contra as poluições globais do crescimento económico-capitalista que cada vez mais tornava esta sociedade numa “sociedade de risco”.
1. Os acidentes com as indústrias químicas de Seveso até Chernobyl, trouxeram com clareza o carácter predador das opções técnicas;
2. O relatório do Clube de Roma mostrou os limites do planeta face aos gastos exponenciais dos bens
naturais por um sistema baseado nas energias fósseis e uso de materiais contaminantes;
3. O agrónomo René Dumont revelou os efeitos destruidores da agro-indústria sobre os solos. A
desertificação e o ataque contra a biodiversidade constituíram novas preocupações do movimento ecologista cada vez mais interveniente;
4. Lewis Mumford e Jacques Elul denunciaram a ilusão sobre as técnicas neutras e apelaram para uma ecotécnica em oposição a uma tecnociência, ideologismo cientifista da insustentabilidade social, do capitalismo neo-liberal com o seu industrialismo e produtivismo predatório.
Muitos foram os ecologistas que contribuíram para a crítica da megapolis energetívora e poluidora, consolidando assim, ao longo de vários anos, os fundamentos essenciais para uma ecosofia que revelava um pensamento novo que já nada tinha a ver com o “cartesianismo”.
Edgar Morin em “La Méthode” apresentava, durante a década de 80/90 os prolegómenos duma nova maneira de pensar em que o analitismo, o causalismo linear e mecanicista e o universalismo hipostasiado davam lugar a uma teoria da complexidade, da sistémica e da dialógica. A partir desses enunciados era possível pensar-se no “metabolismo circular dos ecosistemas”, que tornava muito mais fecundo o estudo da natureza e da sociedade.
Nicolas Georges Roegen, René Passet e Ignaz Sachs revelavam a necessidade de pensar a economia global como ecologia. Isto é um salto epistemológico que a maior parte dos economistas ainda não conseguiu ultrapassar. A concepção corporativa e excessivamente disciplinar da economia académica, impede a compreensão holística da biosfera e dificulta o entendimento sobre a complexidade dos fenómenos sócio-ecológicos e a sistémica necessáriapara o tratamento interdisciplinar do conhecimento.
A biosfera deverá tornar-se assim o centro das preocupações sociais transformando a concepção mecanicista do saber numa concepção ecosistémica.
Esta nova filosofia política, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado, mostra a gravidade da noção de crescimento produtivista.
Face ao crescimento dissipador, centrado no esgotamento das energias fósseis e na contaminação dos bens
naturais e na exclusão social, surgem agora autores que, como Serge Latouche, (7) Pierre Rabhi (8) e Pierre Jacquard, defendem o decrescimento sustentável.
Com efeito, o crescimento deu origem a excessos de destruição tão gravosos que exigem para a preservação da biosfera, acções imediatas que evitem o seu esbanjamento mortífero.
Em algumas das cimeiras mundiais surgiram mudanças significativas no paradigma filosófico e técnico-científico dos últimos anos, face aos problemas suscitados pelas guerras, pela segregação social, pela pobreza agravada nas sociedades periféricas e pelo aumento das poluições globais e esgotamento dos bens do planeta.
Perante estes fenómenos foi criado, desde 1972 pela conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, um programa para o desenvolvimento e o ambiente.
O passo decisivo na estratégia desse desenvolvimento social em relação à biosfera foi a publicação do conhecido relatório de Brundtland. (1987) (9)
Aí se defendem com clareza, os princípios do “desenvolvimento durável” ou seja “um desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”.
Esta declaração consagrou assim a consciência ecológica como fundamental na nova forma essencial de pensar a economia. Com efeito, o desenvolvimento ecologicamente sustentável substituiu-se ao conceito de crescimento quantitativo, baseado numa visão causal e mecanicista de factores duma realidade fragmentária, sem levar em conta os eco-sistemas em que se inserem as sociedades.
A partir do desenvolvimento ecologicamente sustentado, ou seja da concepção de desenvolvimento durável,
implícito no relatório Brundtland, o desenvolvimento implica:
a) fim do esgotamento energético e dos bens naturais essenciais, graças a uma estratégia de substituição
pelas energias renováveis e materiais recicláveis;
b) fim da contaminação do planeta pela eliminação dos resíduos tóxicos e radioactivos, graças a uma
mudança de produção não poluitiva e também reduzindo e reciclando os lixos biodegradáveis, factores
regenerativos da vida e necessários ao próprio desenvolvimento.
Esta concepção introduziu assim uma nova maneira de pensar em que a complexidade eco-sistémica impõe uma relação circular entre sociedade e território e uma organização dum desenvolvimento integrado e auto-regenerativo ultrapassando a rigidez mecânica duma lógica de causalismo linear.
Isto implica relações antrópicas conscientes com o meio, em que o homem e a natureza são a mesma realidade essencial. Assim, dadas as suas relações simbióticas, qualquer ecocídio é também suicídio.
Surge portanto uma concepção emergente onde o ecosistema aparece como matricial a qualquer abordagem. A economia e o desenvolvimento pressupõem a biosfera como processo global intrínseco a qualquer reflexão teórica.
Por isso, a realidade geo-bio-social impede disciplinas fragmentárias e impõe cada vez mais aproximações
transdisciplinares.(10)
A poluição e o esgotamento não são disfunções ou inevitabilidades. Nesta nova atitude, a economia identifica-se com ecologia pois os objectivos da gestão nas relações humanas se identificam com os objectivos da preservação da biosfera. (11)
Estes pontos de vista começaram a ser explicitados na conferência do Rio em 1992, que adoptou uma série de medidas que constituem a Agenda 21.
Esse relatório levou também à criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Cinco anos mais tarde, na 2ª Cimeira do Rio, houve uma reavaliação que veio insistir sobre a necessidade de levar à prática as decisões anunciadas.
Mau grado alguns insucessos como a não aceitação por parte dos E.U.A. do protocolo sobre as alterações
climáticas em Kioto, em 1999, as ideias do ecodesenvolvimento têm vindo a encontrar cada vez mais apoios.
Esta filosofia constitui o ponto de vista decisivo nas contestações dos movimentos sociais contra a globalização
hegemónica, em que “globalizar” afinal se restringe a privatizar os interesses lucrativos duma minoria financeira.
A Cimeira de Joanesburgo revelou o impasse entre os discursos e as práticas políticas. As aspirações que se foram consolidando nessas cimeiras mundiais, sobre o desenvolvimento e o ambiente, defendidas por uma cada vez maior frente de cidadãos, poderiam fazer surgir novas alternativas face ao esgotamento e à contaminação planetária. Este é o grande desafio que se coloca, em especial, em África.
A África é o continente mais vitimizado pelo tipo de crescimento que, na sua forma colonial e capitalista, levou a uma maior exploração e dominação que provocou esgotamento e contaminação.
Com efeito, a escravatura e o saque a que os povos africanos foram submetidos, continuam hoje através de outras formas desumanas como as guerras, a desertificação, a destruição das biodiversidades, a corrupção e as ditaduras militares.
Os povos do Continente Africano têm, na sua experiência de vida, a prova de que o tipo de crescimento praticado até agora, só agravou o fosso entre os países do centro e os países periféricos.
- A importação político-económica de modelos ocidentais ou europeus, agravou o desenvolvimento
desigual.(12)
- A generalização da tecno-ciência hegemónica criou dependências e em muitos casos destruiu o ecosistema
agro-pecuário, desertificando e desflorestando.(13)
- Miséria, exclusão e doença das populações deslocadas e depois concentradas em peri-urbanizações infrahumanas forçadas, são o retrato dramático de largas camadas sociais do Continente Africano.
- Destruição da identidade e valores culturais que causou deslocações massivas de populações e o
genocídio de milhões de seres humanos.
Nestes últimos 40 anos, a África experimentou várias propostas de “desenvolvimento”, dentro dum mesmo modelo de crescimento. Exemplos:
- Em 1979 a proposta estratégica de Monrovia;
- Em 1980 o plano de acção de Lagos;
- Em 1988 a declaração de Khartoum;
- Em 1990 a Carta Africana para a participação popular africana;
Mas os resultados dessas experiências são nulos porque são variantes dum modelo esgotado.
Contudo, recentemente alguns teóricos africanos (14) defendem a necessidade de mudar de paradigma e não
prosseguir com experiências baseadas nos pressupostos anteriores, que resultam duma ideologia em que se
pretende alcançar o nível de crescimento dos países de economia dominante e usufruindo do modo de vida e tipo de consumos da civilização ocidental.
Porém, para Samir Amin e Dembélé, o essencial é romper com esses modelos de bens de consumo, com padrões sócio-culturais, com processos tecno-científicos duma tecnologia sofisticada e não apropriável, próprias ao capitalismo e ao modelo urbano-industrial ocidental.
Trata-se de romper com modelos de organização territorial que criam dispositivos estratégicos de reprodução desses modelos sociais.
Nesta perspectiva, a estratégia de desenvolvimento seria a de:
. promover um esforço de formação em que o ecodesenvolvimento em diálogo com a mundividência cultural
africana, fossem uma sequência científica à cosmovisão panteísta endógena, das sociedades tradicionais, o
chamado “parentesco cósmico”.
. promover um desenvolvimento de consumos que fossem resultantes dos próprios recursos africanos, ou seja a defesa da autonomia e cooperação solidária.
. promover a generalização de tecnologias apropriáveis numa concepção eco-técnica que “modernizasse” as
tecnologias endógenas e se adoptassem as energias renováveis.
Todo o processo de ecodesenvolvimento consistiria pois numa reconversão através de etapas de transição de modo a que a mais breve prazo, a estratégia do modelo imposto pela colonização e continuado pelas sucessivas etapas duma mundialização de referência ao modelo ocidental, fosse substituído pela descentralização de ecoindústrias, de micro-empresas instaladas em eco-aldeias onde se promovesse uma gestão democrática assente na prioridade dos recursos naturais e locais, em busca de uma autonomia colectiva da África, assente nas suas próprias forças.
Esta perspectiva, que já teve algumas expressões em contextos políticos específicos e através de formas diversas, como por exemplo as tentativas de Sankara, em Burkina Fasso, as realizações de Nyerera, na Tanzânia e algumas experiências pontuais, existentes em vários países africanos, constituem ainda motivo de reflexão e balanço.
Estas experiências de desenvolvimento ecologicamente sustentado e que implicavam uma participação massiva das populações, não pode ser lida como auto-penalização face a uma pretensa e necessária industrialização.
Trata-se de experiências pioneiras duma opção política alternativa ao paradigma ocidentalizado.
O desenvolvimento ecologicamente sustentado pode, agora, face ao novo contexto mundial, contribuir para um desenvolvimento social em busca de uma nova alternativa civilizacional.
A África tem, nesse campo, enormes potencialidades:
- Uma cultura de um pensamento filosófico, próxima de uma cosmovisão ecológica;
- Uma riqueza de bens naturais e fontes de energias renováveis, capazes de auto-suficiência;
- Uma menor “poluição” material e cultural do modelo urbano-industrial nas populações.
Contudo, tem também acentuadas fragilidades:
a) Será que a geopolítica da globalização hegemónica permitirá uma opção política aos países africanos, no
sentido duma mudança de paradigma?
b) Será que os dirigentes políticos africanos são capazes de abandonar os modelos interiorizados, do crescimento e dos consumos da sociedade ocidental?
c) Será que a sociedade civil africana é mobilizável para a criação de uma alternativa contra a globalização
neo-liberal através do desenvolvimento ecologicamente sustentável?
É importante constatar que muitas populações, no continente africano, face ao falhanço do modelo agro-industrial e de crescimento económico neo-liberal, estão procurando a sua sobrevivência em formas de retradicionalismo ou da chamada economia informal. Estas expressões reactivas da população são manifestações do impasse gerado pelas políticas erradas de muitos governos africanos, que reproduzem modelos comprovadamente inadequados.
Seria interessante estudar até que ponto é que estas expressões reactivas, ligadas à sobrevivência das
populações, poderiam transformar-se em modelos alternativos, gerando assim uma estratégia de desenvolvimento ecologicamente sustentado, baseado na produção local, na troca directa, nas energias renováveis e em ecotecnologias apropriáveis.
O altero mundialismo pode entender-se como uma proposta, como um movimento a várias vozes, plataforma dum processo complexo que pretenda expressar uma tendência de esperança de que um mundo melhor é possível.
É uma utopia de esperança que se opõe a uma utopia de morte, expressa pelo capitalismo neo-liberal com os mecanismos predadores e simultaneamente autofágicos pois é cada vez mais evidente que o ecocídio deste modelo hegemónico ao esgotar e contaminar a natureza é suicidário.
Esta civilização da insustentabilidade tem três pilares de base:
1. A energia do petróleo – centro da opção do modelo mecanicista;
2. A máquina empresarial – modelo do metabolismo linear, esgotável e contaminador;
3. O militarismo resultante do desenvolvimento social;
Este tipo de civilização levou-nos à seguinte constatação descrita por Ervin Laszlo(15):
· O grupo social dos ricos, que são 20% da população, vive com 84% dos bens disponíveis;
· O grupo social dos pobres, que são 80% da população, vive apenas com 16% dos bens disponíveis.
Para mostrar o fim das ilusões provenientes desta “distopia” Laszlo diz-nos ainda:
“Se os consumos médios americanos ou até mesmo europeus fossem generalizados ao resto das populações do mundo, seriam necessários 2 planetas Terra, em 2020, para fornecer bens necessários para todo o consumo exponencial”.
Em todo o caso é cada vez mais claro que um movimento planetário é necessário. E que os pressupostos para a salvação do planeta e da humanidade são imprescindíveis em todos os lugares.
O movimento altero mundialista é um processo estratégico pilotando a experiência de práticas sociais e reflexões teóricas na acção comunicativa dos sujeitos activos que lutam contra a utopia de morte que descrevemos e das tendências letais que a caracterizam:
1. pensamento único;
2. máquina empresarial esgotante e contaminadora;
3. sociedade de consumo;
4. darwinismo social;
5. crescimento em vez de desenvolvimento
O altero mundialismo não é uma ideologia escatológica com “modelos feitos”. É um processo dinâmico que faz apelo à “insurreição das consciências” para que possa surgir uma utopia de esperança baseada numa outra forma de pensar, o pensamento ecologizado ou eco-sofia, o desenvolvimento durável para o planeta possa subsistir e permitir bens naturais capazes de satisfazer com justiça a necessidade desta e das gerações vindouras.
O altero mundialismo é um apelo e pressupõe múltiplas frentes de luta, vários modos de acção que vão do autodesenvolvimento ao desenvolvimento social na perspectiva de ecodesenvolvimento.
A defesa do bem público passa por inúmeras experiências exemplares:
1. formas de ensino;
2. práticas escolares inovadoras nas instituições existentes ou em escolas alternativas;
3. associações urbanas ou rurais;
4. formas solidárias de bioconstrução em eco-aldeias ou eco-bairros;
5. utilização de energias renováveis com ecotecnologias apropriáveis
6. dispositivos ecotécnicos e de reciclagem;
Não existem “modelos” acabados, existem experiências dinâmicas que permitem demonstrar, informar e formar de modo a que na multiplicidade cultural e numa acção comunicativa, se desenvolvam processos criativos e alternativos ao paradigma dominante.
Da crítica teórica à praxis crítica um conjunto de acções exemplares poderá florescer. São inúmeras as propostas de realização, as experiências exemplares em múltiplas tácticas que evoluem, se esgotam ou se metamorfoseiam dando lugar a um paradigma emergente cada vez mais capaz de mudanças e até rupturas de modo a que entre a dialógica e o antagonismo, o mundo da paz, a esperança e solidariedade se sobreponham à distopia de morte /exploração e dominação.
Nesta marcha alargada de cidadãos não existem catecismos de verdades feitas. Porém este movimento, que
avança com as diferenças como factor de criação, deve reforçar-se com métodos pacíficos, desobediência civil e apelo à inssureição da consciência, tal como defenderam Gandhi, Martin Luther King, Lanza del Vasto e Pierre Rabhi, visando um processo implosivo, uma metamorfose anímico-espiritual para que o caminho seja a paz. Pois como diz Thiech Nath Hahn, “Não há caminho para a Paz. A Paz é o caminho”

Bibliografia 
1 Wallace, A.F.C. “Culture and Personality”, 1963, Ed. Rondon House, N.Y.
2 Foucault, Michel, « Surveiller et Punir », 1976, Ed. Gallimard, Paris
3 Bourdieu-Passeron, “Les Heretiers”, 1964, Ed. Minuit, Paris
4 Polanyi, K. “The Great Transformation”, 1980, N.Y.
5 Goldsmith, Edouard “Desafio ecológico”, 1995, Ed. Inst. Piaget
6 Sachs, Ignacy, “Norte-Sul: Confronto ou Cooperação?” in “Estado do Ambiente no Mundo”,
   1995, Ed. Inst. Piaget
7 Latouche, Serge «Survivre au Développement», Ed. Mille et une nuits, Paris, 2004
8 Rabhi, Pierre “Un Oasis en tous les lieux”, Ed. Terre Humanisme
9 Brundtland – Our common future, United Nations, 1987
10 Morin, Edgar – La Méthode, Seuil, 1980; Introduction à la pensée complexe, ESF,1990
11 Passet, René – L’ilusion neo-liberal, Ed. Fayard, Paris, 2000 ; eloge du Mondialisme,
     Ed. Fayard, Paris, 2001
12 Amin, Samir – L’Eurocentrisme, critique d’une ideologie, 1999
     “Imperialismo e Desenvolvimento Desigual”, 1998, Ed. Ulmeiro
     “Eurocentrismo”, 1999, Ed. Dinossauro
     “Desafios da Mundialização”, 2001, Ed. Dinossauro
13 Dumont, René – Pour l’Afrique, j’accuse, Lib.Plon, 1986
14 Dembéle, Demba Moussa – Le financement du développement et ses alternatives, in
     Et si l’Afrique refusait le marché ?, Ed. Harmattam, Paris 2001
15 Laszlo, Ervin “Tú puedes cambiar el mundo”, Col. Club de Budapest, Ed. Nowtilus
     saber, 2004
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Emmanuel Rolland - O Homem que Planta Hortas Jardins e Florestas - Outº 2005 PDF


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ECOLOGIA E CONSTRUÇÃO
(in Revista Pedra & Cal, nº25, 2005)

No actual modelo civilizacional, que tem o petróleo como principal fonte de energia, a construção de edifícios é a maior indústria responsável pelo esgotamento do planeta e é também a que provoca uma maior contaminação.
O esgotamento e a poluição resultantes do uso da água, a poluição resultante do uso do petróleo, a poluição de todos os resíduos resultantes da construção são responsáveis por muitas das poluições globais (efeito de estufa, mudança climática, chuvas ácidas, etc).
O relatório “Handbook of Sustainable Building”, 1996, Ed. James & James, London, refere que 40% dos gastos de energia são utilizados na construção e 40% da poluição resulta da indústria de construção.
O consumo mundial da energia aparece assim distribuído: metade da energia é gasta na construção, ¼ nos transportes e ¼ na indústria.
A consciência ecológica parece ter acordado mais depressa no que diz respeito ao esgotamento e poluição resultantes da opção feita pelos transportes e pela indústria. Só raramente se colocam problemas ecológicos sobre a opção adoptada no tipo de construção. Assim, só muito recentemente surgiram programas europeus que apelam para uma mudança nos materiais, nos processos construtivos e no método de funcionamento (bioclima, gestão controlada e uso de energias renováveis).
O programa francês HQE (Haute Qualité Ambientale - Alta Qualidade Ambiental) está essencialmente a ser usado nas construções públicas especialmente ligadas ao sector educacional.
Na Europa, é na Holanda que se verifica uma maior aplicação dum “método de preferência ambiental” e só apenas agora se avança com o projecto de lançar o programa Thermic, a desenvolver por toda a comunidade europeia no que diz respeito aos métodos de construção, aos materiais utilizados, às opções energéticas na manutenção climática dos edifícios.
As opções construtivas em Portugal e sobretudo a política energética defendida, colocam o nosso país numa situação calamitosa quando em muitos aspectos, Portugal tem as melhores condições para uma outra política energética, baseada em energias renováveis (vento, sol, hídrica, biomassa, etc.). Era de todo o interesse o uso de materiais naturais e saudáveis, biodegradáveis, através de novas tecnologias de construção e processos ecológicos de funcionamento energético e de gestão bioclimática.
Começa agora a falar-se na necessidade de se empreenderem grandes mudanças na produção energética. O Ministério do Ambiente refere uma meta: 40% de produção de energias renováveis no consumo para 2010.
Mas há ainda que analisar a questão do esbanjamento energético e a problemática da utilização de materiais poluentes nas construções em Portugal.
É assim urgente uma mudança no ensino da arquitectura e na formação profissional dos quadros ligados à construção civil e às indústrias dos materiais de construção assim como uma renovação das estruturas empresariais.
Em grandes linhas de força vamos definir um programa estratégico essencial:
1- As faculdades de arquitectura terão de iniciar um debate estratégico de desenvolvimento elegendo outros “modelos” de arquitectura que não serão necessariamente os modelos hegemónicos. A crítica da crítica da arquitectura não se pode desenvolver a partir de aspectos formais. Interessam conceitos que permitam mostrar outras arquitecturas e outras cidades centradas numa perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentado. Em vez do debate ficar centrado nos gestos estéticos formais, é preciso articular estética e ética e revelar uma forma de habitar diferente, i.e. mais integrada na renovabilidade energética e na biodegradabilidade.
No fundo, a questão central do ensino da arquitectura e do urbanismo é substituir o modelo-máquina pelo modelo-ecosistema.
2- Pontos de urbanização assentes numa malha policêntrica de pólos urbanos e de sistemas de produção energética descentralizados e renováveis: Biodepuradoras; mini-centrais multi-energéticas (aplicação simultânea de eólicas, colectores solares, biogás, etc)
3- Renaturalização da actual paisagem urbana para que a bioclimatização seja realizável. Através de jardins biodepuradores, corredores verdes, bosques, hortas e agricultura biológica urbana articulados com a bioconstrução, desenvolver-se-ão os traços fundamentais do eco-urbanismo. A escolha dos materiais de construção é importante. Em vez de betão ou cimento, em exclusividade, pode apostar-se na construção em madeira, cânhamo, aglomerados de bambú, etc
4- É também necessário complementar esta eco-pólis com eco-transportes;
5- Estas inovações na arquitectura têm que se inserir numa óptica geral de paisagem como bem público. Daí que os planos para um território devam ser pensados em termos de ecosistemas, para uma melhor distribuição e utilização das águas e das fontes de energias renováveis. O policentrismo urbano impõe-se ao desenvolvimento.
Através de um religar de conhecimentos, as universidades deveriam trabalhar no sentido de explicitar uma realidade eco-territorial articulada com os conteúdos sociais e políticos do ecodesenvolvimento que impõe uma nova forma de pensar.
Essa forma de pensar e a eco-filosofia ou eco-sofia, exigem novos comportamentos.
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Portugal Atrasado na Organização Territorial II - Página da Educação, Março 2004 PDF



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O sentido da Vida e Obra do Arquitecto Ricca


Visita à Igreja de Chaves,
do Arquitecto Agostinho Ricca.
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O Sentido da Vida e Obra do Arquitecto Agostinho Ricca* 2004
Foi pouco depois do final da 2ª Guerra Mundial que o arquitecto Agostinho Ricca acabou o curso. Em Portugal, o peso da “arquitectura nacionalista” do Estado Novo, estava presente por toda a parte. Despontavam apenas timidamente as primeiras preocupações do movimento moderno na arquitectura. O arquitecto Agostinho Ricca vai apresentar, no trabalho final do curso, um projecto moderno com clara influência de Dudock. Isso corresponde também às suas opções pelo ideário democrático que defendia uma inovação face aos modelos tradicionalistas, caros à ditadura de Salazar. É importante salientar, no entanto, que o arquitecto Ricca não projecta um modelo similar ao das revistas de arquitectura estrangeiras, que começavam a circular no País. A sua marca original acompanhou, desde sempre, as suas preocupações construtivas.
 Pr. D. João I 

Os aspectos técnicos da construção, que aprendera com o mestre Marques da Silva e que “bebera” também em Rogério de Azevedo, com quem trabalhara no restauro dos monumentos nacionais, são uma preocupação determinante na sua obra. Por isso, o carácter sensorial dos materiais e o sentido técnico da construção revela-se fonte de inspiração formal nos seus trabalhos de arquitectura. Não são modelos abstractos que o inspiram. Agostinho Ricca não parte de tipologias usuais. Encontra o desenho, modela a expressão, graças à lenta e longa revelação inspirada pelo betão, o aço, a madeira e a luz. São estes ingredientes que proporcionam o “vitalismo” das suas obras. Os edifícios desenvolvem-se como organismos onde a natureza está sempre presente!
  Concurso Hotel de Viseu 

Existem influências sobre a sua obra mas não resultam de colagens conceptuais e abstractas. São achegas, memórias parcelares, resultantes sobretudo de preocupações funcionais e construtivas. Contribuições que ajudam a sua originalidade. A cultura com que está eivada a sua arquitectura resulta de atentas viagens de estudo aos locais. A percepção directa dos edifícios e a sensibilidade táctil com a tecnologia de construção, levam-no a percorrer vários países em busca de obras exemplares. Dos arquitectos Finlandeses, Agostinho Ricca tem a paixão pela natureza e o gosto pelo uso da madeira, que encontra particularmente na obra de Alvar Aalto. Na Alemanha aprecia, com rigor, o romantismo orgânico de Sharoun. Da França apreende sobretudo o Corbusier de Ronchamp e la Tourette. Na Holanda aprecia a escala e a sobriedade da obra de Dudock e Van der Vlugt. Na Suiça encanta-se pela luminosidade e funcionalidade das escolas e vivendas. Nos Estados Unidos da América sensibiliza-se pela qualidade das casas da pradaria de Frank Lloyd Wright. Mas a cultura de Agostinho Ricca não se restringe aos grandes mestres pioneiros da modernidade. Atento às inovações na arquitectura, aos avanços tecnológicos na construção e às novas linguagens plásticas, abre-se às novas gerações de arquitectos: Hollein, Pietila, Lewiska e Jean Nouvel. . A arquitectura de Agostinho Ricca revela a marca surpreendente dum dos melhores arquitectos da cidade do Porto. Com efeito, algumas das suas obras expressam, antologicamente, o melhor que se tem feito na arquitectura contemporânea desta cidade. Não são manifestos gritantes. São antes peças de uma sobriedade peculiar, dentro duma escala harmónica, que não envelhecem porque não resultam de modas momentâneas . A funcionalidade expressiva, o rigor da construção e a integração no local, exprimem o essencial das suas propostas. O gosto pela música é revelador da sua arquitectura: a complexidade sinfónica das formas, a multiplicidade harmónica das escalas e volumes, a articulação perfeita dos pequenos detalhes com a globalidade, mostram-nos uma arquitectura feita de emoção estética, trabalho rigoroso de execução e sentido ético. O Arquitecto Agostinho Ricca tem um longo curriculum profissional. As suas obras de arquitectura distendem-se ao longo de quase 60 anos. Conheceu, nestes 60 anos de actividade profissional várias correntes de história de arquitectura contemporânea. Na sua vida cruzaram-se várias gerações de arquitectos. Contextualizar a obra do Arquitecto Agostinho Ricca é pois situá-la ao longo deste processo que se foi produzindo desde os primórdios do séc. XX, ressaltando sobretudo as metamorfoses e as interacções das sucessivas mudanças de paradigma: .Numa primeira etapa, a influência heteróclita da arquitectura "Beaux Arts", neoclassizante e proto-moderna ( cujos epígonos internacionais mais salientes na cultura arquitectónica foram sucessivamente Laloux, Perret e Dudock). .Numa segunda etapa, uma influência moderna, diversificada, com Frank Lloyd Wright, Corbusier e Alvar Aalto, que se ramifica ainda por múltiplos outros arquitectos singulares da modernidade, como Neutra, Hans Scharoun e Ralph Erskine. .Numa terceira etapa, uma influência da complexidade pós-modernista com Scarpa, Sterling, Jean Nouvel, subjacente ao período após 1960. Esta malha referencial que aqui se propõe, contém apenas referências de interesse pedagógico para explicitar o trajecto labiríntico de um arquitecto do Porto que, conhecendo a obra desses autores internacionais, se abre e autonomiza. Assim, convivendo com as várias gerações dos arquitectos portugueses com quem lidou, estabeleceu simpatias, distanciamentos e solidariedades, criando a sua própria singularidade. No Porto, o Arquitecto Agostinho Ricca recebeu a sua formação de arquitecto nas Belas-Artes, directamente de Marques da Silva, discípulo do arquitecto francês Laloux. Por isso adquiriu a formação clássica das linguagens do fim do séc. XIX e princípio do século XX. Esta sua formação permite-lhe o entendimento da obra de Giovanni Muzio com quem trabalha no gabinete de urbanismo da Câmara do Porto, para um projecto policentrico da cidade mas que acaba por não ter realização prática. Estagiário no Gabinete do arquitecto Januário Godinho, que estabelece a transição da referência classizante para o moderno, marcada por Dudock e Frank Lloyd Wright, reforça a sua prática profissional. Em 1948, distanciado do nacionalismo monumentalista da época e já influenciado pelo movimento moderno, projecta a moradia da rua do Vale Formoso. Em 1953 é convidado, pelo arquitecto Carlos Ramos, como docente da ESBAP. Mas acaba por ser afastado, por ordem da PIDE, por motivos políticos, em 1959.
  monumento ao 25 de Abril 

A este facto político não é alheia a sua adesão ao espírito democrático do 25 de Abril, que o levará a elaborar uma proposta de monumento. Em seguida, demarca-se do ascetismo racionalista de Corbusier que começava a vicejar nos arquitectos portuenses da sua geração: Viana de Lima e Arménio Losa. O Arquitecto Agostinho Ricca prefere integrar valores organicistas da arquitectura finlandesa de Alvar Aalto. E abre-se, já nas décadas de 60 e 70, na sua obra da maturidade, para os novos referenciais da arquitectura europeia, marcada então, como referimos por Scarpa, Starling e Jean Nouvel. São exemplo disso a urbanização da rua Francisco Sanches, em Braga, a torre para o Montepio Geral na Pasteleira e a urbanização da quinta de Miramar na Foz, ambas no Porto. Braga-Francisco Sanches Porto – Montepio Geral Porto – Foz Alta 

Nos anos 80, o arquitecto Agostinho Ricca constrói o Palácio de Justiça de Baião e concorre ao Palácio de Justiça de Oeiras.
  Oeiras 

Assim, novos referentes surgem sem que lhe retirem autonomia criativa. Esta singularidade advém-lhe de factores diversos: a) A artisticidade do seu modo de projectar, a que não é alheio o seu pendor pela pintura, escultura e música. Também aí o seu gosto é abrangente: - dos renascentistas, dos pré-rafaelitas, dos impressionistas aos expressionistas, dos abstracionistas aos neo-realistas, encontramos do melhor na sua extraordinária colecção de obras de arte, onde a par dos melhores pintores internacionais encontramos Artur Loureiro, António Carneiro, Augusto Gomes, Júlio Resende, Júlio Pomar, Menassier, Ben Nicholson e Arpad. - na música, em que manifesta os seus dotes de pianista, a mesma amplitude de gostos: Bach, Mahler, Stravinsky, Luigi Nono e até mesmo os Beatles!... Nesta atitude perante a arte, compreende-se facilmente a poesia da sua obra arquitectónica. b) Por outro lado, o segregacionismo a que foi votado pelo dogmatismo do movimento moderno e tecno-funcionalista, tornaram-no um arquitecto criativo, atento à beleza do lugar, à natureza dos materiais e aos programas inovadores que são o elemento substantivo da sua arte de projectar. c) E numerosas viagens à Europa e à América, põem-no em contacto com obras de artistas e arquitectos que alargam ainda mais a sua vasta cultura nas artes e na arquitectura. Vila Nova Cerveira - Moradia 

Assim, a sua arquitectura não vive de modas, de modelos, de linguagens "únicas" e "verdadeiras" de uma escola específica. Nasce duma profunda vivência cultural, vive duma poética do espaço e manifesta-se numa grande sensibilidade artística. Daí o ter renunciado ao cargo de docente na ESBAP depois da sua readmissão em 1977, face à intolerância da escola diante dessa heterodoxa singularidade. Ao contrário do exercício académico de escola, os seus projectos concretizam-se graças a um processo contínuo de metamorfose, dum jogo complexo de luz, de sombra, de sonho e natureza do encantamento pela forma plástica. . A casa da praia de Valadares, edifício construído por Agostinho Ricca em 1962, expressa essa ritmação plástica entre os vários materiais e as formas encontradas nesse "sítio”. . A Câmara Municipal de Stº Tirso, em 1970, é um novo marco em relação aos edifícios públicos usuais no Estado Novo. É um edifício sem pompa majestática mas cuja elegância e sobriedade se abrem para a cidadania. . No complexo residencial da Boavista, em 1962 e depois na sua continuação com cinema, Hotel e piscinas em 1973, vive-se a mu1tiplicidade de volumes que se abrem e encerram, que interca1am sociabilidade com intimidade e formas que são capazes de ritmar o vertical e o horizontal. Este parque residencial sintetiza a sua obra, feita da racionalidade do moderno mas, expressando contudo uma multiformalidade próxima do organicismo. Trata-se de um conjunto plural, com a interacção de volumes e planos, criando uma espécie de cidadela em torno de um forum onde os terraços, os jardins e as piscinas culminam no ponto de encontro comunitário.As moradias, os escritórios, o hotel e o clube, integram elementos de refúgio introspectivo com a extroversão dos espaços de lazer.
  . 

As oficinas de Moreira da Maia e o edifício social cantina Efacec, em 1972 e também o edifício Arroteia-Efacec, 1983, constituem inovações em relação aos programas habituais nas construções previstas para o mundo do trabalho. A preocupação funcional vai a par com o sentido artístico e com a sensibilidade do lugar. Como se nessa arquitectura, habitualmente despreocupada de qualquer embelezamento, se procurasse o gesto poético do edifício para momentos livres e criativos no trabalho. Articulando o betão com as estruturas de ferro, o tijolo maciço, a madeira e o vidro, tem-se a sensação duma sinfonia de materiais que, meticulosamente orquestrados, revelam uma harmonia nos volumes e no equilíbrio entre a leveza das formas e a força estruturante dos materiais. Nesta obra, assumem-se as estruturas industriais da standartização. Ao mesmo tempo, porém, os pormenores parecem trabalhados com o rigor maneirista de um artista. Aqui se mostra também uma funcionalidade social ligada ao sentido construtivo e simultaneamente estética dos materiais e das formas plásticas. . Na Igreja de N. Sra. da Boavista em 1979, a luz e as sombras criam situações de recolhimento e enaltecimento, num ambiente que é espiritualidade manifestada através da arte. Esta igreja tem uma vida secreta, cheia de claros-escuros, de luz e cor dos grandes vitrais e remata este conjunto de implantações urbanas que se inserem num porque ajardinado, cheio de sensibilidade pela natureza. Neste conjunto de espaços plurais, delimitados mas articulando-se harmonicamente, organiza-se numa espécie de auditório circundante, em torno de um púlpito desenhado com elegância e tendo como pano de fundo o altar iluminado pelo enorme lençol de luz que desce azimuticamente por um poço luminoso no tecto. . O Santuário de Stº António, em Vale de Cambra, 1993, é uma espécie de síntese de toda esta concepção de obra de arte total. Refira-se ainda o saber que expressou em manifestar, no edifício, as preocupações de uma igreja social dialogante com a comunidade. Tem como pano de fundo essa tradição expressiva da arquitectura como obra de arte. O gesto do arquitecto reflecte uma preocupação plástica. Assim, a arquitectura como arte total ressalta em toda esta criação. Primeiramente, no volume desta peça que se decompõe em modulações rígidas. O betão, o mármore, a madeira e os vitrais constituem os ingredientes de um espaço polifónico e complexo. A euritmia desta pequena cidadela volumétrica resulta de dissimetrias que se articulam de modo a estabelecerem uma harmonia de conjunto. As paredes ondulantes dialogam com os ritmos verticais do edifício. O edifício resulta também como um jogo recíproco do interior com o exterior. Além do volume, a luz é um elemento decisivo nesta igreja: a luz lateral penetra pelos vitrais, é matizada e multicolor. Vai criando iluminação e sombra na diversidade de espaços funcionais. A outra luz azimútica, suave e homogénea, vem das luzernas no tecto - aparece por detrás do altar, criando um espaço. Um espaço uno e organizador da multiplicidade doutras zonas periféricas. "A obra de arte total" está também patente no mobiliário, no design e em todos os pequenos detalhes do edifício. O púlpito, os altares e as portas surgem como elementos intrínsecos à estrutura da construção. Nada é supérfluo ou pretensamente decorativo.Por isso, o Santuário de Santo António é uma arquitectura plástica, geradora de lugares vários mas unidos para uma vivência de encantamento, de emoções e de recolhimento. . 

O projecto para a Casa da Música” revela uma plena maturidade do arquitecto na capacidade de articular forma e função do edifício. O funcionalismo organicista do projecto explicita-se através duma morfologia totalmente adequada à caixa de ressonância exigida pelo uso desta peça de arquitectura. Agostinho Ricca propôs o Parque da Cidade para implantar a Casa da Música como lugar público complementar ao Parque e simultaneamente dissuador das tentativas de especulação imobiliária a que aquele terreno tem vindo a ser vítima. Esta opção tornou-se particularmente premonitória, dada a situação que veio a recair na escolha errónea da Rotunda da Boavista, traduzindo-se em encargos onerosos em virtude do ruído a que aquela área está sujeita. Ao mesmo tempo, esta morfologia arquitectónica implanta-se no “sítio” como uma forma viva, irradiando em torno da matriz central constituída pelos auditórios e construções angulosas que servem a multiplicidade de funções socio-culturais: Foyer dos músicos, biblioteca, administração, arquivo e depósito de partituras, sala de jornalistas, restaurante, etc. Esta complexa e rica estrutura estrelar, insere-se num lugar paisagístico onde os elementos naturais, o lago e o arvoredo, e as obras de arte dialogam com a edificação arquitectónica. A polifonia musical revela-se assim na multiplicidade formal do projecto, na dialéctica das formas interiores e exteriores.A maestria nas formas espaciais e a sensibilidade musical do arquitecto revelam-se nesta arquitectura, plena de artisticidade e sentido funcional.  . Moradia Agostinho Ricca 

Não queríamos deixar de referir, como forma emblemática dum grande número de moradias realizadas pelo arquitecto Ricca, a sua própria casa. Criada a partir de diferentes níveis, esta casa emana uma atmosfera de conforto e afectividade. A madeira transparece abundantemente em todo o edifício. Os diferentes níveis são patamares, como balcões virados para dentro do edifício, que rodeiam a grande sala. Cria-se assim um auditório em torno desta centralidade compósita, onde se encontra a sala de música. O arquitecto Agostinho Ricca, com profunda sensibilidade à música, escolheu esta organização complexa da sua moradia. É uma forma de reconhecimento subtil dos seus sonhos. É o conforto acolhedor da vivenda e simultaneamente lugar onde ressoa a musicalidade do seu piano. Esta casa é uma metáfora sobre a sua obra. . A Igreja da Sagrada Família, em Chaves, iniciada em 1995 é o seu último grande projecto. Trata-se de um edifício que se articula em várias outras edificações que envolvem a igreja central. A diversidade das formas, a aparente desconstrução , constituem uma obra feita de singularidades, de escalas diversas, de volumes diferenciados que concorrem para uma humanização polifónica que se afasta dos modelos homogéneos e estáticos dum “racionalismo” asséptico e abstracto. Trata-se de uma obra marcada pelo volume e pelo carácter táctil dos materiais e a organicidade das formas. . Instituto do Padre Himalaya. O arquitecto Agostinho Ricca fez recentemente, um projecto para um Instituto do Padre Himalaya, que esteve exposto na Bienal de Cerveira. Trata-se da proposta de um edifício ecológico, nos Arcos de Valdevez, construído em madeira e que pretende vir a ser a sede de uma escola superior de formação profissional, onde a ecologia, a agricultura, a biologia, a medicina natural, a ecotécnica e a bioconstrução estejam ao serviço do desenvolvimento ecologicamente sustentado. Técnica, estética e ética, articuladas num gesto plástico feito de sensibilidade e lucidez caracterizam a obra deste grande mestre da arquitectura. Ele soube atravessar múltiplas linguagens da história contemporânea da arquitectura. Desfez amarras e muros de escolas redutoras. E conseguiu impôr-se onde a censura e o desprezo pareciam querer imperar. No tecido fragmentário e caótico da cidade, estabeleceu harmonias, organizou complexidades, restituiu o sentido e a experiência de fazer Arquitectura. 

Jacinto Rodrigues *Comunicação promovida pela Ordem dos Arquitectos Zona Norte, por altura do lançamento do livro: “Agostinho Ricca” Ed. Agostinho Ricca/Ordem dos Arquitectos Zona Norte, 2001. As ilustrações deste artigo são da autoria do arquitecto Agostinho Ricca que as cedeu amavelmente.

Publicado na Episteme - Revista Multidisciplinar da Universidade Técnica de Lisboa, 13/14, 2004, ano V

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Portugal Atrasado na Organização Territorial-artigo na Página da Educação-Janº2004 PDF



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PENSAMENTO POLÍTICO E TERRITÓRIO

Jacinto Rodrigues
Janeiro 2003

O pensamento político nem sempre aparece de uma forma explícita no território. Algumas vezes a estratégia do poder fica voluntariamente escondida para que o exercício de dominação se torne desapercebido pelos opositores. Outras vezes a visibilidade é mostrada como força de ameaça. Assim, a explicitação do conteúdo geo-estratégico em morfologia territorial, depende de razões conjunturais.
Durante o século XIX e XX a elaboração do pensamento geopolítico foi reservada a elites de governos nacionais com interesses geoestratégicos de dominação de fontes energéticas e de localizações territoriais privilegiadas em função de transportes e riquezas locais.
A geo-estratégia tornou-se um método de acção política no território ao serviço dos actores que representavam nos governos nacionais os interesses de exploração colonial.
Nos finais do séc. XIX, o pensamento geo-estratégico é dominantemente uma preocupação militar enquanto que a reflexão geo-política se vai elaborando em meios universitários e da investigação sem contudo abandonar os desígnios bélicos.
Frederich Ratzel fundamenta todo o seu discurso no darwinismo social e, como membro da Liga Pangermanista, pretende fornecer aos políticos governantes uma orientação de dominação planetária pelo Império alemão.
O sentido político deste discurso tem como base a ideologia do racismo na superioridade dos germanos – raça ariana. Aponta já a Euro-Ásia como o “coração territorial” essencial para se partir à conquista do mundo.
A geo-política entre as duas guerras constituiu-se como um saber que se pretendia ser “objectivo” pois preocupava-se em fazer um levantamento de forças antagónicas ao mesmo tempo que assinalava os factores geográficos , populações, recursos, vias de comunicação, etc., que facilitavam ou dificultavam a dominação de lugares por determinados actores do poder político-militar.
É com Karl Hausofer (1869-1946) que a geopolítica contemporânea se inicia. Trabalhando como conselheiro militar na Embaixada de Tóquio entre 1908-1910, articula óptica militar com a percepção sociológica dos diplomatas. Tem o privilégio de alargar conhecimentos da realidade oriental e das realidades continentais e insulares da Europa e Ásia através das inúmeras viagens que realizou.
Depois da experiência da Grande Guerra , Karl Hausofer elabora uma visão prospectiva para que as escolhas sejam racionalizadas. Revelar perspectivas antagónicas, no sentido de uma decisão objectiva.
O Nacional Socialismo servir-se-á destas achegas para manobrar o exército em função da conquista do coração euro-asiático (heartland), insistindo na mitologia racista de Ratzel.
Sob a influência do militar catedrático Karl Hausoffer surgiram discípulos na Universidade de Munique, empenhados em redesenhar uma nova carta territorial intercontinental. Apareceu mesmo o mito da Atlantropa. A Atlantropa pretendia ser um projecto de restruturação territorial que ligasse a Europa à África. Deste modo, a Alemanha poderia controlar o mediterrâneo como já tinham feito os romanos no domínio do “mare nostrum”. Foram vários os arquitectos e urbanistas que projectaram monumentais contruções. Fez-se mesmo uma exposição, em 1931, com a participação de inúmeros projectos.



O trabalho de Herman Sörgel aí exposto, aponta para um eixo monumental colonizando uma faixa do Suez até ao Sudão. Nesse mesmo período, Sörgel imaginava uma grande via que descia da Alemanha através da Itália e da Sicília circulando a África oriental.
Estes temas foram orquestrados por romances e filmes que acentuaram estas delirantes mitologias que se reforçaram com o advento do Nacional Socialismo, a partir de 1933.



Porém, este sonho geopolítico da arquitectura e do urbanismo, não esteve apenas ligado ao pré-nazismo e ao nazismo.
Encontramos, já desde 1918, Bruno Taut com a utopia das “arquitecturas alpinas”. Era uma vontade de intervir em grandes territórios transnacionais numa perspectiva de comunismo cósmico.




Peter Behrens não escapou também a estes sonhos grandiloquentes.


A derrota em Estalinegrado, durante a 2ª Guerra Mundial, pôs termo à veleidade estratégica de domínio planetário do III Reich.
O pensamento geopolítico, na Inglaterra, das classes dirigentes, nasce dos interesses das instituições coloniais do Império Britânico, particularmente através da Royal Geographical Society.
A política de Cecil Rhodes na colonização inglesa em África, assenta também num projecto, conhecido como o eixo geoestratégico da cidade do Cairo à cidade do Cabo.
O pensamento geopolítico na Inglaterra, consolidar-se-á com Haltfor Makinder que sob o comando de Lord Curzon, em 1919, se põe ao serviço do exército branco contra a União Soviética.
É que também Makinder considerava mais essencial o comando da Europa de Leste para se obter o domínio do “heartland” e deste modo, comandando a “Ilha do Mundo” Euro-Ásia, dominar-se-ia o planeta.
Durante o processo revolucionário na URSS, em 1917, Lenine julgou que uma estratégia revolucionária baseada na solidariedade de classes surgiria a nível internacional. Os bolcheviques pensaram que a acção exemplar da Rússia soviética, desencadearia uma revolução permanente alargada.
Nos primeiros anos da revolução russa, o projecto da organização territorial tinha muito a  ver com a concepção filosófica de Kropotkine, o cientista anarquista russo, que no seu livro “Apoio Mútuo” rejeitava as teses redutoras de Darwin sobre a luta pela vida e a vitória do mais forte.
Este filósofo e geógrafo russo, defendia a ideia de que nos homens a “ajuda mútua” seria mais importante que a selecção natural.
Também a contribuição de Vernasdki com o novo conceito de “biosfera” ajudava a definir novas instalações urbanas, descentralizadas, tendo como preocupação a interligação da cidade com o campo.
Os projectos dos desurbanistas sobre a orientação de Ohitovitch, Miliutine e outros, consideraram a implantação territorial socialista para a URSS, dentro da perspectiva triádica: sovietes + electricidade + campo.
Era a fórmula de Kropotkine: campos + fábricas + ateliers.





Porém, face ao cerco capitalista, a estratégia stalinista seguirá o modelo de crescimento concentrado das megapólis. Os projectos monumentais deste período constituíram o reforço do poder do estado e não a socialização descentralizada das novas relações socialistas defendidas pela revolução de Outubro.



Nos Estados Unidos Thomas Renner publica em 1942 um texto “Cartas para um novo mundo”, pretendendo uma “geografia política”. Porém, é Nicholas Spykman (1893-1943) que desenvolverá o essencial da geopolítica do imperialismo americano que assenta mais uma vez na ideia de que o “heartland” era o território essencial para a hegemonia mundial. Desenvolve contudo uma nova ideia defensiva: criar instabilidades no “rimland”, a zona periférica desse coração, para que a hegemonia não se faça a partir dum só pólo político dominador do lugar estratégico privilegiado.
No seio dessa geo-política clássica, surgiram contudo pontos divergentes.
Na esteira de Albert Demangeon e Vidal de La Blache, Jean Monnet em colaboração com Paul Mantoux, Pierre Denis e Henri Hauser, contribuem nos círculos da Sociedade das Nações para uma perspectiva de coexistência pacífica e redistribuição mais descentralizada dos recursos estratégicos. Cooperação e planificação poderiam assim constituir um largo espectro de aspiração e interesses.
Mas a geopolítica nazi teve repercussões nomeadamente com os colaboracionistas franceses do governo de Vichy.
Le Corbusier expressou as ambiguidades geopolíticas da sua época. A cidade radiosa inseria-se numa visão de defesa geoestratégica em relação aos bombardeamentos das cidades durante a guerra. Os planos para a Argentina, Montevideu e Rio de Janeiro, em 1929, bem assim como o plano Obus, na Argélia, de 1931, mostram a intervenção forte dum urbanismo político explícito.

  
O plano Obus, na Argélia, era uma imensa auto-estrada que ligava o centro de negócios aos centros habitacionais situados a uma longa distância. Esta mega estrutura viária, tal como no projecto brasileiro, funcionava como um imenso aqueduto sustentado por edificações várias.





Esta concepção geopolítica levou Le Corbusier, em 1933, a planear um eixo meridiano urbanizado que ligaria Paris-Barcelona-Roma e Alger.
Na Segunda Guerra Mundial as referências mudaram. O darwinismo social, o racismo chauvinista, o poderio colonizador e dominador do Estado Nação deram lugar a uma concepção de economia neo-liberal cada vez mais mundializada.
Os grandes interesses monopolistas do capital financeiro revelaram formas mais complexas do novo império. A importância cada vez mais decisiva do petróleo aponta novamente o coração do mundo (Euro-Ásia) como o alvo do desígnio de dominação planetária. Mas outros interesses estratégicos se revelam: o controlo das águas e das reservas de minérios, os tecnopólos e as bases militares.
As inovações da máquina militar, com uma logística nuclear sofisticada, aérea e marítima, introduziram no esquema geo-estratégico variações técnicas operativas.
A partir dos anos 60 surge, diante da geopolítica hegemónica a nova teoria da “guerra revolucionária” sob a égide de Mao Tse Tung e Che Guevara. Contrapõe-se à visão ideológica das classes dominantes, a subversão dos povos oprimidos e das classes exploradas. Surge assim a teoria de Mao Tse Tung de “guerras revolucionárias” que se opõem às “guerras contra-revolucionárias”.
A prática territorial desta tese seria o cerco das cidades pelo campo.
A reorganização da economia mundial depois da queda do muro de Berlim, seguida pela derrocada da URSS, veio provocar mudanças substantivas nas lutas sociais. A globalização das empresas monopolistas resultantes do capitalismo neo-liberal, a informatização alargada aos meios militares, financeiros e culturais, permitiu a concentração dum novo “império” diluindo a situação dos estados-nação.
Contudo, esta situação criou uma nova polaridade feita de nacionalismos e fundamentalismos  da periferia dominada, contra um centro esbanjador e contaminador que joga o papel de polícia mundial.
Esta polaridade “senhor-escravo”, “perseguidor-perseguido”, gera uma interminável reacção em que cada pólo deseja dominar de maneira que qualquer transformação mantém a situação idêntica invertendo-se apenas os lugares de poder.
Este reactivismo mecânico não desloca a problemática de fundo, isto é, a eliminação dos mecanismos de dominação e exploração. Surgem apenas, por vezes, sistemas de regulação e controlo na mesma reprodução de estilo de vida, de consumo e de dispositivos territoriais.
De Hitler a Bush verifica-se uma mesma constância das políticas imperiais pelo desejo de conquista territorial da “Euro-Ásia” para o controlo mundial.
A batalha de Estalinegrado partiu os dentes ao Nazismo.
O que acontecerá numa nova guerra?
A fundamentação desta lógica de dominação e exploração do império, assenta no esbanjamento energético e de matérias-primas, do modelo de crescimento.
20% da população usufrui de 80% das riquezas mundiais. E 80% da população sobrevive com os restantes 20% .
O planeta não tem possibilidades de dar resposta aos gastos exponenciais do modelo americano de crescimento, generalizado a todo o mundo. Como explicitaram Butros Gali e Jacques Attali, equivaleria a uma quantidade de recursos equivalente a três planetas como a terra!...
Uma outra alternativa, com outros fundamentos ideológicos, terá de nascer para fazer face à geo-estratégia deste império.
Territórios de auto-suficiência alimentar, formas novas de habitat, energias renováveis, mudanças de estilo de vida e consumo são objectivos essenciais para uma mobilização concreta  que, profilacticamente, contribua para o desaparecimento das causas materiais da destruição planetária.
Trata-se de uma mudança de problemática. A solução não pode surgir de uma qualquer outra estratégia militar que se oponha a um outro militarismo.
Mudar de problemática é mobilizar as populações para novas relações sociais, sem exploração e dominação e enveredar-se por um modelo de desenvolvimento ecologicamente sustentado em que os objectivos centrais são salvar o planeta, impedir poluições globais e contaminantes e eco-gerir os bens naturais para a sua renovação.
Existem já inúmeras realizações que se podem considerar dispositivos topológicos libertários e dentro de uma perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentável. Vou apenas referir alguns exemplos de urbanismo e ecologia que podem abrir estratégias de interesse público.
Makovecs, conhecido arquitecto húngaro, estabeleceu acordos com a municipalidade da cidade de Visegraad, no sentido de permitir a manutenção da floresta do Danúbio: centros de observação ecológica, universidade de verão de arquitectura e engenharia natural para a consolidação de percursos e construção de pequenos mobiliários e abrigos aos ecologistas que mantêm a biodiversidade.
Na Noruega, construiram-se percursos que bordejam as paisagens do maciço de Stryhejellsvegen, tendo em vista um turismo pedagógico que pretende a educação ecológica e auto-suficiência.



Em Espanha, nas Canárias, os arquitectos Artengo Menis e Pastrana, realizaram um jardim botânico aberto para o vale Formoso - espaço de trânsito onde se faz acolhimentos e formação sobre plantas medicinais e outras espécies autóctones.


Lembramos ainda várias acções culturais em curso, nos Estados Unidos da América e na Europa que, no seguimento do gesto cultural e ecológico do artista filósofo Joseph Beuys, prosseguem a plantação de árvores no seio das cidades, dando a este gesto urbano, um significado político e cultural.
No momento em que tanto se discute a crise no ensino, onde as escolas e as universidades deixaram de ter projectos úteis, tornando-se academias mortas, não é na proposta de inserção do ensino na estratégia lucrativa empresarial que está a solução deste vazio. É na defesa do interesse público, no valor do uso da cidadania que pode renovar-se a esperança duma melhoria planetária.
Mobilizar e fazer participar as escolas e universidades em projectos verdes, permite a salvaguarda da humanidade posta em perigo pelo modelo civilizacional hegemónico.
Estas propostas verdes permitem ajudar a depurar a atmosfera e a água, a manter os solos contra a erosão, a possibilitar um bioclima capaz de fazer face aos efeitos estufa e ao aquecimento do planeta, criando simultaneamente uma frente alimentar.
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Para uma Cidadania Interventiva - a propósito do debate do PDM do Porto, Página da Educação, Outº 2002 PDF

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Ousar Imaginar um Outro Campus Universitário Ousar Imaginar uma Outra Cidade, Página da Educação, Setº 2002 PDF



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Liceu de Caudry Uma Escola Ecosustentável, Página Educação, Julho 2002                                                                                 


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Estrutura Social e Ecológica no Parque da Cidade, Página de Educação, Maio 2002 

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O Priscilianismo - Mitos e Factos numa Peregrinação entre a Luz e as Trevas, 2002 PDF



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ÁFRICA E O DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL
(in Cadernos de Economia, nº 60, 2002)

Realiza-se na África do Sul, em Joanesburgo, de 26 de Agosto a 4 de Setembro de 2002, mais uma cimeira sobre ambiente e desenvolvimento.
Trata-se de mais um momento histórico para a comunidade mundial discutir sobre “o nosso futuro comum”.
Será uma reflexão e avaliação sobre o que tem sido o modelo hegemónico de crescimento?
Em algumas das cimeiras mundiais anteriores surgiram mudanças significativas no paradigma filosófico e técnico-científico dos últimos anos, face aos problemas suscitados pelas guerras, pela segregação social, pela pobreza agravada nas sociedades periféricas e pelo aumento das poluições globais e esgotamento dos bens do planeta.
Perante estes fenómenos foi criado, desde 1972 pela conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, um programa para o desenvolvimento e o ambiente.
O passo decisivo na estratégia desse desenvolvimento social em relação à biosfera foi a publicação do conhecido relatório de Brundtland. (1987) (1)
Aí se defendem com clareza, os princípios do “desenvolvimento durável” ou seja “um desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras”.
Esta declaração consagrou assim a consciência ecológica como fundamental na nova forma essencial de pensar a economia. Com efeito, o desenvolvimento ecologicamente sustentável substituiu-se ao conceito de crescimento quantitativo, baseado numa visão causal e mecanicista de factores duma realidade fragmentária, sem levar em conta os eco-sistemas em que se inserem as sociedades.
A partir do desenvolvimento ecologicamente sustentado, ou seja da concepção de desenvolvimento durável, implícito no relatório Brundtland, o desenvolvimento implica:
a) fim do esgotamento energético e dos bens naturais essenciais, graças a uma estratégia de substituição pelas energias renováveis e materiais recicláveis;
b) fim da contaminação do planeta pela eliminação dos resíduos tóxicos e radioactivos, graças a uma mudança de produção não poluitiva e também reduzindo e reciclando os lixos biodegradáveis, factores regenerativos da vida e necessários ao próprio desenvolvimento.
Esta concepção introduziu assim uma nova maneira de pensar em que a complexidade eco-sistémica impõe uma relação circular entre sociedade e território e uma organização dum desenvolvimento integrado e auto-regenerativo ultrapassando a rigidez mecânica duma lógica de causalismo linear.
Isto implica relações antrópicas conscientes com o meio, em que o homem e a natureza são a mesma realidade essencial. Assim, dadas as suas relações simbióticas, qualquer ecocídio é também suicídio.
Surge portanto uma concepção emergente onde o ecosistema aparece como matricial a qualquer abordagem. A economia e o desenvolvimento pressupõem a biosfera como processo global intrínseco a qualquer reflexão teórica.
Por isso, a realidade geo-bio-social impede disciplinas fragmentárias e impõe cada vez mais aproximações transdisciplinares (Morin, 1980, 1990) (2).
A poluição e o esgotamento não são disfunções ou inevitabilidades. A economia identifica-se com ecologia pois os objectivos da gestão nas relações humanas se identificam com os objectivos da preservação da biosfera (René Passet, 2000-2001) (3).
Estes pontos de vista começaram a ser explicitados na conferência do Rio em 1992, que adoptou uma série de medidas que constituem a Agenda 21.
Esse relatório levou também à criação da Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Cinco anos mais tarde, na 2ª Cimeira do Rio, houve uma reavaliação que veio insistir sobre a necessidade de levar à prática as decisões anunciadas.
Mau grado alguns insucessos como a não aceitação por parte dos E.U.A. do protocolo sobre as alterações climáticas em Kioto, em 1999, as ideias do ecodesenvolvimento têm vindo a encontrar cada vez mais apoios.
Esta filosofia constitui o ponto de vista decisivo nas contestações dos movimentos sociais contra a globalização hegemónica, em que “globalizar” afinal se restringe a privatizar os interesses lucrativos duma minoria financeira.
Se a Cimeira de Joanesburgo tomar em consideração todos estes pressupostos que se foram consolidando nessas cimeiras mundiais, sobre o desenvolvimento e o ambiente e se tiverem em conta a problemática do ecodesenvolvimento, defendida por uma cada vez maior frente de cidadãos, então podem surgir novas alternativas face ao esgotamento e à contaminação planetária. Este é também um grande desafio que se coloca, em especial, em África.
A África é o continente mais vitimizado pelo tipo de crescimento que, na sua forma colonial e capitalista, levou a uma maior exploração e dominação que provocou esgotamento e contaminação.
Com efeito, a escravatura e o saque a que os povos africanos foram submetidos, continuam hoje através de outras formas desumanas como as guerras, a desertificação, a destruição das biodiversidades, a corrupção e as ditaduras militares.
Os povos do Continente Africano têm, na sua experiência de vida, a prova de que o tipo de crescimento praticado até agora, só agravou o fosso entre os países do centro e os países periféricos.
- A importação político-económica de modelos ocidentais ou europeus, agravou o desenvolvimento desigual (Samir Amin, 1999) (4).
- A generalização da tecno-ciência hegemónica criou dependências e em muitos casos destruiu o eco-sistema agro-pecuário, desertificando e desflorestando (René Dumont, 1986) (5).
- Miséria, exclusão e doença das populações deslocadas e depois concentradas em peri-urbanizações infra-humanas forçadas, são o retrato dramático de largas camadas sociais do Continente Africano.
- Destruição da identidade e valores culturais que causou deslocações massivas de populações e o genocídio de milhões de seres humanos.
Nestes últimos 40 anos, a África experimentou várias propostas de “desenvolvimento”, dentro dum mesmo modelo de crescimento. Exemplos:
- Em 1979 a proposta estratégica de Monrovia;
- Em 1980 o plano de acção de Lagos;
- Em 1988 a declaração de Khartoum;
- Em 1990 a Carta Africana para a participação popular africana;
Mas os resultados dessas experiências são nulos porque são variantes dum modelo esgotado.
Contudo, recentemente, alguns teóricos africanos (Samir Amin e Demba Moussa Dembélé, 2001) (6) defendem a necessidade de mudar de paradigma e não prosseguir com experiências baseadas nos pressupostos anteriores, que resultam duma ideologia em que se pretende alcançar o nível de crescimento dos países de economia dominante e usufruindo do modo de vida e tipo de consumos da civilização ocidental.
Porém, para Samir Amin e Dembélé, o essencial é romper com esses modelos de bens de consumo, com padrões sócio-culturais, com processos tecno-científicos duma tecnologia sofisticada e não apropriável, próprias ao capitalismo e ao modelo urbano-industrial ocidental.
Trata-se de romper com modelos de organização territorial que criam dispositivos estratégicos de reprodução desses modelos sociais.
Nesta perspectiva, a estratégia de desenvolvimento seria a de:
. promover um esforço de formação em que o ecodesenvolvimento em diálogo com a mundividência cultural africana, fossem uma sequência científica à cosmovisão panteísta endógena, das sociedades tradicionais.
. promover um desenvolvimento de consumos que fossem resultantes dos próprios recursos africanos;
. promover a generalização de tecnologias apropriáveis numa concepção eco-técnica que “modernizasse” as tecnlogias endógenas e se adoptassem as energias renováveis.
Todo o processo de ecodesenvolvimento consistiria pois numa reconversão através de etapas de transição de modo a que a mais breve prazo, a estratégia do modelo imposto pela colonização e continuado pelas sucessivas etapas duma mundialização de referência ao modelo ocidental, fosse substituído pela descentralização de eco-indústrias, de micro-empresas instaladas em eco-aldeias onde se promovesse uma gestão democrática assente na prioridade dos recursos naturais e locais, em busca de uma autonomia colectiva da África, assente nas suas próprias forças.
Esta perspectiva, que já teve algumas expressões em contextos políticos específicos e através de formas diversas, como por exemplo as tentativas de Sankara, em Burkina Fasso, as realizações de Nyerera, na Tanzânia e algumas experiências pontuais, existentes em vários países africanos, constituem ainda motivo de reflexão e balanço.
Estas experiências de desenvolvimento ecologicamente sustentado e que implicavam uma participação massiva das populações, não pode ser lida como auto-penalização romântica face a uma pretensa e necessária industrialização.
Trata-se de experiências pioneiras duma opção política alternativa ao paradigma ocidentalizado.
O desenvolvimento ecologicamente sustentado pode, agora, face ao novo contexto mundial, contribuir para um desenvolvimento social em busca de uma nova alternativa civilizacional. A África tem, nesse campo, enormes potencialidades:
- Uma cultura de um pensamento filosófico, próxima de uma cosmovisão ecológica;
- Uma riqueza de bens naturais e fontes de energias renováveis, capazes de auto-suficiência;
- Uma menor “poluição” material e cultural do modelo urbano-industrial nas populações.
Contudo, tem também acentuadas fragilidades:
a) Será que a geopolítica da globalização hegemónica permitirá uma opção política aos países africanos, no sentido duma mudança de paradigma?
b) Será que os dirigentes políticos africanos são capazes de abandonar os modelos interiorizados, do crescimento e dos consumos da sociedade ocidental?
c) Será que a sociedade civil africana é mobilizável para a criação de uma alternativa contra a globalização neo-liberal através do desenvolvimento ecologicamente sustentável?

Bibliografia
(1) Brundtland – Our common future, United Nations, 1987
(2) Morin, Edgar – La Méthode, Seuil, 1980; Introduction à la pensée complexe, ESF,1990
(3) Passet, René – L’ilusion neo-liberal, Ed. Fayard, Paris, 2000 ; eloge du Mondialisme, Ed. Fayard, Paris, 2001
(4) Amin, Samir – L’Eurocentrisme, critique d’une ideologie, 1999
(5) Dumont, René – Pour l’Afrique, j’accuse, Lib.Plon, 1986
(6) Dembéle, Demba Moussa – Le financement du développement et ses alternatives, in Et si l’Afrique refuait le marché ?, Ed. Harmattam, Paris 2001
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Anuária 2003Cadeira de Ecologia Urbana5º ano – FAUP  


Um Parque para uma Cidade mais Educativa e mais Ecológica
A experiência pedagógica da cadeira de Ecologia Urbana, do ano lectivo de 2002/2003, centrou-se mais uma vez sobre uma problemática em torno do espaço público da cidade do Porto. Relembro alguns temas aqui referenciados no Jornal A Página, em anos anteriores: alternativa para um pólo universitário, transformação do Porto numa Ecopolis, proposta de ecodesenvolvimento para a a região do Porto, energias renováveis e participação dos cidadãos, etc...
  1. O alvo: o estudo deste ano foi o parque da cidade. Porquê? O Parque da cidade foi centro de preocupação dos cidadãos do Porto. Esteve intimamente ligado à problemática das eleições autárquicas e foi motivo de mobilização dos portuenses face à ameaça de especulação imobiliária.
  2. O objectivo: o parque da cidade foi uma bandeira defensiva com que os cidadãos quiseram resistir face à privatização crescente dos espaços públicos. Os alunos da cadeira de ecologia urbana tiveram como tarefa desenvolver uma proposta estratégica que fizesse daquele lugar de defesa da cidadania um lugar ainda mais aprazível e emblemático das preocupações dos cidadãos, pela qualidade dos espaços públicos, pela expressão ecológica de cidade. Assim, do carácter defensivo passou-se ao prospectivo: uma alternativa para que a consciência ecológica  e participativa expressasse uma nova filosofia urbana – a cidade educativa e ecológica.
  3. A metodologia:
Os alunos fizeram um levantamento do parque da cidade e do contexto envolvente. Em seguida foram estudadas várias experiências existentes de parques e lugares urbanos de qualidade ecológica em vários países. Foram consultados especialistas em lagunagem, sistemas de energias renováveis, processos de reciclagem e sobretudo deu-se grande importância às experiências pedagógicas de informação e formação ecológica dos cidadãos. Assim, nasceram várias alternativas estratégicas para um parque da cidade. Um parque com hortas biológicas, com jardins de plantas aromáticas e medicinais, com sistemas de lagunagem ecológica de purificação de águas, com processos de revitalização de cursos de água que tinham sido subterrados e um centro de animação e educação ambiental com realização de protótipos de energia renovável, etc.
O final do ano foi particularmente gratificante pela presença do vereador da Câmara Municipal do Porto, do pelouro do ambiente, Engº Rui Sá, que soube apreciar com interesse e entusiasmo esta experiência pedagógica com o objectivo de servir uma causa pública.


Professor Doutor Jacinto Rodrigues 
Julho 2003

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O DESENVOLVIMENTO ECOLOGICAMENTE SUSTENTADO - ALTERNATIVA AO CAPITALISMO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO
(in Actas VI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, vol. 2, Ed. Faculdade Letras Universidade Porto, 2002)

Mesmo para o cidadão comum, de hoje, é uma evidência constatar a evolução do capitalismo e reconhecer a especificidade desta etapa que se designa de globalização.

Porém, a questão essencial é saber se a natureza do sistema capitalista mudou.
a) Será que desapareceram a exploração, dominação e as injustiças sociais que advêm desse modelo social?
b) Encontrou este modelo capitalista um processo de concertação dos seus antagonismos, inerentes ao seu processo de funcionamento?
c) Que ocorreu em relação à capacidade de resposta dos grupos sociais explorados e dominados, aos novos processos de economia transnacionalizada na sua nova fase do capitalismo financeiro, “financiarização”, de cibernetização tecnológica, “informatização” e alargamento manipulatório “mediatização”? (AMIN 1997))
No estado actual, a etapa da globalização alargou a economia de mercado para uma fase cada vez mais gravosa para com o equilíbrio da biosfera. O valor de uso dos produtos tornou-se presa de interesses financeiros dominantes. O oligopolismo, ou seja, o capital financeiro sobrepôs-se à lógica de investimentos produtivos. A geopolítica do capital transnacionalizado impôs modelos sociais/militares e tecnológicos mundializados.
A generalização de uma tecnologia que produza um antagonismo crescente em relação à biosfera.
Esse antagonismo crescente revela-se essencialmente pelo facto de que este modelo tecnológico funciona como uma predacção exterminadora dos bens planetários criando simultaneamente resíduos superiores à reciclagem de que dispõe a biosfera.
Os eco-sistemas são violentados pelo alargamento duma tecnologia produtora de esgotamento energético e matérias-primas, ao mesmo tempo que gera lixos tóxicos.
A generalização desse antagonismo capitalismo versus natureza, acompanha e agrava outros antagonismos essenciais. Cresce o fosso ente os grupos cada vez mais reduzidos, detentores do meios de dominação, produção e alienação e o resto da sociedade que, por sua vez, se decompõe em grupos sociais integrados e outros excluídos.
Cresce o fosso entre regiões onde o crescimentos se realizou à custa da periferia despojada dos seus próprios meios naturais de subsistência.
Por outro lado, ocorrem antagonismos também entre os próprios detentores do capital porque a concentração e a concorrência inerente ao modelo mercantil acentua rivalidades em torno da conquista do poder dominante. A concentração faz-se através do aniquilamento dos mais fracos que têm de se sujeitar a essa geo-estratégia de concentração.
O modelo tecnológico, aparece com uma lógica de produtivismo quantitativo que insinua um progresso social. A tecno-ciência mecanicista/positivista (sem uma base ecológica e assente na energia fóssil e na poluição) constitui a trama essencial da produção. Com efeito, dos transportes à agro-indústria, o modelo tecno-científico hegemoniza o tipo de crescimento da economia capitalista.
O sistema de ensino do Estado, privado ou empresarial, constitui um pilar de reprodução do próprio sistema. A socialização cultural é substituída pela institucionalização escolar. Esses referentes paradigmáticos interferiram na estrutura cognitiva, criando e reflectindo uma concepção de ciência e de cultura. Os “epistemes” são produzidos e reproduzidos nesta “grelha de interpretação”(WALLACE 1963) que interessem a manutenção social.
A organização territorial consolida a integração social de maiorias e exclusão de minorias não adaptativas.
A concentração urbana caracteriza esse habitat alheado do eco-sistema. Mas a organização territorial desta fase de globalização tem gerado dispositivos topológicos (FOUCAULT, 1976)) que constituem formas de integração e de dominação cada vez mais sofisticadas. A maquilhagem formal, a espectacularidade das edificações, escondem adestramentos comportamentais das populações e marcam com geo-estratégias complexas, a reprodução alargada da força de trabalho, o domínio manipulatório e/ou compulsivo de hábitos (BOURDIEU-PASSERON, 1964)), de formas de vida e de consumo.
Durante o processo da mundialização da economia capitalista, através das formas coloniais ou neo-coloniais, as sociedades tradicionais de economia de subsistência apresentaram, e apresentam ainda hoje, resistências à imposição desse modelo capitalista, social, tecnológico, territorial e educativo.
Essas sociedades tradicionais não têm actividades puramente económicas. A caça e a agricultura são actividades familiares e comunitárias. Como refere Polanyi,(POLANYI, 1980)) os princípios dessas sociedades vernaculares são formas de reciprocidade que estabelecem um tecido de obrigações mútuas estreitando os laços entre os membros da comunidade. (GOLDSMITH, 1995)
A tecnologia e o habitat das sociedades vernaculares constituem as formas de estar duma sociedade em busca da auto-suficiência, que obedece às imposições do nicho ecológico em que a comunidade se insere
O processo educativo na sociedade, confunde-se com a socialização, vigorando o processo de adaptação à comunidade e ao eco-sistema de que são dependentes.
O processo colonial e neo-colonial instaura-se essencialmente pelo sistema tecnológico e pelos novos dispositivos territoriais. São estes elementos fortes que facilitam a “pilhagem” e produzem a catástrofe das populações nativas.
O habitat e a tecnologia tradicionais, não produziam esgotamento dos bens naturais. Os detritos eram reciclados pelo ecosistema local.
A transmissão de doenças era menos fatal nas comunidades isoladas do que em populações concentradas e em situações degradadas das aglomerações urbanas.
As relações de economia de mercado vieram acelerar a desintegração dos ecosistemas pois os valor de uso ao ser substituído por valor de troca, provocou a delapidação das florestas, aumentou a desertificação e intensificou processos de concorrência que levaram a conflitos étnicos e às guerras.
Ao estabelecermos estas constatações sobre as sociedades vernaculares não queremos, contudo, considerá-las isentas de limitações e portanto não é nosso ensejo apresentá-las como o paradigma alternativo ao modelo técnico-científico do capitalismo.
As ideologias colonial e neo-colonial esforçaram-se em tecer juízos de valor sobre as sociedades vernaculares, querendo ddemonstrar a supremacia do modelo cultural e civilizacional dos países de economia dominante. Foi o pretexto para legitimarem a colonização. Foi e é o discurso ideológico dominante.
Quisemos caracterizar a situação das sociedades vernaculares mostrando como as sociedades colonizadoras, contribuíram para o desequilíbrio entre o homem e a biosfera.
O que se pretende nesta comunicação é formular uma decifração ecológica dos paradigmas entre essas sociedades, que ultrapasse a mera análise “económica”. Por isso formular uma alternativa significa ultrapassar os quadros referenciais do paradigma científico e moderno. Significa também ultrapassar antigos paradigmas em que a sujeição da humanidade ao envolvimento ecosistémico era quase total.
Ultrapassar a atitude destruidora do modelo capitalista e ultrapassar a atitude adaptativa do modelo de sociedade tradicional é o desafio que se põe para a formulação dum paradigma futurante.
Entre destruição e sujeição existe a possibilidade de uma sociedade capaz de integrar os ecosistemas de um modo activo, de maneira a tornar mais conscientes as relações dos homens com os seres vivos e com o biótopo.
O alargamento da consciência planetária, o aparecimento de propostas ecotécnicas (energias renováveis e uma produção com resíduos recicláveis) e ainda o surgimento das novas formas de organização territorial ecologicamente sustentada, permitem apontar como possível, esta “utopia” social, baseada no desenvolvimento ecologicamente sustentado.
Para isso há que encarar as soluções para os antagonismos sociais mas também formular, simultaneamente, respostas às conflitualidades na biocenose e entre a biocenose e o biótopo.
Não existem portanto, soluções político-económicas em estrito senso. Política e economia enquadram-se numa eco-política mais geral, como seja a gestão do próprio planeta. Em última instância é de uma eco-sofia em processo a que teremos de recorrer para esta hipótese alternativa de paradigma.
A história da humanidade aparece apenas como um processo parcelar duma mais vasta aventura planetária. No entanto, para a humanidade, as experiências já vividas nos diferentes modos de produção, nos diversos complexos tecnológicos e energéticos, nos diversos paradigmas político-filosóficos, permitem experiência e teoria para o desenvolvimento futuro.
As aspirações por uma sociedade mais justa e solidária, ficaram assinaladas ao longo da história, por grandes movimentos de libertação. Estes movimentos sociais, só de uma forma vaga e às vezes paradoxal, referenciaram a problemática ecológica. Essas aspirações confundiram-se, umas vezes, com o mimetismo passivo à mãe terra, outras vezes, com o grito Prometaico, portador da sociedade industrial. Outras vezes ainda, ao contrário, orientaram-se para uma sabotagem do surto tecno-científico do sistema fabril.
Com o advento da teoria ecológica, reformulam-se os quadros da ciência positivista e das ideologias sociais. Reencontramos proximidades entre a geo-cosmogonia mágica nativista e as revelações duma complexidade holística da teoria ecológica. Mas há diferenças qualitativas no alargamento da consciência planetária e na capacidade de controlo da humanidade para o equilíbrio ou desequilíbrio entre a organização social e a biosfera.
Se, através da tecnociência se conseguiram autênticos massacres na biosfera, criando a poluição generalizada, a devastação das florestas, a desertificação dos solos, a contaminação das águas, a partir da investigação eco-técnica é possível a produção de protótipos de energias renováveis que não esgotem os bens naturais nem poluam o planeta.
A evolução do conhecimento nas ciências do território, permite a implantação de novos habitats integrados no ecosistema.
O habitat, território, desenvolvimento, bioagricultura, ecotécnica, produção e reciclagem, são corolários sistémicos para um desenvolvimento ecologicamente sustentado.
É nesta configuração territorial e com estes novos dispositivos eco-tecnológicos que se podem propiciar novos comportamentos e atitudes solidárias mais consentâneas com as aspirações de justiça social.
Estes lugares matriciais podem assim, facilitar uma socialização solidária, uma eco-territorialização e uma eco-técnica imprescindíveis para a concretização desta utopia realizável.
Esta utopia não é um “modelo”. É um processo de mudança alternativa à sociedade tradicional de subsistência e à sociedade de globalização do capitalismo neo-liberal.
No terreno prático, o que se pretende, neste artigo, é defender o eco-desenvolvimento (SACHS, 1995) como alternativa para qualquer das sociedades. Qualquer que seja a etapa de crescimento, terá que ter uma opção tecnológica e territorial ecologicamente sustentável que possa auferir experiência prática, teórica e científica da humanidade.
As sociedades vernaculares ou tradicionais, têm uma proximidade material das preocupações ecológicas. Mas, ao mesmo tempo, encontram-se longe das opções reflexivas que podem garantir pela eco-técnica actual, uma melhoria das tecnologias apropriáveis, tradicionais. Contudo, nas sociedades do capitalismo global, será necessária a reconversão da tecnociência à ecotécnica. Terá que surgir uma “medicina planetária” (LOVELLOCK, 1998) capaz de curar as mazelas do crescimento produtivista.
Cresceram os perigos gerados pelo modelo de crescimento. A vida quotidiana dos cidadãos é cada vez mais marcada pelos desastres ecológicos, quer sejam alimentares quer sejam climatéricos.
Há cada vez mais movimentos que tomam consciência planetária desses perigos e mais claramente surgem alternativas concretas no domínio da eco-técnica, da organização territorial e do modo de vida. São experiências exemplares que tendem a multiplicar-se.
Novas formas organizativas, como redes não hierarquizadas onde a unidade se estabelece pelo direito à diferença, despontam em todos os países. Da federação destas organizações e da participação duma “ciência cidadã” (IRWIN 1998) surgem já expressões dum internacionalismo solidário no desenvolvimento ecologicamente sustentado, visível em Seatle e Porto Alegre.

Referências bibliográficas
(1)Amin, Samir, “Imperialismo e Desenvolvimento Desigual”, 1998, Ed. Ulmeiro
   “Eurocentrismo”, 1999, Ed. Dinossauro
   “Desafios da Mundialização”, 2001, Ed. Dinossauro
(2) Bourdieu-Passeron, “Les Heretiers”, 1964, Ed. Minuit, Paris
(3) Foucault, Michel, “La gouvernementalité” in « Magazine Litteraire », nº 269, 1998
    « Surveiller et Punir », 1976, Ed. Gallimard, Paris
(4) Goldsmith, Edouard “Desafio ecológico”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(5) Irwin, Alane, “Ciência Cidadã”, 1998, Ed. Inst. Piaget
(6) Lovellock, James, “Ciência para a Terra”, 1998, Ed. Terramar
(7) Polanyi, K. “The Great Transformation”, 1980, N.Y.
(8) Sachs, Ignacy, “Norte-Sul: Confronto ou Cooperação?” in “Estado do Ambiente no Mundo”, 1995, Ed. Inst. Piaget
(9) Wallace, A.F.C. “Culture and Personality”, 1963, Ed. Rondon House, N.Y.
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Para a Anuária 2000 Uma Experiência Pedagógica em torno do Porto 2001 
História Arquitectura Contemporânea  5º ano


O trabalho prático deste ano foi o de se investigar  uma proposta ecológica para a cidade do Porto 2001.
No princípio do ano iniciou-se a parte prática das aulas com exercícios pedagógicos, tendo como base a didáctica da Bauhaus, (1) da Taliesin Fellowship, (2) da Alanus Schulle (3) e doutras metodologias em torno da criática e da biónica. (4)
A pintura em papel molhado, os exercícios de expressão corporal, a música e o trabalho com barro, permitiram criar uma predisposição para processos criativos inovadores, de desconstrução dos hábitos pré-concebidos de projectação. O estudo da metamorfose a partir das plantas e dos animais abre novas perspectivas para uma expressão orgânica o mais adequada ao desenvolvimento urbano e ao habitat. A sensibilização à tradição do Feng-shui, (5) à geometria sagrada e à “permaculture”,(6) abriu horizontes capazes de ligar modelos tradicionais às formas do futuro. Estudou-se também a experiência ecológica do pioneiro da ecologia M.A.G. Himalaya (máquinas solares e planeamento), revelando uma tradição em Portugal pela problemática do desenvolvimento sustentado e pelas energias renováveis.
Esta didáctica permitiu antever outras concepções de escola, outras alternativas ao ensino dominante.
Esta pedagogia propiciou a abertura para uma concepção da cidade como uma realidade sistémica e planetária. Propiciou também uma introdução ao eco-design.
Com efeito, a paisagem deixou de ser apenas objecto óptico e formal. Ganhou uma dimensão ecológica onde os vários vectores sistémicos se interpenetravam. O biotopo e biocenose revelam a complementaridade da biosfera. Biosfera e noosfera aclararam o relacionamento entre natureza, civilização e cultura.
O planeamento urbano abriu-se à arte complexa dum paisagismo planetário.
E assim o arquitecto só pode ser útil na intervenção urbana se participar na complexidade sistémica da intervenção territorial como um todo.
O formalismo dum pensamento mecânico e linear tem de dar lugar a uma abordagem da complexidade sistémica, na concepção holística da natureza e do homem.
A nossa primeira tarefa foi mostrar como o pensamento mecânico e linear causou a destruição da paisagem e o esgotamento dos bens naturais:
-          O crescimento da poluição;
-          O efeito de estufa;
-          A geopolítica da fome e da sede.
Mas a nossa prioridade não foi a de aterrorizar os alunos com escatologias do fim do mundo. Foi provar e demonstrar que existem saídas hoje, para inventar um futuro em que os interesses públicos se sobreponham aos egoísmos financeiros das multinacionais.
Assim, tendo como base o desenvolvimento urbano ecologicamente sustentado, tentou-se romper com esse pensamento linear e mecanicista.
Tentou-se revelar a cidade como um ser vivo. A ecopolis!.
A sustentabilidade ecológica é assim entendida como a capacidade de produzir e consumir  sem pôr em risco as necessidades das gerações futuras. Trata-se de substituir um processo de destruição de bens e produção de resíduos poluitivos num outro paradigma possível em que o desenvolvimento se processa em interdependência e cooperação da sociedade e da natureza. A regeneração, ou seja a reciclagem e a renovação terão que substituir a entropia assente no esgotamento e no lixo.
Esta abordagem ecosistémica obriga a conceber um desenvolvimento urbano em que o resíduo de uns é alimento para outros. Os sistemas complexos da natureza permitem, quando conscientemente organizados e inseridos nesta concepção, que os rios e os lagos voltem a ter a sua função de regeneração, que a vegetação funcione como um “processo biotecnológico” de reciclagem de resíduos orgânicos e atmosféricos.
Esta mudança de pensamento é uma revolução. Não se entende a ecologia como apenas mais uma disciplina científica. Trata-se de ecologizar o pensamento e ser capaz de imaginar uma sociedade a funcionar fora dos mecanismos da sobrevivência do mais forte. Trata-se de desenvolver através da ecologia, uma “ciência com consciência”. Trata-se de valorizar o aspecto de cooperação existente nos ecosistemas vivos. O resíduo é recurso ou, como se diz na cidade de Curitiba, no Brasil, lixo é riqueza, se formos capazes de criar um desenvolvimento urbano ecologicamente sustentado.
A nossa proposta de ideias para uma ecopolis na cidade do Porto foi alimentada pelo estudo de vários casos que ajudaram à reflexão crítica do modelo urbanístico dominante.
A reflexão alargou-se desde o pensamento utópico até às várias propostas de biosferas. Analisaram-se as propostas do IBA - Exposição Internacional da Construção, para a bacia do Ruhr e para a Exposição de Hannover, na Alemanha. Analisaram-se também as propostas para a região biológica do Grande Toronto, no Canadá, a proposta de eco-urbanismo para a cidade solar de Linz-Pichling, na Áustria, experiências do movimento de eco-aldeias na Europa e ainda múltiplas experiências sobre a incidência da ecologia e da energia solar na arquitectura e no planeamento urbano tal como se puderam estudar nas realizações de Thomas Herzog, Norman Foster, Jourda e Perraudin, Renzo Piano, Richard Rogers, Lucien Kroll, etc...
Munidos com esses casos exemplares de urbanismo e arquitectura e com a estratégia já referida, propus para o Porto o tratamento ecológico integrado dos espaços públicos, visando uma eco-polis.
Os pontos essenciais eram:
-          um plano verde de arborização que permitisse o contacto permanente, através de “corredores de continuuns verdes”, da cidade com a natureza, formando um bio-clima saudável: massas verdes de reciclagem de resíduos atmosféricos e lixos orgânicos, criação de uma agricultura urbana capaz de responder, em muitos aspectos, às necessidades alimentares e simultaneamente estéticas;
-          um plano de tratamento da questão hidrológica que permitisse reter águas pluviais e o seu reaproveitamento em gastos domésticos, revitalização dos cursos de água, organização de “estações de tratamento de águas residuais” com meios biológicos, tendo em vista a reciclagem e a reutilização dessas águas;
-          um plano de transportes alternativos não poluentes que dessem resposta às necessidades colectivas e individuais;
-          um plano de energias renováveis que permitisse um maior grau de autonomia;
-          um plano de organização territorial e construtivo que expressasse novas formas de cidadania participada das populações, na gestão dos bens públicos, isto é, um espaço público favorável ao desenvolvimento social, à auto-gestão e à educação ambiental.
Alguns dos projectos apresentados pelos alunos do 5º ano da F.A.U.P. expressam, com maior ou menor coerência, com melhor ou pior capacidade, estes pontos essenciais aqui enunciados, mostrando que existem alternativas para 2001 e que é possível pensar a arquitectura e a cidade como um ecosistema.
·         Assim, um grupo de alunos estudou o parque de S. Roque, transformando este jardim num lugar agradável e útil, conjugando flores com árvores de fruto, hortas com jardins e fazendo nos cursos de água as bio-e.t.a.r’s capazes de reutilizar águas residuais.
·         Houve quem pensasse nos sistemas de transporte e propusesse pequenos eléctricos, carros municipais que pudessem ser utilizados pelos cidadãos em trajectos específicos da cidade.
·         Um grupo articulou várias áreas dilaceradas pelo trânsito de automóveis, num espaço pedonal integrado, na zona da Cordoaria e Praça dos Leões, possibilitando um coração cultural e natural para a cidade.
·         Outros grupos optaram por revitalizar a zona ribeirinha do rio Douro, regenerando cursos de água, revitalizando percursos humanos, reutilizando edifícios vetustos e propondo uma agricultura urbana que ajudasse a reciclar e a melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
·         Outros grupos intervieram dando prioridade aos cidadãos pelo direito à cidade, criando circuitos pedonais por toda a cidade e levando até aos múltiplos centros da polis árvores e jardins, regenerando a atmosfera e formando meios bioclimáticos saudáveis.
Assim, em todas estas propostas se podem ver preocupações sociais e ecológicas na edificação de centros culturais em múltiplos pólos de serviços municipais, funcionando como experiências exemplares dum necessário plano verde para a cidade do Porto, que a transforme não numa eventual capital de lixo cultural mas numa eco-polis, cidade exemplar ecologicamente sustentada.

Professor Doutor Jacinto Rodrigues 

                                                                                   
(1)     – Bauhaus
Escola de ensino artístico – arquitectura e design, fundada por Gropius em 1919, na Alemanha. Devido ao seu carácter progressista foi encerrada pelos nazis em 1933.
(2)     – Taliesin Fellowship
Escola de arquitectura, design e construção, criada por Frank Loyd Wright, nos anos trinta. Era uma escola de vida, aprendendo a aprender, fazendo um tipo de vida total, com trabalho rural, música, construção, meditação, etc...
(3)     – Alanus Schulle
Escola de arte, formada nos anos 80 tendo como base um conceito holístico da vida, baseada nos princípios de Goethe, Rudolf Steiner e Joseph Beuys.
(4)     – Criática
Método didáctico para o desenvolvimento da criatividade
         Biónica
Investigação experimental sobre plantas e animais, procurando estudar modelos       artificiais a partir do funcionamento orgânico dos seres vivos

(5)     – Feng-shui
Doutrina chinesa do Tao, sobre a busca de um bom lugar (Genius locci) para a vida saudável dos homens.
(6)     – Permaculture
Conhecimento intuitivo dos lugares a partir da prática das populações aborígenas da Austrália e recentemente referenciada nos textos de Bill Molisson.

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                Dossier de Investigação / Trabalho Prático de Equipas
(               global e local: país, região, cidade, zona, edifício)

            

         I Logística Documental

I.1 Arquivo de mapas e/ou planos (os mapas devem ser apresentados de forma sincrónica e diacrónica)

I.2 Bibliografia básica:

a)    País:
        Raquel Soeiro de Brito, Portugal Geográfico, Ed. Estampa, 1994;
              Orlando Ribeiro/Lautersach/Daveau, Geografia de Portugal, Lisboa, 1990;
              Orlando Ribeiro, Geografia e Civilização, Ed. Horizonte;
              Luísa Schmidt, Portugal Ambiental, Ed. Celta, 1999;
              Jorge Carvalho Arroteia, Portugal: perfil geográfico e Social, Ed. Horizonte, 1983;
              Ministério do Planeamento e da Administração do Território, Grandes Opções do Plano   1989-1992,Lisboa, 1988.

b)    Região:
Comissão de Coordenação da Região Norte, O Estado do Ambiente e do Território na Região do Norte, Ed. CCRN;
Teresa Barata Salgueiro, A Cidade em Portugal, Ed. Afrontamento, 1992.
etc....

                      c)   Cidade:
                            Ana Monteiro, O Clima Urbano do Porto, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1997;
                            etc....

                      d)   Zona:
Ilídio de Araújo, Jardins, Parques e Quintas de Recreio no Aro do Porto, in Actas do            Colóquio O Porto na Época Moderna, Revista de História INIC/CHUP, vol.2, 1997;
                             etc....

                      e)    Edifício:
                             Artigos de Jacinto Rodrigues:
Siza Vieria e a beleza que nos circunda – A Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, in Jornal de Notícias, 25/10/1988;
                              La Facultad de Arquitectura do Porto, in Revista Obradoiro, Dezº de 1993;
                              etc....

I.3 Fotografia aérea (eventual)


II
Observação

II.1. Levantamento monográfico essencial

a) Percursos com fotografias e comentários;
b) Caracterização sociocultural (vidé: A observação monográfica de uma zona e Trabalho de bairro, págs. 21 e 81 respectivamente, do livro Frente Cultural, Jacinto Rodrigues, Ed. Afrontamento, 1976)


       
II.2. Metodologia da observação ecológica, bioclimática e morfológica do sítio (vidé: Permaculture, A Designers’ Manual, Bill Mollison, Ed. Tagari)
       
II.3. Metodologia da observação da paisagem urbana para o estudo do diagnóstico e das potencialidades dos lugares (vidé: Imagem da Cidade, Kevin Linch, Ed. 70)

              II.4. Metodologia de cenários (vidé: Art & Nature, Dieter Magnus, Ed. UNESCO)

III
Diagnóstico e alternativas
       
         III.1 Transportes: situação actual e propostas de transportes sustentáveis/zonas pedonais/         ciclovias/ ...
       
              III.2 Zonas verdes: situação actual e propostas de corredores verdes, hortas comunitárias, bosques
              bioclimáticos, árvores depuradoras, agricultura ecológica urbana (vidé: artigos Jacinto Rodrigues in  Revista Arquitectura e Vida
       
              III.3 Tratamento das águas residuais: situação actual e propostas (jogos de águas / bioclimatização  /renaturalização de rios e ribeiros / outros processos de biodepuração)
       
III.4 Reciclagem de lixos: situação actual e propostas (lixos biodegradáveis/agricultura ecológica  urbana/ aproveitamento energético para biogás)
     
               III.5 Espaços públicos, património e edificações. Situação actual e propostas: bioclimatização /  bioconstrução /reutilização dos lugares e alternativas aos espaços de dominação e exclusão.

IV
Conclusão

                IV.1 Estudo integrado e transdisciplinar para a elaboração de um “Livro Branco”.
                IV.2 Exposição de um projecto de cenários, segundo um processo faseado no tempo e apresenta-
                do através de fotomontagens, maquetas, esquissos, textos,etc.



RESUMO DE UM LIVRO

Autor: vida e obra

Apresentação dos temas

Desenvolvimento dos capítulos

Conclusão

Reflexão crítica


FICHA INDIVIDUAL
(escrita à mão)
Fotografia
Nome completo
Naturalidade
Telefone ou e.mail

Identificação com um arquitecto

Preocupações circum-escolares (Literatura/Cinema/Arte...)                               

Estrela 6 pontas:Vermelho(ponta superior)/Laranja/Amarelo/ Verde/Azul/Violeta(seguindo a direcção dos ponteiros do relógio)

Psicomorfologia

Desenho de formas

Árvore

Escultura

Aldeia

Sólido Platónico:Tectomia/Estrutura x Estereotomia/Barro/ Pintura

Descrever a sensação da escola: o espaço

Viagem: trajecto para casa


Ficha de pesquisa em relação a um autor
(10/20págs.)
Título
Biografia
a.Vida e obra
b.Principais obras
Os exemplos escolhidos
a.conceitos mais importantes
b.resumo descritivo
            c.iconografia  
Comentários críticos
Fontes: Livros; Monografias; Sites
Abstract: Resumo essencial (preparação exposição oral)

Glossário
 (1 a 3 páginas)
Elaboração do conceito
Fontes:
Livros
Sites
Exemplos:
Biosfera e Biosfera II
            Ecosistema
            Cadeia alimentar ou cadeia trófica
            Reciclagem
            Geotermia
            Energia solar
            Biónica
            Lagunagem (depuração biológica - depuração risosférica - sistema Kickuth)
            Panóptico
            Complexidade - Transdisciplinaridade – Sistémica
            Biótopo, Bioclima e Biocenose
            Energias renováveis
            Energia eólica
            Living machine (John Todd)
            Permaculture (Bill Mollison)
            Ecosferas
            Prospectiva
            Desenvolvimento ecologicamente sustentado
            Geometria Sagrada
            Metamorfose-Metamorfose das Plantas-Goethe
            Abstracção e Empatia-Abstraction und Einfuhlung
            Estereotómico e Tectónico
            Plano e Volume
            Apolo e Dionísio-Estética de Frederic Nietzsche




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Alguns Artigos Publicados Página Educação de 1999 a 2002 PDF

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URBANISMO SUSTENTÁVEL

Artigo publicado no Jornal de Notícias, 25 de Agosto de 1995 
Jacinto Rodrigues


1 – Dote-se o país de geradores de energia renovável(eólicas, protótipos solares – fotovoltaicos, gazómetros de biogás, centrais de marés, anemotrices e sistemas de produção hidroeléctrica). Articulem-se os vários sistemas entre eles, porque a complementaridade das energias renováveis é evidente. Exemplo: quando desaparece o sol levanta-se o vento; o gás metano pode aumentar se aquecido por processos energéticos suplementares. Por isso, as minicentrais de múltiplos processos de produção energética são essenciais. 
 2 – Dote-se o país com um plano hidrológico descentralizado. Por exemplo: com pequenas e médias albufeiras ( formando uma coluna vertebral entre interior e litoral, cruzando os vários rios do país) poder-se-á permitir uma maior igualdade de oportunidades hídricas para todo o país. 
 3 – Plantem-se florestas e não «florestas industriais» (monocultura de eucaliptos). Exemplo: organize-se uma eco-agricultura que articule harmoniosamente os vários sistemas integrados do desenvolvimento rural, onde se possa conceber uma rede sanitária e formativo-informática. É para isso que pode ser útil o avanço da interacção cibernética e telemática. 
 4 – Dote-se o país de estações biológicas de reciclagem de lixos e águas residuais. Serão estações descentralizadas, em vez de mega-estruturas ( industriais e hipercentralizadas) que apenas transformam lixo noutros lixos mais venenosos ( as dioxinas). As estações biológicas descentralizadas têm outra lógica. São «máquinas vivas» que reciclam e renovam. É uma lógica eco-sistémica e não tecnicismo das indústrias de tratamento químico. As estações biológicas de reciclagem resultam da organização consciente dos eco-sistemas, de maneira a que os lixos, reduzidos ao mínimo, sejam introduzidos no sistema ecológico, integrando um ciclo auto-organizado. Exemplifiquemos com um tipo de «bio-ETAR» ( estação ecológica de tratamento de águas residuais) para melhor vivermos a diferença entre a tecnociência e a ecotécnica. 
Exemplo: uma parte da aglomeração urbana ( bairro) ou então num pequeno aglomerado rural, como em Jarna (Suécia), existe uma mancha verde que entra dentro da povoação e se distende até ao Báltico. À primeira vista é um jardim com lagos, flores e árvores. Mas, aproximando-nos um pouco, vemos cascatas com formas escultóricas fazendo redemoinhos na água batida que se lança em pequenas lagoas com jacintos aquáticos, junquilhos e algas. Envolvendo as margens, existe um enorme roseiral e, num círculo mais estrito, os junquilhos cercam o pequeno lago de águas oxigenadas pelas cascatas e filtradas por areias e argila. Algas, fungos, caracóis e peixes constituem elementos de um ecossistema variado onde não faltam patos selvagens. As pequenas lagoas vão-se interligando por canais que anunciam novos ecossistemas. Durante este percurso, onde uma flora abundante envolve os tais jardins, descobrimos que as águas residuais se vão reciclando…Trata-se de uma estação ecológica de «tratamento» de águas e resíduos orgânicos. De facto, é um jardim útil e agradável. Útil pela reciclagem e agradável. Útil pela reciclagem, mas ainda pela produção de excedentes: peixes, patos e plantas podem ser retirados para alimentação. No miradouro da meditação, já junto ao Báltico, a água corria transparente e límpida. Demo-nos conta de que aquele jardim agradável e tão útil continha este mistério espantoso da reciclagem da natureza. 
Esta organização geoestratégica do território, reequilibra as regiões e cria sustentabilidade para o país. Esta decisão estratégica é essencial como força motora. Mas é importante que os municípios giram eles próprios novas sinergias desses ecodesenvolvimento. 
Em Maio de 1994 decorreu na Dinamarca, em Aalborg, a conferência europeia sobre cidades sustentáveis. Estabeleceu-se uma carta – conhecida hoje pela carta de Aalborg. Várias cidades subscritoras desse documento pretendem levar à prática a sustentabilidade das cidades europeias, mostrando ser possível, a um nível mais local, concretizar o espírito da Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro em 1992. 
No concurso de ideias para Monção foi aprovada uma estratégia de uma ecopólis, uma proposta de cidade ecológica. Aproveitando os recursos geotérmicos, a proposta aprovada defende estes pressupostos de urbanismo ecologicamente sustentável. Está, pois, a gerar-se por toda a parte, a necessidade de se promoverem soluções de ecodesenvolvimento. 
É preciso dotar as instituições de formação, de planeadores e urbanistas de maneira a poder dar-se uma resposta teórica e ecotécnica à nova organização territorial que a nova sociedade vai exigindo. 
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Semana Cultural Antroposofia 1992 PDF

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Artigos no Boletim Soc. Antroposófica 1988 PDF

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Projeto Exposições Itinerantes - 1976
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PDF Artigo sobre A Vida Política em Portugal há 100 anos - Comércio do Funchal 16.05.1974



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Artigo de Jacinto Rodrigues no Comércio do Funchal, 24 de Maio de 1973

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Artigo de Jacinto Rodrigues no Comércio do Funchal, 18 de Janeiro 1973



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